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Professora propõe nova abordagem para a disciplina

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

A cena é clássica: quando toca o sinal, os alunos saem em disparada da classe para a quadra. Sentam na arquibancada. O jovem professor, com roupas de ginástica, porte atlético e apito no peito, chama os dois melhores desportistas do grupo para dividir os times. Par ou ímpar – quem ganha, começa. Enquanto os que jogam melhor vão sendo escolhidos um a um, os gordinhos, os muito magros, os de óculos e todos os considerados menos aptos vão ficando para o final. Quando os times estão completos, esses últimos ou ficam no banco, ou servem apenas de peso morto, irritando os jogadores tidos como mais capazes. Depois de correrem muito, disputando cada lance como se fora uma final de Copa do Mundo, os meninos suados voltam ainda mais inquietos para a sala de aula, para desespero da professora. Pode ser cruel, inadequado e antipedagógico – mas é assim que uma aula clássica de educação física acontece em grande parte das escolas de São Paulo.

Nadando da direção oposta, a professora de Educação Física e coordenadora pedagógica do Colégio Deaghape, Renata Aguilar, vem desenvolvendo nos últimos anos uma nova metodologia para o ensino e a vivência da educação física, que pretende reduzir a competitividade, aumentar a cooperação, incluir os diferentes e oferecer novas possibilidades de expressão corporal. “É uma abordagem afetiva da disciplina”, conta Renata. “Estamos usando o lúdico para promover o trabalho em equipe, o contato com o outro, a sensação de igualdade, mesmo com diferenças”, destaca.

Além de aplicar esses valores na escola em que é coordenadora, Renata também divulga suas idéias para professores interessados. É o que vai acontecer no curso que será ministrado nos dias 07 e 14 de março, no SINPRO-SP. “O curioso é que, nos últimos cursos, a minoria era de professores de educação física. A maior parte da platéia era formada por professores de outras áreas do ensino infantil e fundamental, o que mostra a vontade de promover a integração”, comenta, mostrando que já há uma sementinha de mudança na postura dos educadores.

Inclusão do corpo no processo educacional
Satisfeita com essa possível nova realidade, ela comenta que, em geral, o professor de educação física fica meio isolado dos demais, assim como os que trabalham com as artes e, portanto, o que acontece em quadra não tem muita ligação com o que se realiza em classe. Com essa nova visão, “a educação física deixa de ser um horário apenas para os meninos correrem loucamente e passa a ser um espaço de inclusão do corpo no processo educacional”, revela.

A discussão que ela abre vai muito além dos portões escolares. Começa na sociedade moderna e chega até a escola de uma forma bastante cruel. A partir do final do século XIX, e mais intensamente durante o XX, por razões que vão da revolução sexual até o avanço da medicina, passando pela propaganda e pelo consumismo desenfreado, o corpo passou a ter um lugar de destaque no imaginário das pessoas. Mas esse corpo em evidência é apenas físico, dominado por padrões estéticos, e separado da mente e das emoções do dono desse corpo. Nas escolas, isso se reflete assim: na sala de aula, os alunos são cabeças que devem pensar. E na quadra, são corpos que devem jogar. Ou seja, cabeça e corpo são cindidos, trabalham isoladamente e, além de não interferirem um no outro, podem até atrapalhar o desempenho global do indivíduo. E que conseqüências essa divisão artificial traz? Renata responde alertando: “Meninas de 3 anos dançando o Tchan, meninas de 9 e 10 com bulimia nervosa, e meninos de 10 ganhando bolsas para jogar por essa ou aquela escola”. Segundo ela, essa visão comercial e publicitária é pouco respeitosa com o corpo. “Não por falso moralismo, mas porque acarreta dificuldades de lidar com as diferenças, as potencialidades, as possibilidades tão distintas de uns e outros”.

E é aí que se encaixa essa educação física não competitiva, mas sim afetiva, inclusiva. “A brincadeira, o toque no outro, dar a mão, compartilhar... tudo isso devolve o prazer à atividade física. E, com prazer, a discriminação aos biótipos menos ´na moda´, ou aos que usam óculos, ou aos que não jogam bem diminui e pode ser reduzida a quase zero”, conta. Ou seja, o segredo é diminuir a competição e aumentar a brincadeira. Mas competir, jogar, ganhar e perder não são aprendizados importantes? De acordo com Renata, são sim. Mas não até os 10 anos – coincidentemente, a idade em que as crianças concluem o ensino fundamental. Até essa idade, ainda muito jovens, os alunos já conhecem a competição por conta de outros estímulos e, portanto, isso não precisa estar presente na educação física. Esse espaço passa a ser então “um lugar de resgate de brincadeiras, cantigas e valores que tenham como objetivo a percepção através do corpo e a expressão também através do corpo”.

Mudança na maneira de encarar a educação
A fórmula, que inclui a retomada de brincadeiras antigas como corda, elástico e pião, traz resultados interessantes. Primeiro, na vida das crianças e de suas famílias, que passam a entender que o corpo não precisa ser estereotipado, nem escultural para ser valoroso. E que as atividades que têm no corpo seu alicerce principal também não precisam vir carregadas de simbolismos sexuais, ou de privações, ou até mesmo de estímulos descabidos. E, por fim, os estudos da coordenadora do Deaghape mostram uma mudança na maneira de encarar a educação. “Sendo senhores de seus corpos, meninos e meninas passam a incluí-los no aprendizado dentro e fora das quadras”, explica. Ou seja, aquele arrepio na espinha ao dissecar um sapo no 5o ano do ensino fundamental, ou a taquicardia por finalmente ter entendido uma equação de segundo grau no 1o ano do ensino médio passam a fazer parte do processo de aprender? “Exatamente. As manifestações e sensações do corpo passam a ajudar os estudantes em seus caminhos e isso independe de ser bom ou mau jogador. Depende apenas de ter um corpo, conhecê-lo e incluí-lo”, comemora Renata.

Os passos seguintes na trajetória de Renata Aguilar incluem implantar a educação física afetiva no maior número possível de instituições. O desafio não é pequeno, mas ela não tem pressa. “A parte ruim é que convencer sobre a importância das mudanças é algo sempre trabalhoso, mas a parte boa é que – apesar de heterodoxo – o projeto é muito bem aceito”, conta. Talvez porque, em geral, os projetos de inclusão sejam generosos com todos, já que costumam caminhar ao encontro das necessidades dos professores e das escolas. “Professores de outras disciplinas e da própria educação física já começam a perceber que são medidas simples e que eles mesmos podem promover” afirma. E logo completa: “Eles percebem que agora o professor de educação física não precisa mais ser o atleta jovem, forte e musculoso. Pode até ser gordinho ou mais velho, pode até não ser um bom jogador. O que ele precisa é entender do corpo e de como incluí-lo no processo da educação”, resume.

Saiba mais:
» Educação Física: uma proposta diferenciada
Público-alvo: professores de Educação Infantil, das séries iniciais do Ensino Fundamental e demais interessados
Objetivos: proporcionar ao corpo docente atividades interdisciplinares, a fim de que possam enriquecer a prática escolar.
Currículo: Renata Aguilar é graduada em Educação Física com licenciatura em Educação, pós-graduada em Psicopedagogia e em Administração Escolar, coordenadora pedagógica e autora do livro: O lúdico na Educação Infantil
Período: 7 e 14 de março (terças-feiras), das 19h às 21h30
Carga horária: 5 horas
Número de vagas: 30
Inscrições:
sindicalizados - R$ 25,00
não-sindicalizados - R$ 50,00

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