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Entrevista com Sérgio Mazina Martins, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

Depois da segunda onda de ataques promovida pelo PCC, quais as lições que podemos tirar dessa crise?
O cenário é preocupante e vem se agravando. O mais importante é que essa preocupação não se limite somente à gravidade dos fatos mais recentes ou que comece a especular de quem é a culpa ou a responsabilidade por termos chegado a esse estágio. É preciso ir além e identificar o que está na base desse processo. Vivemos uma profunda crise do sistema penal e prisional. E, enquanto sociedade, precisamos identificar os mecanismos que estão nos levando a essa crise. Claro que é difícil, pois estamos sendo atropelados pelos fatos. Mas nós entendemos que, por trás dessa situação de crise, está a explosão da população prisional brasileira. A partir dos anos 1990, essa população está aumentando de maneira extraordinária. É preciso lembrar que esse encarceramento encontra o Estado brasileiro que nós conhecemos – com precariedades históricas, deficiências fiscais e econômicas, e também com sérias carências humanas. Ele não está dando conta de recepcionar, com dignidade, essa população prisional, e a situação está saindo de controle. A ausência do Estado abre espaço para formas espontâneas de organização dos presos, que têm suas leis, ética, formas de julgamento, estratégias e lideranças, que nem sempre são aquelas que nós desejamos ou com as quais concordamos. Em rápidas palavras, esse é o cenário que estamos vivendo. E enquanto ele não for enfrentado de fato, em suas raízes, nós viveremos situações cada vez mais incontroláveis.

A sociedade está disposta a enfrentar essa crise a partir do paradigma que o senhor propõe? Parece que a exigência é exatamente oposta – mais prisões, penas mais severas, redução da maioridade penal e até mesmo pena de morte, retomando o antigo discurso dos “direitos humanos como direitos dos bandidos”.
É verdade, a sociedade caminha para o outro lado, majoritariamente. Mas, nesse momento, apenas prender e usar a truculência significa apagar o fogo com gasolina. Estaremos apenas superlotando ainda mais o já caótico sistema prisional. Não é solução. A sociedade, antes de mais nada, precisa estar bem informada sobre o assunto, para que possa conhecer com profundidade esse processo histórico. Não nos cabe impor soluções. O que será feito depende realmente das decisões que a sociedade, coletivamente, se dispuser a adotar. Eu vejo dois caminhos bastante distintos. O primeiro diz respeito exatamente a essa política de aprisionamento excessivo. Se for assim, vamos ter de construir cada vez mais presídios e aprender a conviver com as organizações criminosas, que se tornarão cada vez mais audaciosas. A outra possibilidade envolve uma política penal conseqüente. Ela entende que a pena de prisão é necessária, mas deve ser aplicada em situações excepcionais. Não basta prender. Até porque, em algum momento, nós vamos novamente nos encontrar com aquele preso, quando ele estiver em liberdade. Precisamos definir uma política penal conseqüente. Aliás, ela já foi definida em 1984, quando foi feita a reforma do código penal e aprovada a lei de execuções penais. A partir dos anos 1990, no entanto, essa legislação passou a ser retalhada e emendada por instrumentos cada vez mais repressivos. A expressão mais acabada dessa mudança de postura é a lei de crimes hediondos. Insisto: a superpopulação carcerária torna a situação insustentável.

Não vivemos também um paradoxo – em tese, a prisão significa a não possibilidade de contato com a sociedade, o mundo exterior. Mas é de dentro das prisões que o crime organizado se impõe.
Existe um certo senso comum, e ele é até justificado, porque não conhece com profundidade a realidade das prisões, que imagina que a cadeia seja o local de afastamento e de congelamento de seres humanos. Mas nunca foi assim. A prática prisional já tem três séculos e sempre foi um espaço vivo, com pessoas vivas e em constante interação, que pode ser positiva ou negativa. O indivíduo que está hoje na cadeia vai sair dela, quando acabar a pena, e vamos nos reencontrar com ele. Então temos de nos preocupar com o que acontece com ele no período em que está na prisão. Se eu o abandono, quando voltar a abrir a porta, muito provavelmente vou encontrar alguém que não desejo encontrar. O que está acontecendo no presídio de Araraquara é a representação máxima da situação atual do sistema prisional brasileiro. São mil presos abandonados em um pátio. Trancamos e jogamos a chave fora. Deixamos que eles se resolvam. E eles estão se resolvendo – à moda deles, claro. Esse é o nosso sistema prisional.

