Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
O bombardeio de informações ganhou forma e contornos mais definidos em meados de abril. Em diferentes veículos e noticiários, era possível encontrar o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, alertando o mundo sobre os perigos do enriquecimento de urânio patrocinado pelo Irã. O discurso não é novo – pelo contrário, foi exaustivamente utilizado em outras ocasiões recentes, e agora se adapta a mais uma realidade e contexto, acompanhando os novos interesses estratégicos do Império. Por isso, não é difícil perceber que a idéia é consolidar na opinião pública a necessidade de uma ação militar contra a república islâmica, já que o uso de energia nuclear – por ser o passo inicial para a produção de armas atômicas – poderia colocar toda a região do Oriente Médio – e, no limite, a humanidade – em risco. Qualquer semelhança com as “armas de destruição em massa” do Iraque não será mera coincidência.
O perigoso numa situação assim é que tudo fica parecendo muito óbvio, quase automático. Ou seja: como o Irã ameaça o mundo enriquecendo urânio, então os Estados Unidos, mais uma vez, na tentativa de assegurar a ordem e a segurança mundiais, teriam o direito de atacar o inimigo. É a tese dos “ataques preventivos contra o terror, o eixo do mal”, consagrada pela Doutrina Bush. A primeira vítima foi o Afeganistão, em 2001; depois, o Iraque, em 2003, e, agora – por que não? – o Irã, em 2006. Ou seja, seguindo essa dinâmica, onde a domesticação da opinião pública por meio dos conglomerados midiáticos passa a ser fundamental, um novo conflito acabaria sendo encarado como uma realidade bem normal, e nada chocante. “O problema é que o contexto é mais complicado do que parece e, por isso mesmo, posicionar-se diante dele deve ser uma atitude corajosa e cuidadosa”, defende o professor de Ciência Política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Antônio Carlos Peixoto.
Ele explica que os conflitos entre Irã e Estados Unidos já vêm de longa data. De 1979, mais exatamente. “Naquele ano, os aiatolás derrubaram o xá Reza Pahlevi e seu governo ditatorial e implantaram ali um governo de orientação muçulmana e fundamentalista”. Já naquele tempo, os Estados Unidos se colocavam contra o novo regime e diziam que estavam tentando livrar a população iraniana de um governo ilegítimo e não democrático. No ano seguinte, o Iraque – governado por Saddam Hussein e altamente incentivado pelos EUA, que tentou tirar proveito da situação – declara guerra ao Irã, acreditando que, por conta da Revolução dos Aiatolás e da divisão interna, o país vizinho não conseguiria resistir muito tempo. Só que não foi bem isso que aconteceu. “A guerra foi duríssima e durou oito longos anos, porque a população iraniana – muito maior – se envolveu e foi para o front lutar. O resultado foi um empate devastador, em que os dois lados saíram perdendo”, comenta Peixoto. Naquele momento, tanto os Estados Unidos quanto os demais países ocidentais perceberam que o regime dos aiatolás não era uma aventura e tinha chegado para ficar.
“Na década de 1990, acontece um daqueles paradoxos da história”, continua o professor da UERJ. “Saddam, que era amigo do ocidente até o final da guerra Irã-Iraque, passa a ser considerado o inimigo número um dos Estados Unidos”. Perguntado se essa mudança de papel se devia à invasão e tentativa de anexação do Kwait, em 1990, Peixoto sorri, entre irônico e desconsolado. “A invasão do Kwait foi a desculpa, um bom pretexto. A verdade é que a região é coalhada de poços de petróleo e também está numa posição estratégica para transportar o produto”. E essa é a senha principal para se entender as reais razões para as intervenções norte-americanas e os conflitos naquele trecho do planeta.
