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Reflexões marcam o Dia da Consciência Negra

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Os paulistanos poderão aproveitar mais um final de semana prolongado neste final de novembro. Instituído em 2003, o dia 20, oficialmente reconhecido como o Dia da Consciência Negra, homenagem a Zumbi de Palmares, conquistou status de feriado na maior cidade do país. A data, no entanto, não será marcada apenas pelo descanso ou pelas viagens, mas por mobilizações e eventos que pretendem chamar a atenção da população para o preconceito e a exclusão racial e social que, apesar dos avanços, ainda se fazem presentes em nosso cotidiano. No vão livre do MASP, por exemplo, serão realizadas atividades culturais e religiosas; o espaço será também o ponto de partida para a III Marcha da Consciência Negra. Trata-se de mais uma importante etapa de uma longa jornada de lutas consagrada pelo movimento negro, que, desde seu início, pretende denunciar o mito da democracia racial brasileira e estabelecer de fato uma convivência baseada na tolerância e na igualdade de oportunidades, em todos os sentidos.

Quando se faz um balanço dessa trajetória, principalmente em anos recentes, vale destacar uma importante vitória alcançada pelo movimento negro em 2003, quando foi sancionada a lei 10.639. Considerada uma espécie de divisor de águas, ela altera a Lei de Diretrizes e Bases e coloca como obrigatório nas escolas públicas e privadas, de ensino fundamental e médio, o ensino da história e da cultura africanas. A determinação sugere que os conteúdos não devem ficar restritos à disciplina de História, mas sim atravessar horizontalmente a grade curricular para atuar de forma interdisciplinar, em contato com matérias como Geografia, Ciências, Educação Artística e Literatura.

Entre os militantes do movimento negro no Brasil, a implementação da lei é motivo de comemoração, embora admitam que o ideal seria que as pessoas não precisassem de imposições legais para reconhecer as raízes de nossa sociedade e incluir a África nas suas referências. “A principal qualidade dessa lei é que, ao contrário do que se pensa, ela não caiu de pára-quedas nem foi imposta de cima para baixo pelo governo”, afirma a historiadora Juliana Ribeiro da Silva. Ela conta que a regulamentação representa o reconhecimento de um trabalho de mais de 30 anos dos militantes pelos direitos dos negros, que agora vão se apoiar na determinação para ver figurar na história oficial as contribuições política, econômica, social e cultural dos afro-brasileiros.

Muito por fazer
A lei é um marco importante, mas mesmo quem participa do movimento negro admite que ela está longe de ser suficiente. Juliana, que também é mestranda em História Social pela USP e educadora do Museu Afro-Brasil, que fica no Parque do Ibirapuera, acredita que se uma lei é necessária é porque as pessoas precisam começar a olhar e a tomar posição para um determinado tema ou aspecto. No caso da 10.639, “não dava mais para ignorar a presença do negro na nossa história”, explica. Pode se enganar quem achar que a lei encerra um assunto. Na verdade, para a sociedade como um todo e para as escolas em especial, a sanção da lei é apenas o início de um período de estudos, discussões e de acomodações. “Para a implementação, o principal é a capacitação do professorado. Não tem ensino se os professores não estão preparados. Essa perspectiva deve estar combinada com a revisão curricular e com o envolvimento da comunidade escolar e das famílias para que isso se torne fato”, anunciou a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Social, em entrevista à revista Caros Amigos.

No entanto, o ponto alto desse importante debate parece não estar mesmo na idéia da lei como um fim, nem tampouco na sua tradução ao cotidiano das escolas. A parte mais rica dessas discussões diz respeito às descobertas que se pode fazer enquanto se traça o caminho da teoria para a prática. “Desde que o 20 de novembro foi confirmado como feriado, o Museu Afro-Brasil passou a receber em média 1.300 visitantes por dia”, revela Juliana. Um número tão espantoso quanto a resistência manifestada por muitos dos visitantes que procuram o museu. E o espanto vira preocupação quando a educadora conta que os professores representam uma parcela significativa desses resistentes. “Primeiro eles disfarçam, não pega bem ter uma postura politicamente incorreta aqui, mas acabam revelando o desconforto”, conta. Juliana trabalha diretamente com os educadores e cansou de ouvir frases absolutamente preconceituosas e injustificáveis. “É por isso que a primeira grande descoberta que se faz ao tentar incluir a África e o negro na história é que nós mesmos somos muito preconceituosos e isso não é fácil de aceitar”, propõe.

