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Livro explica o caminho que projetos percorrem até serem aprovados

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a proximidade do 1º de Maio, Dia do Trabalho, para anunciar que pretende enviar ao Congresso propostas de modificações nas leis trabalhistas e sindicais. A intenção, ainda genérica, não representa grande novidade. Desde pelo menos o governo Collor, aliás - e para limitar o campo de alcance à história recente -, essa tem sido uma investida corriqueira: a tentativa de alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e os artigos constitucionais que tratam dos dois temas.

O principal argumento usado para tentar convencer a sociedade de que essas reformas são imprescindíveis garante que a “atual legislação representa obstáculo para o crescimento econômico e o desenvolvimento nacional”. Graças a essa suposta justificativa, durante a administração de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002, e mesmo no início do governo Lula, algumas propostas semelhantes acabaram sendo aprovadas. Os brasileiros viram mudar, por exemplo, o sistema de contagem de tempo para conseguir a aposentadoria.

Entre o anúncio e sua aprovação e consagração, no entanto, qual o caminho que uma idéia, essa ou outra qualquer, tem de percorrer até virar lei no Brasil? Pode parecer uma pergunta ingênua, mas será que sabemos dizer de onde vêm as leis que regem a nossa vida e estabelecem nossos direitos e deveres? Leis como as que devem em breve ser sugeridas pelo presidente Lula, acarretando mudanças na área trabalhista, ou como o Código de Defesa do Consumidor, que oferece uma série de garantias aos brasileiros?

Como funciona o processo decisório
Para responder a essa e outras indagações relacionadas ao assunto, Antônio Augusto de Queiroz coordenou e organizou o livro Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis. Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP); nos últimos anos, vem se dedicando a estudar como são feitas as leis em nosso país. Em seu livro, explica como funciona todo o processo decisório: as instâncias, os atores, as regras, o ambiente político e as estratégias.

Para começar a esclarecer a longa jornada, o jornalista conta que, para merecer virar lei, a proposta “tem que ter interesse público e não se prestar ao favorecimento de determinados grupos”. Ou seja, é preciso que a sugestão tenha amplitude e qualidade. Mas essa primeira colocação já representa um primeiro problema. Mesmo que o leitor não seja um especialista em política, certamente já ouviu falar sobre como as leis são sugeridas e aplicadas e também sobre como, fatalmente, acabam por beneficiar uma ou outra parcela da população. Então a idéia da universalidade estaria completamente prejudicada? Segundo o autor, não. Há leis, ou melhor, a maior parte das leis nacionais responde a essa determinação de servir ao público. “Um bom exemplo é o sistema geral e universal de acesso à Previdência, ou as políticas públicas ligadas à educação e saúde”, explica. Mesmo que, em última instância, elas sejam mais benéficas a algumas parcelas, de um modo geral “são leis que procuram beneficiar a população como um todo”.

Assim, se cumpre a primeira exigência (qualidade/amplitude), a proposta segue o seu caminho. Caso a idéia venha do Poder Executivo – como as mudanças nas leis trabalhistas propostas pelo presidente Lula –, do Judiciário ou da sociedade civil, seu primeiro ponto de parada deve ser a Câmara dos Deputados. O mesmo vale para propostas sugeridas pelos próprios deputados. A única exceção é se a proposta nasceu no Senado Federal. É o caso, por exemplo, do projeto aprovado no final de abril e que impede a concessão de liminares por apenas um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa idéia já nasceu no Senado e, por isso, tramitou primeiro lá, na Comissão de Constituição e Justiça da casa.

“Essas comissões também têm um papel bastante relevante”, revela Queiroz, “porque elas são a porta de entrada de uma proposta e nelas estão os parlamentares que, por vocação, ou formação, estão mais envolvidos naquela área”. Assim, a Comissão de Orçamento normalmente é composta por economistas, a Comissão de Educação é integrada por educadores e assim por diante. Isso oferece às discussões um nível mais elevado, mais qualificado. Também se for necessário corrigir ou ajustar algum ponto, esse trabalho pode ser feito pelos parlamentares das comissões, que estão presentes tanto no Senado quanto na Câmara.

Outro papel importante das comissões é, se necessário, levar o assunto que está sendo discutido para a sociedade civil. “É o que a gente chama de Audiência Pública. A comissão convida os setores organizados da sociedade para debater o projeto”, diz o autor. Mas, se a Audiência Pública é um exemplo de democracia e participação popular, o que – pelo menos teoricamente – deve beneficiar o caráter público das leis, o reverso da medalha também está presente nesse processo.

