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Entenda a crise internacional criada pelo país de Kim Jong Il

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Havia oito anos que o mundo não recebia a notícia da realização de testes nucleares – os últimos oito tinham sido realizados em 1998 pela Índia (três) e Paquistão (cinco). De acordo com a professora Emiko Okuno, do Departamento de Física Nuclear da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao programa Pesquisa Brasi, veiculado na rádio Eldorado, essa história começa em 16 de julho de 1945, no deserto de Nevada, quando os Estados Unidos testaram uma bomba com o potencial semelhante ao da que seria lançada sobre a cidade japonesa de Nagasaki, em 9 de agosto do mesmo ano. Desde então, os EUA realizaram outros 1053 testes, o último deles em 1992, sendo seguidos pela ex-União Soviética, com 715 explosões experimentais, pela França, com 210, Inglaterra, com 45, e China, com 43 testes.

Depois de intervalo relativamente longo, o último capítulo dessa trajetória foi escrito no último dia 9, pela Coréia do Norte, que explodiu, em uma região localizada a 385 quilômetros da capital Pyongyang, uma bomba atômica com potência estimada em quinze kilotons. O acontecimento, além de trazer de volta os ventos desconfortáveis da Guerra Fria, guarda outros significados e conseqüências sobre os quais se deve refletir com atenção e profundidade.

Recorrer à história
Antes de qualquer coisa, é preciso repudiar e lamentar a disposição norte-coreana de produzir tecnologia capaz de gerar armas nucleares. No entanto, para entender as possíveis razões que empurraram o país liderado pelo presidente Kim Jong Il a apostar nesse caminho, é importante recorrer à história.

Cinco anos depois do final da II Guerra Mundial, a península coreana envolveu-se em uma sangrenta disputa que colocou frente a frente as duas potências hegemônicas da época, EUA e URSS, que lideravam blocos ideológicos antagônicos. Diante da possibilidade efetiva de uma ampliação do conflito, que poderia sair de controle, a solução salomônica, comum naquela época, foi dividir o país em duas porções: o norte (comunista e alinhado a Moscou) e o sul (capitalista, aliado de Washington). Para a Coréia do Norte, um país pobre, o cenário foi relativamente tranqüilo até o final dos anos 1980, quando o regime soviético começou a apresentar seus primeiros sinais de debilidade, para logo em seguida fracassar.

No início dos 90, a China ainda não dispunha de condições para preencher esse espaço e socorrer Pyongyang, embora sempre tenha sido uma aliada importante dos comunistas do norte. Como resultado desse processo, a Coréia do Norte viveu, entre 1995 e 1997, graves crises econômicas, provocadas por fenômenos naturais como secas e invernos rigorosos. Pragmática, decidiu aproximar-se dos EUA (então governado pelo democrata Bill Clinton), do Japão e da Coréia do Sul. “A administração Clinton, secundada por Tóquio e Seul, aproveitou a terrível crise econômica da Coréia do Norte para promover uma aproximação capaz de ‘domesticar’ o regime e, ao mesmo tempo, diminuir o temor paranóico de Kim Jong Il. Os Estados Unidos ofereceram-se para ‘comprar’ os armamentos coreanos, em troca de petróleo e alimentos. Visava com isso criar condições de confiança entre as duas partes”, escreve o historiador Francisco Carlos Teixeira, em artigo publicado pela agência Carta Maior.

”Eixo do mal”
O cenário muda radicalmente quando o republicano George W. Bush assume o poder, em 2000, e torna-se dramático depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, quando o presidente dos EUA decide incluir a Coréia do Norte entre os países que fazem parte do que chamou de “eixo do mal”, ao lado de Iraque e Irã. Acuada e temendo ser a “bola da vez”, principalmente depois que as intenções estadunidenses deixaram o discurso para trás e se transformaram em ameaça efetiva (estamos falando da invasão do Iraque), a Coréia do Norte decide fazer das armas nucleares o seu instrumento de barganha e de contenção de um possível ataque dos EUA. “É nesse momento que King Jong Il decide-se pela estratégia de ‘fuga para a frente e para o alto’. Trata-se de aceitar as acusações de desenvolver armas ofensivas como elemento dissuasório de um ataque norte-americano”, completa Teixeira, no mesmo artigo. “Diante de tais circunstâncias, a Coréia do Norte sentiu-se ameaçada e decidiu desenvolver seu programa para obtenção de armas de modo que pudesse dispor de um elemento dissuasório contra qualquer possível ataque dos EUA”, concorda o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, em texto publicado pela Folha de S. Paulo.

