Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Se conceituar educação inclusiva já é difícil, imagine trabalhar com ela cotidianamente, em sala de aula, e dar conta de todas as demandas que ela pode gerar. Darcy Raiça, Cláudia Prioste e Maria Luiza Gomes Machado são professoras da PUC-SP e vêm dedicando os últimos anos a estudar o tema da inclusão do portador de deficiências mentais. Seja no curso de especialização “Educação Inclusiva e Deficiência Mental”, oferecido pela universidade e do qual Darcy é coordenadora, seja na prática da sala de aula, as três viram surgir uma porção de dúvidas, das mais básicas às mais complexas, sobre o assunto. São perguntas que, em geral, deixam os professores perdidos, inseguros sobre como agir e o que ensinar. Pensando nisso, elas se reuniram e escreveram 10 questões sobre educação inclusiva da pessoa com deficiência mental.
“O livro não é um manual, nem tampouco prescreve receitas, mas procura discutir e refletir sobre as dúvidas mais comuns dos professores quando o assunto é inclusão de portadores de deficiências mentais”, conta Darcy. As autoras optaram por fazer uma obra simples, objetiva e de fácil compreensão. “Tratamos do básico, porque, sem ele, nada mais pode ser trabalhado”, explica. Assim, o livro é dividido em dez capítulos que tratam questões como a diferença entre educação especial e educação inclusiva, os ambientes que favorecem a aprendizagem e o que esperar do desempenho da pessoa com deficiência mental.
Entre todos os tópicos levantados, um chama mais a atenção. Diante da necessidade de implementar a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e a Constituição Federal, as escolas tiveram de abrir suas portas para as pessoas com necessidades especiais. Segundo Suely Fidalgo, também professora da PUC-SP e que nos últimos dez anos vem se debruçando sobre a questão da inclusão dos portadores de necessidades especiais nas escolas, com foco na formação do professor, essa abertura para as diferenças é positiva, mas gera ansiedade e angústias. “O professor primeiro fica feliz, porque entende que estará ajudando a formar, acima de tudo, cidadãos. Mas, o que se encontra na prática da sala de aula são educadores assustados com tanta novidade”. E por que o susto? “Porque, infelizmente, até hoje a formação do professor está calcada no conteúdo e não na formação de sujeitos pensantes, com todas as suas possibilidades desenvolvidas”. E isso, no dia-a-dia, faz uma grande diferença. Imagine, por exemplo, uma professora de matemática que tinha 40 alunos na sala de aula. Cada um com suas diferenças e potencialidades, mas fazendo parte de uma média comum em termos de desenvolvimento, aprendizado, possibilidades. A partir de um dado momento, 20 desses alunos têm características especiais. Não podem ouvir. E agora? Para quem ela vai ensinar? E como ela vai passar seu conteúdo?
Caminhos possíveis
“Normalmente, quem está de fora ou está começando agora, acha que o problema é muito maior do que ele realmente é. Não significa que seja fácil, é difícil mesmo educar e incluir ao mesmo tempo. Mas quando vamos vivenciando o cotidiano da educação inclusiva, descobrimos caminhos possíveis”, entusiasma-se Darcy. Segundo a autora, a primeira barreira que deve cair para o professor ter uma turma mista é o preconceito. Quando a informação correta se consolida, o mito é obrigado a se desfazer, e aí sobra espaço para as reflexões críticas e as atitudes mais adequadas e tolerantes. E a boa notícia é que a experiência de Darcy, Cláudia e Maria Luiza mostra que o professor é ávido por esses conhecimentos. “O educador já está sensibilizado pela questão da educação inclusiva, o que falta mesmo é uma formação específica”, propõe Darcy.
Suely concorda. “É pouca e falha a formação que temos. Ou ela é paga, o que impede um monte de professores de fazer, ou ela é por meio de videoconferências, ou palestras, o que não atende a uma necessidade básica e fundamental do educador”. Suely se refere à troca. Para ela, a formação através de videoconferência é incompleta porque o professor não pode ser ouvido. Suas queixas, suas dificuldades, suas angústias em relação a incluir pessoas com necessidades especiais não encontram amparo em ninguém, em nenhuma instituição. E isso deixa o professor desencantado. Quando o contrário acontece, quando ele é ouvido, vemos o oposto. “Um professor motivado, disposto a dar a volta nas dificuldades e a cumprir seu papel de educador aceitando, as diferenças de cada aluno”.
Os alunos e a relação deles com o professor, aliás, são outra peça fundamental para a prática inclusiva de ensino. Darcy acredita que as crianças menores não são, por natureza, preconceituosas. Ou seja, não vêem na diferença uma desigualdade, uma desvalorização. Crianças brincam da mesma maneira com portadores de deficiências e com não portadores, com um instinto natural de superar as dificuldades alheias. Uma das questões abordadas horizontalmente no livro 10 questões sobre educação inclusiva de deficientes mentais é justamente essa abertura para o professor observar e aprender com as crianças. “Ajuda muito estar aberto para observar e entender como as crianças se relacionam entre si. O professor pode aprender muito com isso”, coloca Darcy. A professora de lingüística Suely mais uma vez concorda. “As crianças são os pares mais desenvolvidos no quesito relacionamento. Elas entendem muito mais do próprio universo que qualquer professor, e entender como essa troca se dá é muito legal”, garante. Ou seja, observando e compreendendo a relação das crianças que brincam entre si, independentemente de estarem numa cadeira de rodas, de não conseguirem ouvir ou de terem algum grau de limitação, o professor passa a se perguntar: se elas conseguem, por que eu não conseguiria? E assim acontece a verdadeira inclusão, na opinião de Darcy e Suely. Visão que é compartilhada por teóricos da educação, como Lev Vigotsky, contemporâneo de Jean Piaget, que defendia que o verdadeiro crescimento educacional é aquele que é compartilhado com o outro, com todas as suas diferenças e peculiaridades.
Se a isso for somada a participação de toda a equipe da escola, do pessoal da limpeza ao conselho pedagógico, chegaremos muito perto do ideal da educação inclusiva. A boa notícia é que a sociedade está se mexendo. Na esfera oficial, as leis determinam a inclusão. “Embora os decretos e as resoluções tenham uma visão esquisita do que é deficiência, por exemplo, a LDB e a Constituição de 1988 prezam muito a inclusão e isso acaba se refletindo nas políticas de educação”, conta Suely. Por isso as secretarias de educação e as diretorias de ensinos já contemplam a inclusão em seus projetos educacionais. As escolas respeitam esses projetos e vêm tentando se adequar. “Não estamos falando só de fazer rampas. Adequar-se é uma tarefa difícil e longa e que vai das instalações físicas ao suporte e apoio do professor”, conta Darcy. E esse parece ser ainda o ponto mais falho e também o mais importante, segundo as duas entrevistadas. A família, que é o reverso dessa medalha, parece ser a parte mais avançada nessa história. Mães e pais têm cobrado das autoridades e das escolas o direito de ter seus filhos com necessidades especiais matriculados em turmas regulares. O que desejam é que seus filhos tenham acesso a um processo de educação que envolva a turma toda e que, em vez de separar os alunos por conta de suas diferenças, una pela tolerância e pelas possibilidades do grupo e de cada um.
Serviço
10 Questões sobre a Educação Inclusiva da Pessoa com Deficiência Mental
Autoras Darcy Raiça, Cláudia Prioste, Maria Lúcia Gomes Machado
Editora: Avercamp
Preço: R$ 26,00