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Entrevista com José Antônio Marengo Orsini, pesquisador INPE

Para dar voz a uma pergunta que o leigo no assunto tem feito com insistência nos últimos tempos: o mundo está na iminência de acabar por causa do aquecimento global?
Não, não vai acabar assim. Estamos observando o planeta nos últimos 50 anos e o que podemos dizer é que o aquecimento global é um fato. Ou seja, o planeta está mesmo mais quente e a temperatura vem subindo lentamente. Agora, toda a previsão para o futuro, ainda mais para o futuro do clima e de suas conseqüências, é baseada em modelos, e estes podem ser otimistas ou pessimistas. Hoje, temos condições de imaginar como será o planeta por volta do ano de 2100 num cenário pessimista, ou seja, sem a adoção do Protocolo de Kyoto, sem as autoridades tomarem as medidas necessárias; e no mesmo período, mas num cenário otimista, com a adoção de Kyoto, das metas de redução de emissão de poluentes.

Se vocês já conseguem imaginar como será o clima no futuro, o que o senhor acha que a humanidade vai encontrar no cenário otimista e no pessimista?
No extremo do pessimismo, temos um clima muito mais quente. Em alguns pontos, a temperatura poderá subir até oito graus, ou mesmo dez graus centígrados, além de uma redistribuição do regime de chuvas. Regiões menos chuvosas, como o interior da África, ficariam ainda menos chuvosas. E situações como a onda de calor no inverno europeu e as enchentes que estão acontecendo nesse momento em São Paulo e no Rio de Janeiro ficariam mais comuns. No cenário otimista, tudo isso vai acontecer também, mas mais lentamente e de maneira menos violenta. A Amazônia, no cenário pessimista, teria um aumento de temperatura de oito graus e diminuição de 20% das chuvas. No otimista, a temperatura subiria quatro graus, e as chuvas cairiam 10%. No melhor dos casos, portanto, a região ficaria apenas mais quente, porque a diminuição das chuvas não causaria tantos males.

E o Nordeste?
O Nordeste, na previsão pessimista, teria um aumento de cinco graus e diminuição de 20% das chuvas. E na otimista a temperatura aumentaria em três graus e as chuvas diminuiriam 10%. Se lá acontecesse o pior, a população não se adaptaria. Veja que no Norte o problema diz respeito à biodiversidade; no Nordeste, a questão é humana e social. É para a população mesmo.

E para o Sul e o Sudeste do país?
O sul teria um aumento das chuvas, que seria de 10%, na pior das hipóteses, e de 5%, considerando o melhor cenário. E a temperatura subiria entre dois e três graus. Lá a questão é econômica, pois mais água significa problemas na agricultura. No Sudeste e no Centro-Oeste também não está muito claro o que pode acontecer com as chuvas. Certamente nada de extraordinário, mas a temperatura pode subir entre três e quatro graus. E isso significa aumento no uso de aparelhos de ar condicionado, por exemplo. Com maior uso da energia, sem aumento das chuvas, poderíamos ter mais um apagão. Veja que o problema não é só o que vai acontecer com o clima. É como ficarão as pessoas afetadas por aquele clima.

O senhor poderia explicar um pouco melhor isso? Essa relação entre o clima e as pessoas?
Já faz tempo que essa discussão sobre o aquecimento global saiu do campo da meteorologia e passou a ser estudado multidisciplinarmente. Hoje, além do clima, a gente estuda também os efeitos na sociedade. Tudo isso para que o estudo do clima tenha sua verdadeira razão concretizada. A gente prevê o futuro para que as medidas certas possam ser tomadas.

Ou seja, com a possibilidade de previsão dos diferentes cenários associados ao aquecimento global, o que se espera é que as autoridades tomem as devidas providências, com objetivo de minimizar os impactos para as sociedades. É isso?
Exatamente isso. Vamos falar em um exemplo bem claro. Aqui no sertão brasileiro, no Nordeste do país, as pessoas já são vulneráveis à seca, ao calor. Se aquela região esquentar mais e ficar ainda mais seca, com a estrutura que temos hoje lá, os habitantes não vão se adaptar e vão sair de lá, transformando-se no que estamos chamando de refugiados ambientais, que acabam indo para as grandes cidades e lá aumentam ainda mais os problemas sociais, como falta de emprego e moradia. A previsão do clima do planeta deve servir, então, de pontapé inicial para a resolução de problemas sociais. É por isso que lá no Inpe a gente está sempre em contato com a Agência de Águas, com a Embrapa e com a Fundação Osvaldo Cruz, por exemplo. Essas são instituições que podem motivar políticas públicas na gestão das águas, na agricultura e na pecuária e nas questões de saúde.