Para Henrique Altemani, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que participou do programa Globo News Painel no último dia 14 de outubro, o revelado potencial norte-coreano pode de certa forma indicar que “o crime compensa e representar a salvação, a não invasão”. Segundo o especialista, a idéia que se reforça é que “no cenário internacional, quem viola o Tratado de Não-Proliferação Nuclear sai ganhando, enquanto que quem obedece a esses princípios acaba perdendo e ficando vulnerável”. Vale lembrar que o Tratado, idealizado em 1970, foi assinado em 2002 por 188 países, e determina que a tecnologia nuclear só pode ser utilizada para fins pacíficos. “Trata-se de um Estado fraco, náufrago, quase um pária, sacudindo a bandeira do desespero e buscando legitimidade e reconhecimento”, resumiu Marcos Azambuja, do comitê executivo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), ainda durante o Globo News Painel.

Instabilidade na Ásia
Um segundo aspecto a ser considerado são os desdobramentos que a bomba nuclear norte-coreana pode provocar em uma região historicamente instável como a Ásia. “O Japão, que já vem perdendo espaço político, diplomático e econômico para a China, sentindo-se ator de segunda categoria, pode enxergar no episódio a oportunidade para incentivar um discurso nacionalista e militarista”, alertou Altemani durante o debate. No mesmo programa, Geraldo Cavagnari, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reforçou que, diante de uma nova ameaça nuclear muito próxima de seu território, “o Japão pode decidir abandonar os princípios de sua Constituição que limitam suas Forças Armadas a um papel interno e de autodefesa para lançar-se a uma perigosa corrida armamentista”. A China, embora aliada da Coréia do Norte, também não vê com bons olhos o ingresso de mais um membro no seleto grupo mundial de potências atômicas. “Não só Pequim teme mais um vizinho nuclear (já possui Rússia, Índia e Paquistão), como teme, ainda mais, a possibilidade de o Japão decidir-se pela construção de um arsenal nuclear próprio. Com 150 anos de disputas violentas com Tóquio, tendo sofrido a ocupação e o holocausto de chineses nas mãos nipônicas, a China veria como uma grande ameaça a nuclearização das forças armadas japonesas”, destaca Teixeira.

O episódio do teste nuclear norte-coreano explicita de certa forma a fragilidade dos mecanismos internacionais em estabelecer controles efetivos para a proliferação de armas atômicas. Nesse quesito, é possível que a incoerência das grandes potências acabe representando um estímulo significativo aos impulsos de outras nações. O raciocínio dos pequenos seria o seguinte: se eles, os “grandes”, dispõem de uma quantidade nada desprezível de ogivas e de mísseis atômicos, por que pretendem exigir que outros abram mão dessa prerrogativa? “Minha grande preocupação são as vulnerabilidades e incentivos que o episódio norte-coreano acaba indicando para países como o Irã, por exemplo, também disposto a desenvolver armas nucleares”, admitiu Azambuja, na Globo News.

Fundamental é também refletir sobre possíveis reações da Coréia do Norte às sanções impostas pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da resolução 1718, aprovada por unanimidade no dia 14 de outubro. De acordo com essa resolução, as contas de autoridades norte-coreanas no exterior foram bloqueadas, o país está proibido de importar ou de exportar materiais que possam ser aproveitados na fabricação de armas; além disso, o documento exige a eliminação completa do arsenal nuclear da Coréia do Norte e o fim imediato dos testes. O governo de Pyongyang já anunciou que entende essas determinações como uma “declaração de guerra”. O grande receio da comunidade internacional diz respeito à possibilidade de a Coréia, acuada e com as instituições enfraquecidas, acabar usando as armas nucleares de forma atabalhoada – ou, pior ainda, que esse arsenal acaba indo parar em mãos de terroristas. “A fraqueza do país e a possibilidade de um golpe militar criam a sensação de que tais armas não estão sob perfeito controle do Estado naquele país.

Por fim, Washington insiste neste ponto: num ato de vingança, a Coréia do Norte poderia entregar um engenho nuclear a um grupo terrorista, que assumiria o ônus de sua utilização contra o Japão, Austrália ou mesmo os Estados Unidos”, analisa Teixeira, na Carta Maior.

Saídas para o impasse? Michael May, da Universidade de Stanford, em entrevista ao portal Globo.com, só vê uma alternativa: “Acho que todos negligenciaram a Coréia do Norte por muito tempo e agora que eles conseguiram desenvolver a tecnologia nuclear, é preciso levar o país mais a sério e sentar para negociar, sem impor o fim das pesquisas de forma unilateral, mas discutindo uma maneira de desarmar o país e dar um fim aos testes desse tipo de armamento”.

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