Reclassificação dos planetas reacende antigas discussões da astronomia e traz novas propostas para a educação
Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Olhar para o céu está um pouco diferente. É que, desde 24 de agosto, o pequeno e distante Plutão deixou de ser considerado um planeta e passou a ser chamado de planeta-anão. A mudança polêmica foi uma decisão da União Astronômica Internacional (UAI), que esteve reunida em Praga, na República Tcheca. O curioso é que, de fato, nada aconteceu com o planeta. Mas se Plutão continua exatamente igual ao que sempre foi em seus quatro bilhões de anos, o que mudou – de fato – para que ele ganhasse esse novo status?
“Com Plutão não aconteceu nada. Ele é exatamente o mesmo. Com a gente é que aconteceu”, brinca o astrofísico e professor do Instituto de Astronomia e Geofísica da Universidade de São Paulo (IAG/USP), Enos Picazzio. Ele se refere a uma questão antiga da humanidade, a mania de classificação. Sempre gostamos de categorias. “Só que quanto mais conhecimentos acumulamos, mais as categorias ficam insuficientes. E quem gosta de tudo assim certinho é o homem. A Natureza é diferente”, explica. E é aí que nasce a velha discussão sobre Plutão. Velha sim, porque remete ainda ao final do século 18, quando astros como Urano e Netuno foram descobertos e classificados como planetas. Naquele momento, ficou decidido que, para ser um planeta, o corpo celeste precisaria obedecer a três regras: ser quase esférico, ter uma órbita ao redor do Sol e dominar essa órbita, ou seja, ser grande o suficiente para expulsar do caminho (e jamais se cruzar) outros objetos.
Logo depois da descoberta de Netuno, os cientistas começaram a desconfiar que, na região posterior a esse planeta, deveriam existir outros corpos importantes e, quiçá até, planetas. Essa região do Universo passou a ser chamada de transnetuniana. E foi assim, observando a transnetuniana, que em 1930 os astrônomos encontraram Plutão.
O professor do IAG conta que a descoberta não foi anunciada como se fosse um planeta. “Falou-se em corpo, em asteróide, mas foi o hábito que fez toda a sociedade passar a chamar de planeta”. E ele lembra também que veio daquela época mesmo o início das discussões sobre a classificação de Plutão. “Ora, Plutão é muito pequeno, não tem forma esférica e, embora orbite o Sol, sua trajetória não é nem circular, nem livre, pois ela cruza com a de Netuno”. Portanto, pela explicação clássica, Plutão jamais foi um planeta. E a polêmica discussão sobre o status do planeta – ou não – vem se arrastando desde lá, e acabou sendo retomada com intensidade nos últimos tempos.
Planeta-anão
Na reunião anterior da União Astronômica Internacional, em 2004, já havia sido formado um grupo de discussão para que, na reunião deste ano – que contou com cientistas de 75 países do mundo todo –, fosse apresentada uma proposta de consenso. E foi exatamente o que aconteceu. “O grupo que hoje dirige a UAI sugeriu que fosse mudado o conceito de planeta e assim Plutão ficaria incluso”, fala Picazzio. Mas aí haveria um novo problema. De acordo com essa nova classificação, cerca de 10 outros corpos celestes passariam a ser planetas também e isso causaria um certo furor na sociedade científica e entre estudantes e professores, porque quase tudo estaria dentro dessa categoria. As mudanças seriam radicais e extremamente impactantes. E o astrofísico da USP chama a atenção para o fato de que dar nome às coisas não é uma questão científica somente, diz respeito a toda sociedade e à cultura. Existem línguas que nem têm palavras para definir asteróides, ou satélites. Por isso, uma discussão como essa precisa ser cuidadosa, delicada.
E levando isso em conta, os cientistas reunidos em Praga pensaram e propuseram o seguinte: se Plutão não é mesmo um planeta, então que ele seja chamado de um planeta-anão. Ou, em outras palavras, “um corpo menor que a massa mínima necessária para ser um planeta, com órbita definida e em torno de uma estrela e podendo ter seu caminho cruzado por outros astros”, ensina Enos Picazzio antes de derrubar de vez essa bobagem de rebaixamento que vem sendo repetida. “Plutão não foi rebaixado coisa nenhuma. Ele foi é classificado corretamente”. E mais do que isso, o ex-planeta, atual planeta-anão, passa então a ser a referência, o padrão do que passou a se chamar planetas-anões transnetunianos. Ou seja, o que for semelhante a Plutão e estiver na região depois de Netuno, passa a ser considerado um planeta-anão plutoniano. Praticamente uma promoção.
Como tratar do tema na escola
Agora a pergunta que fica é: e nas escolas? Como explicar para os alunos esquecerem o que viram nos livros? E como pedir para os professores ensinarem algo diferente do que está escrito nessas obras. Na opinião do professor do IAG não vai ser fácil. “É difícil mudar uma informação que vem sendo ensinada assim há 76 anos, mas não é impossível”. Mas, como bom físico, ele já está de olho na solução desse problema. “É só não fincar todas as bases nos livros didáticos. Basta buscar outras fontes de conhecimento, como a internet, jornais e revistas. Mas, principalmente, basta não ver a ciência como a detentora da verdade absoluta e nem os cientistas como os grandes sábios, a quem não se deve enfrentar”, revela Enos Picazzio.
Alias, ainda de acordo com o astrofísico e professor da USP, a ciência se faz assim, questionando. E a cada resposta encontrada, inúmeras outras perguntas se apresentam. Então a ciência não é um fim nela mesma, e deve ser um instrumento pela busca incessante pelo conhecimento. “O problema é que o professor, hoje, morre de medo das perguntas. Porque às vezes o aluno é mais bem informado que ele, que tem que preparar muitas, muitas aulas, lecionar em várias escolas e mal tem tempo de ler o jornal”, explica Picazzio. Mas também para esse problema ele aponta uma resposta. “Se o professor não temer a ciência, ele pode plantar nos alunos e nele mesmo a sementinha da pesquisa.
Então não importa que ele não tenha todas as respostas na ponta da língua. Ele pode propor um estudo sobre aquela questão que apareceu”, propõe otimista. E isso pode ser desde uma palavra desconhecida, que pode ser encontrada numa consulta coletiva ao dicionário, até uma visita ao planetário para descobrir porque mesmo que Plutão deixou de ser chamado de planeta. Até porque, se você acha que as discussões a respeito desse assunto foram devidamente encerradas na 26a Reunião da União Astronômica Internacional, está enganado. “Lá os cientistas, entre tantas outras questões, oficializaram também o termo corpos pequenos, para designar astros não esféricos, e agora a polêmica é: qual é o limite? Onde termina o planeta-anão e onde começa um corpo-pequeno?”, provoca Enos Picazzio, mas essa é uma discussão para a próxima UAI, em 2008. E aí, você está preparado?