A tentativa de “legislar em causa própria” costuma causar embates acirrados dentro das comissões e ganhar contornos ainda mais gritantes fora delas. É no plenário que acontece o grande choque de forças e de interesses dos grupos representados pelos parlamentares. Queiroz reforça: “no mundo todo o parlamento é exatamente isso. Representantes de grupos variados num embate de forças. No Brasil, não seria diferente”. E é nesse ponto que tem início o processo que o jornalista chama de barganha. Sozinhos, os grupos não têm força – ou seja, votos – suficientes para aprovar ou barrar as medidas que vão a discussão. “Por isso, para alcançar seus objetivos, esses grupos se unem estrategicamente, formando composições. Esse é o jogo típico da democracia brasileira e mundial”.

O que o diretor do DIAP quer dizer é que somente depois de entrarem nas casas parlamentares e de enfrentarem as comissões é que as propostas tornam-se verdadeiramente peças da máquina de disputa política. É aí que vão agradar ou irritar ruralistas, católicos, evangélicos, socialistas, liberais, neoliberais, etc. E é aí também que os partidos negociam e fazem seus apoios terem mais valor. “Vira uma via de duas mãos. Hoje eu te ajudo a derrubar um projeto se, amanhã, você me ajudar a aprovar outro”, conta Queiroz.

Jogo político
Nesse embate de forças, outros personagens também começam a revelar seus poderes. Em relação a possíveis fatores que podem influenciar na aprovação ou reprovação de uma proposta, o especialista conta que há dois canais mais comuns. O primeiro é mais interno, próprio do jogo político mesmo e diz respeito à negociação e à barganha. Quem tem mais poder de persuasão, vence. “É o caso das propostas enviadas pelo Executivo. Elas representam 80% das leis do país”. Essas propostas vêm acompanhadas de um grande aparato de poder. “Para serem aprovadas, o governo lança mão dos seus líderes, seus ministros e até mesmo das verbas requisitadas pelos parlamentares”, conta Queiroz. Ou seja, o governo joga pesado quando quer convencer os congressistas a aprovar ou derrubar um projeto de lei. “Isso se a gente ficar restrito às práticas legais”, provoca o diretor do DIAP.

A segunda maneira de fazer um projeto ser aprovado envolve, além dos atores internos das casas parlamentares, do Executivo e do Judiciário, personalidades e entidades de destaque no país. Isso acontece quando a imprensa, os formadores de opinião, ou os artistas, por exemplo, compram uma causa e emprestam seus rostos e suas penas para um projeto. No dia 26 de abril último, por exemplo, os cineastas Luiz Carlos Barreto, André Sturm e Roberto Farias foram a Brasília pressionar para que o projeto que prorroga até 2016 o primeiro artigo da Lei do Audiovisual seja votado. Esse projeto permite que as empresas usem até 3% de seu Imposto de Renda para financiar o cinema nacional. O resultado da visita? Chuvas de notinhas na imprensa e a promessa do presidente do Senado, Renan Calheiros, de dar prioridade ao assunto. “Caras famosas abrem espaços dentro e fora dos corredores do Parlamento e isso ajuda a acelerar as votações”, conta Queiroz. E tem mais uma vantagem, de acordo com ele: dar visibilidade a uma idéia é sempre uma maneira de conquistar mais transparência nos trâmites e mais fiscalização e participação da população.

O fato é que, na maior parte das vezes, a sociedade acaba ficando de fora das decisões. “Embora o processo de confecção das leis aqui no Brasil seja sim democrático, porque envolve negociação, choque de idéias, votações e tal, a parte mais atingida por essas medidas normalmente fica de fora”, lamenta o autor. Ele conta que, por conta de todos os anos de acompanhamento do processo, pode dizer sem nenhuma dúvida que a população só participa desse contexto na época das eleições. É o momento em que as pessoas são obrigadas a participar, nem que seja só pelo voto. E isso traz grandes problemas. “Porque quando a sociedade se dá conta de uma lei que passou e vai ser prejudicial, às vezes é tarde demais. Já não há como revogar. O Executivo já sancionou e esse é o último capítulo na vida de uma proposta”. A solução, para ele, é a mesma que todos que acompanham a política recitam de cor: as pessoas precisam se organizar. Fundar ou encontrar organizações que representem seus desejos e ideais e fazer essa entidade ter atuação não só social, mas política também. “Se não a população ficará sempre nas mãos dos grupos hegemônicos e isso, embora faça parte do jogo democrático, não ajuda a construir uma democracia de plenos direitos”, conclui.

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