Entrevista com Prof. Adalberto Fazzio
SINPRO-SP – O que significa a bandeira brasileira ser levada ao espaço pela primeira vez?
Adalberto Fazzio – De um modo geral, o que podemos dizer é que a viagem espacial tem, claro, um significado simbólico. A partir de 30 de março, os livros de história vão ter que mudar e acrescentar um parágrafo sobre a primeira participação brasileira numa missão especial. Mas acaba por aí. Internamente, a população tem encarado o fato como uma curiosidade, sem ufanismo ou orgulho. E no exterior é mais complicado ainda, porque o mundo todo sabe que o a viagem não é fruto dos avanços do Brasil na área espacial. Nosso programa está longe, muito longe de poder mandar alguém para o espaço com tecnologia nacional. Todo mundo sabe disso.
E os significados para a ciência e a comunidade científica?
Bem, aí há mais críticas que elogios. Primeiro com relação ao orçamento dessa viagem. O Brasil vai aplicar 12 milhões de dólares para realizar esse vôo, que não tem nada a ver com o desenvolvimento científico e tecnológico nacional, que não está atrelado a nenhuma pesquisa e que não vai ter conseqüências científicas. É um investimento muito grande com uma área que não é prioritária. Embora os experimentos que o tenente-coronel Marcos Pontes vai realizar tenham um valor intrínseco e alguns sejam mesmo interessantes, como a cinética de reações em microgravidade, eles nada acrescentam ao desenvolvimento de nossa Ciência.
Por que o senhor afirma de maneira tão incisiva que a viagem e os experimentos não somam nada à nossa ciência?
Para ter um grande valor, ou o experimento tem que ter como objetivo a solução de algum problema, ou tem que ser mais uma pecinha, no meio de uma engrenagem que, lá na frente, vai apresentar algum resultado. E o que ele vai fazer lá no espaço não se encaixa em nenhuma das duas categorias. São experimentos válidos, claro, mas que não estão acoplados a pesquisas relevantes. Essa viagem toda começa com um acordo de cooperação feito entre o governo brasileiro e a Nasa. E aquele acordo era vantajoso. Haveria transferência de tecnologia e formação de recursos humanos. Mas o acordo sairia muito caro e ele foi migrando para essa participação que não representa vantagem para ninguém. Aliás, talvez seja benéfica para os russos, que devem achar muito bom receber a quantia brasileira. Mas do jeito que ficou acertado, não há cooperação científica, não há formação de capital intelectual, não há inserção em pesquisas relevantes e, pior, não haverá continuidade, o que é prova da falta de valor científico.
Se não tem valor científico, talvez tenha valor político...
Ah sim. A grande vantagem do evento é levantar questões a serem discutidas não só pelos cientistas, mas também por toda a sociedade. Por exemplo, há 2 bilhões de reais retidos nos fundos setoriais para uso da ciência e da tecnologia do Brasil. A pergunta que deve ser feita é: como usar bem esse dinheiro? O negócio é que todo esse debate deveria ser mais aberto. E não é. O que impede que assuntos mais importantes e prioritários tenham vez. É o caso das discussões sobre o Veículo Lançador de Satélites (VLS), que o país está desenvolvendo.
Que foi o que causou o acidente na base de Alcântara, no Maranhão, em 2003.
Exatamente. Naquele momento, a Sociedade Brasileira de Física teve um papel muito atuante na busca pelas causas e pela reconstituição do acidente. E ficou constatado que havia muito improviso, muito desleixo mesmo. Também, com um orçamento de 100 milhões de reais... aí eles usam 10% disso para mandar um brasileiro de carona numa nave russa. Para você ter uma idéia, a China gasta o equivalente a 500 milhões de reais em seu programa espacial.
O senhor disse que a discussão não é aberta. O que significa isso?
Veja, de quanto em quanto tempo saem notícias sobre o programa espacial brasileiro nos jornais? É tão raro... a gente fica muito tempo sem notícias. É até esquisito que o presidente da SBF saiba muito pouco sobre o programa. As informações, as decisões, tudo que é mais importante fica nas mãos do CTA, que é um órgão militar, da Aeronáutica. Fica tudo restrito a esse pequeno clube, enquanto, na verdade, a discussão devia ser aberta e envolver os membros da sociedade civil. Na minha opinião, o programa deveria ficar a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia que, me parece, vem aplicando muito bem os recursos, aumentando os investimentos e apostando em projetos interessantes.
Além de fechadas, as decisões acabam parecendo amadoras... Voltamos, por exemplo, ao acidente na Base de Alcântara.
Decisões amadoras. Isso mesmo.
Mas qual é a razão do amadorismo, professor? A ciência brasileira vem dando provas de que já ocupa um lugar de respeito no cenário mundial. Temos as células-tronco, o mapeamentos de genomas, descobertas astronômicas importantes, a produção de átomos raros, incentivos para o investimento em desenvolvimento tecnológico... por que então essa área espacial fica para trás?
De fato a ciência brasileira está bastante desenvolvida, criando soluções e encontrando respostas importantes. O problema é que a área espacial não está nas mãos dos cientistas do Brasil. Está nas mãos daquele clube restrito que mencionei. E esse clube é fechado. Se a sociedade civil entrasse na discussão, aí os avanços certamente seriam bem maiores. A aplicação desses 12 milhões de dólares, por exemplo, seria bem mais proveitosa e também a viagem espacial teria outros proveitos.
Quais, por exemplo?
Ah, serviria de base para a discussão nas escolas e universidades.
Mas isso ainda dá tempo de fazer, professor.
Dá sim e a minha dica é o professor focar nos experimentos que Marcos Pontes vai realizar. Do ensino fundamental aos primeiros anos da graduação, há bastante material para discutir, comentar e usar como gancho para aulas mais atuais e, portanto, mais interessantes.