Combater o preconceito
O imaginário de todos os brasileiros é ainda povoado por idéias que colocam o negro num lugar de inferioridade – ou como uma ameaça. A comparação com animais, por exemplo, é recorrente. “As pessoas dizem: ‘Eu acho os negros lindos, eles têm dentes muito bonitos’ e esquecem que isso remete diretamente ao hábito de comprar cavalos. Olhavam os dentes para ver se o cavalo era bom”, provoca Juliana. E ela lembra também do costume de desviarmos de uma oferenda com farofa, velas e flores, posta numa esquina, por medo de que aquilo cause algum mal; ou referências à força física dos negros. Isso sem falar nas manifestações explícitas de racismo que se pode presenciar e ouvir em um estádio de futebol – ou de alguém que atravessa a rua quando vê um negro caminhando em sua direção. Para a educadora, toda essa fantasia “está além de todos nós, faz parte da nossa cultura, é dificílimo perceber e se livrar dela”. O desafio é lembrar que um educador tem o dever de parar, de pensar, de checar, de estudar, de pesquisar. O educador deve estar aberto para as informações e as formações e, ainda, incentivar seus alunos a ser curiosos e a tomar gosto pela busca. Não pode reforçar estereótipos ou o senso comum – pelo contrário, deve ser um estimulador da ruptura com o preconceito e da convivência tolerante e democrática entre os diferentes.

Por isso, se o professor se der conta de que é atravessado por essas crenças e preconceitos, ainda que muitas vezes essa não seja uma dinâmica consciente, e tiver coragem de transformar essa realidade pessoal, ele já andou uma boa parte da estrada. “A sala de aula é o lugar onde a coerência se faz mais necessária. Os alunos percebem quando um professor não está sendo coerente com seus valores”, lembra Juliana. Por isso, para quem luta pela inclusão da África na educação brasileira, é preciso derrubar os próprios preconceitos, encarar naturalmente as diferenças e incluir a diversidade nas aulas. Contudo, ninguém ousa dizer que esse é um trabalho fácil. A historiadora coloca que “o professor tem que dar a volta nas tradições, driblar uma formação incompleta e ainda achar tempo para estudar todos esses novos assuntos e posturas”. Mas, se o educador conseguir vencer essa primeira barreira, um outro universo começa a se descortinar.

A educadora do Museu Afro-Brasil lembra da história que uma professora que visitou o lugar contou. No fundo da sua classe sentava uma menina negra que nunca participava da aula. Aliás, nunca se manifestava nem com expressões ou gestos. Era a própria apatia. “Assim que a professora começou a colocar nas aulas os temas da África e dos negros de uma forma geral, a garota passou a se expressar e, mesmo sendo tímida, dava um jeito de sorrir, concordar ou discordar”. O mesmo acontece quando o professor, ao dar o exemplo de um médico importante, cita Juliano Moreira, ao falar do urbanismo de São Paulo fala de André Rebouças e, nas aulas de literatura, incentiva a leitura de Machado de Assis e Lima Barreto. Todos negros e referências em suas áreas de atuação. Que, aliás, são infinitas e variadas, passando muito além dos campos de futebol que, imaginam os alunos, poderiam representar a fronteira final dessa participação e contribuição.

E do pequeno universo, mira-se a sociedade como um todo. Porque as pequenas mudanças vão alcançando alunos e professores, mas vão também ajudando a reescrever a história de um país, “com o grande esforço de não colocar o negro nem como vítima, nem como herói, mas como um personagem fundador e partícipe desses mais de 500 anos de Brasil”, explica Juliana. Segundo ela, ainda é um trabalho de formiguinha. Lento, mas persistente. “Embora existam leis que atrapalham, embora a mídia ainda não tenha entendido bem essa nova postura, estamos caminhando. Eu vejo a mobilização de escolas e professores, eu já sou capaz de ver uma nova história do Brasil”, conclui.

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