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Uso de estrangeirismos na língua volta a ser polêmica

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

A polêmica está de volta. O procurador da República Matheus Baraldi Magnani, da cidade de Guarulhos, na região da Grande São Paulo, entrou com uma ação civil pública na Justiça para exigir que estabelecimentos comerciais não usem expressões em inglês. Ou, se usarem, que apresentem também – em igual tamanho – a tradução dos termos, para garantir que todos os consumidores tenham o direito de entender o que está escrito. Ciente de estar remexendo em um vespeiro, o procurador se defende e diz que, além de sustentar sua iniciativa no Código de Defesa do Consumidor, a intenção do Ministério Público Federal não é estabelecer proibições, mas disciplinar o uso da língua estrangeira nas relações de consumo.

A idéia de impedir, ou reduzir, o estrangeirismo na língua portuguesa não é recente. Em 1999, o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B/SP) apresentou um projeto de lei (PL 1676/99) que sugeria a redução de palavras estrangeiras na imprensa, em propagandas impressas e eletrônicas, como forma de promover, proteger e defender a língua portuguesa. A medida foi aprovada pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados em agosto de 2000 e encontra-se atualmente na Comissão de Constituição e Justiça, onde já recebeu parecer favorável.

Abusos
Mas, se a iniciativa do procurador da República não é original, pelo menos tem conseguido levantar o debate sobre o abuso no uso de expressões estrangeiras e, junto com ele, a seguinte pergunta: seria possível e desejável conter as interferências na língua portuguesa por meio de leis e de proibições? “Preservar a língua portuguesa é sempre uma idéia válida. O problema é que decisões unilaterais e de cima para baixo, na verdade, são inócuas”, responde o jornalista e autor do “Manual de Redação e Estilo do jornal O Estado de S. Paulo”, Eduardo Martins. Ele se dedica ao estudo da língua portuguesa há mais de 30 anos e não tem receio em afirmar que, no Brasil, sofremos de uma falta de apreço pela língua materna. “E pior, o inglês virou símbolo de status, então o comerciante escreve lá um delivery e esquece que em português sempre se usou ‘entrega em casa’. E, de tanto ler e ouvir delivery, a gente acaba acreditando que essa é a melhor forma de tratar o serviço”, comenta, indignado.

O outro lado da história diz respeito à dinâmica da língua, como explica a professora do Departamento de Português da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), Valeuska Martins: “A língua é viva e é construída a cada minuto pela sociedade. É talvez a instituição mais democrática de um lugar. Por isso não pode ser controlada por nenhum órgão. Esse controle não funciona”.

Estrangeirismos nos meios de comunicação
Se olharmos para o emprego da língua na mídia (imprensa, ou publicidade), os estrangeirismos de fato parecem alcançar seu grau máximo. Dos releases aos newsletter, tão usados pelos jornalistas, passando pelos 30% off, marketing e target dos publicitários, os profissionais da comunicação dão a impressão de ter esquecido que quase todos os termos americanizados têm um similar em português. "O negócio é que esses são os profissionais de ponta na língua. Ou seja, a população lê e ouve o que eles escrevem e dizem. Por isso, se falam num português cheio de estrangeirismos, a população vai acabar falando assim", coloca Eduardo Martins.

Mas, segundo a profa. Valeuska, essa atitude não pode ser condenada. "Publicitários trabalham com pesquisas e costumam conhecer muito bem o público que querem atingir. Ou seja, se usam inglês, é porque aquele público entende inglês. Jornalistas também conhecem a língua. Por isso, se usam inglês, é porque normalmente não há uma alternativa melhor em português". De acordo com ela, portanto, se há um emprego justificado, não há razão para proibir. O que traz à tona a discussão sobre o uso adequado da língua.

Esse é um debate antigo e que divide os lingüistas em duas vertentes. De um lado, os que defendem o uso correto e puro da língua em qualquer instância, como instrumento para preservar o português chamado puro e tradicional. Eles entendem também que ensinar a língua formal na escola seria uma maneira de democratizar o acesso à língua. Do outro, estão os lingüistas que afirmam que o importante é comunicar-se adequadamente com o meio, porque o português castiço também exclui grupos da população. Para esses, há uma língua apropriada para cada ambiente e isso deve ser respeitado. Ou seja, já que o inglês faz parte do cotidiano de um certo tipo de público, essa mistura não precisaria ser proibida, ou regulamentada. "É muito parecido com as gírias. Quem pode proibir o uso de gírias? Embora não façam parte da língua formal, fazem parte da vida e da identidade de uma parcela da população", sugere Valeuska.

Língua e identidade nacional
A identidade de um lugar é a bandeira mais levantada quando o assunto é a correção da língua. Novamente a discussão se divide em duas: de um lado, está o time daqueles que entendem que a língua é nacional e por isso deve ser a mesma para manter a identidade e a cultura de um país. Então, ofender a língua culta é, de alguma maneira, depreciar a identidade do lugar. É o que pensa o jornalista Eduardo Martins. "Ficou mais bonito falar em outra língua e não em português. Mesmo o português usado é incorreto, cheio de absurdos. Não existe aqui a vontade que vejo em outros países de preservar a língua, como uma fonte de orgulho".

O outro time pensa de maneira mais flexível. Acredita que, embora essa noção de todo exista e deva mesmo ser preservada, as manifestações regionais e das tribos também têm igual valor. "Mas desde que para isso a língua mãe, que origina tudo isso, seja mantida e preservada. Porque é ela que fica, que se projeta no tempo, que serve como documento histórico", ressalva a professora da PUC-SP.

Ou seja, o ideal talvez fosse preservar a língua culta, mas respeitando os estrangeirismos, gírias e que tais - desde que bem aplicados -, além das liberdades da língua falada, mais informal – tudo com respeito às normas e bom senso. E, se para isso, leis e ações judiciais não funcionam, o que fazer? "Em primeiro lugar, entender e fazer as pessoas entenderem que há muitas variações possíveis para o português e cobrar que se use o adequado - aquele que tem uma razão de ser - em cada ambiente", propõe Valeuska Martins. E depois: "procurar falar corretamente, porque isso é o que leva a língua adiante", sugere Eduardo Martins. Ele completa: "também nas escolas, nas séries iniciais, podia-se reforçar o valor e a beleza da nossa língua, que é parte da nossa história e da nossa identidade".

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