O Estado perdeu a capacidade de enfrentar o crime organizado? O poder público não tem mais instrumentos de reação e combate?
Essa é a grande pergunta que todos estamos fazendo. Até os anos 1990, nós dizíamos que o PCC não existia, era uma invenção, uma anedota. Em 2001, fomos surpreendidos por uma mega rebelião, que se espalhou pelo estado de São Paulo. Chegamos à conclusão de que o PCC existia, mas estava dentro dos presídios. Em maio de 2006, percebemos dramaticamente que ele está nas ruas e que tem a capacidade de influenciar o cotidiano de uma cidade como São Paulo. Agora em julho, vimos que essa é uma capacidade reiterada e permanente. Qual a próxima dedução ingênua que vamos fazer a respeito desse problema tão complexo? Não sabemos aonde essa situação pode chegar se não formos capazes de parar e discutir, com serenidade e profundidade, com base em dados concretos, uma política penal conseqüente.

Como o senhor avalia o comportamento e as ações das autoridades envolvidas com a questão?
Estamos vivendo, novamente como sociedade, um sentimento aguçado de insegurança. Ele tem fundamento e é legítimo e não diz respeito apenas à minha segurança, à possibilidade de sair de casa e enfrentar algum episódio de violência patrocinada pelo crime organizado. É um sentimento maior, que está atingindo o cidadão comum, que começa a ter a percepção, a convicção, melhor dizendo, de que o Estado brasileiro não tem política penal. Nossas autoridades, em todos os setores, em todos os níveis e esferas de administração, estão se ressentindo da falta e da indefinição dessa política. A sociedade percebe essa lacuna e a transforma em sensação de insegurança. O Estado também percebe – e suas ações são avulsas e não estão articuladas por uma estratégia mais ampla. Todos nós estamos carentes dessa definição de uma política penal mais ampla, global, que considere vários aspectos, e que não seja pontual ou eleitoral.

O PCC começa a justamente ocupar espaços não preenchidos pelo Estado, construindo estreitos laços sociais com populações carentes e áreas menos favorecidas da cidade. Nesses nichos, busca inclusive recrutar novos soldados. É um movimento com caráter político? Ou temos apenas uma organização criminosa?
Certamente é um movimento com impactos e desdobramentos políticos, na medida em que manifesta controle e domínio sobre a vida da população, quando paralisa a cidade, não atuando apenas sobre seus militantes. Por outro lado, não é um grupo terrorista, pois não tem bandeira ideológica. Não é o caso, o PCC não tem essa consistência. Todavia, insisto, tem natureza política, movendo-se na esteira da precariedade do Estado. Essa vocação de querer substituir o poder público e de fazer propaganda de ações voltadas para os excluídos da sociedade é um fenômeno bastante antigo, eles não estão inventando a roda.

A grande pergunta que a sociedade está fazendo é: o que podemos esperar? Novas ações virão? Fala-se em rebeliões conjuntas no dia dos pais, em novos atentados, caso presos ligados ao PCC sejam transferidos para outros estados. Teremos de aprender a conviver com o crime organizado?
Nesse momento, as indicações são extremamente preocupantes. Nunca se sabe o que pode vir do lado de lá. É verdade que a polícia está atuando e que São Paulo, mesmo com todos os problemas, tem a melhor polícia do Brasil. No entanto, a organização continua atuando, e devemos estar preparados para muitos problemas semelhantes aos acontecimentos registrados em maio e julho. O nosso grande receio é que esse exemplo possa se irradiar para outros estados.

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