Poder sobre o petróleo
O Oriente Médio detém, sabidamente, as maiores reservas de petróleo da Terra. Sob um solo belicoso repousa a maior parte do produto mais importante do planeta e que faz funcionar a economia global. Por isso, ter controle sobre essa região é algo tão importante e estratégico. “Quando os Estados Unidos saíram vencedores da Segunda Guerra Mundial, eles passaram a ter a hegemonia sobre o mundo e, como se por direito, também passaram a ter um certo poder sobre o petróleo”, conta Antônio Carlos Peixoto, explicando a razão pela qual os americanos se sentem no direito de policiar e gerenciar as crises – e até os países – daquele pedacinho do globo terrestre.
As diferenças com o Irã, portanto, vêm de longe. O que acontece é que, por conta de uma levíssima guinada em direção à democracia, vivida pelo país muçulmano nos anos 90, além de outras guerras mais urgentes para os EUA, essas diferenças acabaram ficando até agora em segundo plano. Mas, depois de sufocar “focos rebeldes” no Afeganistão e no Iraque, Bush está sabendo ressuscitá-las com grande eficiência. Para contestar e combater a falsa idéia de uma guerra inevitável, o professor da UERJ explica a real dimensão da crise. O especialista lembra que o atual presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, anunciou, no início de abril, que seu país havia conseguido enriquecer urânio pela primeira vez. No entanto, a quantidade de urânio enriquecido pelo Irã foi de apenas 3,5%, em relação ao material processado. “Então surge o primeiro ponto de equívoco: a quantidade usada em uma bomba nuclear é de 90%, nunca menos que isso. Portanto, o Irã ainda está muito longe de ter uma bomba como a de Hiroshima”.
O problema é que o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) havia exigido que o Irã interrompesse as atividades de enriquecimento de urânio até o dia 28 de abril. A ONU trabalha com precedentes: no passado, ainda na monarquia de Palehvi, o Irã escondeu que estava trabalhando com material radioativo e isso fez dele um país não-confiável em termos energéticos. “O ocidente teme que o Irã esconda o jogo mais uma vez e alcance a produção de energia nuclear e, depois, de armamentos nucleares”, explica Peixoto.
Mas dessa vez há mais um agravante e variável a ser considerada, que é o que explica a rápida disseminação da idéia de uma próxima guerra a caminho. Seguindo o raciocínio do cientista político, se o Irã conseguir, de fato, produzir armas atômicas, será uma ameaça para o chamado equilíbrio da região do Oriente Médio. Passará a enfrentar de igual para igual, por exemplo, Israel – que já possui armamento nuclear. E passará também a ter mais poderes sobre o petróleo e o gás de seu subsolo. Ou seja, mais combustível para uma região que já vive em brasa. Digamos então que, para fazer valer seus interesses, o Irã resolvesse aumentar o preço do barril de petróleo. “O ocidente não iria agüentar. Se a 70 dólares o barril o mundo já está com medo, imagine se for a 100”, provoca Peixoto. É por isso que George W Bush defende uma intervenção no Irã. E diz preferir que seja diplomática, mas, como já ameaçou, “não descarta nenhuma outra hipótese”.
Há ainda uma outra grande razão para o governo norte-americano começar a sugerir ao mundo que outra guerra pode acontecer: “Bush não terá sobrevida política se não aparentar para os americanos, a todo o momento, que ele é o garantidor da segurança dos Estados Unidos”, revela o professor da UERJ. Ou seja, sem a guerra – qualquer guerra – Bush não é ninguém. E para isso vale qualquer artifício. Seja começar a disseminar uma nova idéia de um conflito iminente, “seja apoiar Israel em caso de bombardeio ao Irã”, sugere. Antônio Carlos Peixoto tem certeza de que, se os EUA não agirem ofensivamente contra o país dos aiatolás, Israel o fará. “O que nem seria ruim para os Estados Unidos, já que o território iraniano é muito montanhoso, o que dificulta as ações por lá. Além disso, está ficando cada vez mais difícil para os EUA conseguir mais dinheiro para guerras. O país já gastou mais de 400 bilhões de dólares e os conflitos estão longe de acabar”, conclui.
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