O senhor poderia enumerar outras mudanças no Brasil? Além do Nordeste, onde mais haveria mudanças climáticas e sociais?
Embora a corrente alarmista goste de dizer que a Amazônia ficaria seca pela falta de chuvas, a verdade é que, no pior cenário, no mais pessimista, a região amazônica teria a temperatura elevada em oito graus centígrados. Com isso, a floresta deixaria de ser o sumidouro de carbono que é hoje e se transformaria em algo semelhante ao Cerrado. É verdade que isso traria uma grande perda para a biodiversidade, mas o alarme não vai mudar o rumo da natureza nem ajudar a brecar a aceleração no aquecimento que vemos hoje.

O senhor toca em dois assuntos muito importantes. O primeiro é a classe dos alarmistas. Quem são eles e para quê adotar esse tom de catástrofe?
Em geral os alarmistas não são os estudiosos do meio ambiente, são os seus protetores. Alguns ambientalistas gostam muito de amedrontar as pessoas, como se isso fosse trazer uma maior consciência para o assunto. Mas isso não é verdade. O medo nunca fez ninguém se mexer. O pior é que a imprensa vinha comprando esse discurso, aí as pessoas ficavam paralisadas.

O outro ponto importante daquela sua resposta anterior é a questão da responsabilidade pelo que vem acontecendo. Por que o planeta vem esquentando dessa maneira?
Há duas respostas para essa pergunta. O planeta Terra já passou por diversos ciclos climáticos. Já houve esfriamentos e aquecimentos. Atualmente estamos num ciclo de aquecimento.

Natural?
Sim, natural. O planeta está passando por isso. O que ocorre é que a ação do homem está acelerando esse aquecimento. A emissão de gases pela indústria e pelos automóveis, somada ao desmatamento de florestas, vem acentuando o que a gente chama de efeito estufa, que esquenta o clima na Terra. Agora, as pessoas ouvem falar em efeito estufa e já ficam mortas de medo. O efeito estufa é um acontecimento natural. Sem ele morreríamos todos de frio. A Terra seria inabitável. De novo, o problema é o efeito estufa cheio desses gases que emitimos. Isso muda um pouco os planos da natureza e acabamos fazendo com que o planeta aqueça mais e mais depressa.

Pensando nos processos e nos ciclos que a Terra vive, há alguma chance de o planeta esfriar um pouco, naturalmente?
Não. Nenhuma chance pelos próximos 100, 150 mil anos. Esse trabalho tem de ser nosso.

Mas se há também um processo natural de aquecimento, o que podemos fazer?
Pois é, deter a natureza não é possível. O que nos cabe fazer é diminuir o ritmo, parar de incentivar, desacelerar o crescimento. Porque, de novo, a preocupação não deve ser exclusivamente com o clima, mas sim com o quão agradável será a vida aqui no planeta. As pessoas vão conseguir viver? Bem ou mal? Se não for feito nada, se as medidas necessárias não forem tomadas, vai ser muito mais difícil as pessoas se adaptarem. A busca deve sempre ser uma vivência amigável com a natureza.

Quando o senhor fala em medidas que devem ser tomadas, a que o senhor está se referindo?
Estou falando de procurarmos energias limpas e renováveis. Estou falando de regularmos a emissão de gases e poluentes, de atenuar os impactos e assim reduzir o aquecimento – que é inevitável – a um valor ao qual a sociedade se adapte.

Mas a sociedade já está tendo que se adaptar, não é? Os invernos andam mais quentes, também vemos mais enchentes e até tornados, furacões...
É verdade. Embora os modelos climáticos ajudem a sugerir o futuro, nós pesquisadores estamos sempre olhando para o presente também. É verdade que o número de dias quentes vem aumentando, que áreas que nunca alagavam agora enfrentam inundações e que furacões muito potentes resolveram assustar a gente. Tudo isso faz parte do processo de aquecimento do planeta? Sim, e as chuvas e os furacões fazem parte do processo natural de compensação desse aquecimento. Mas o que não se pode esquecer é que nem tudo, ou muito pouco, é culpa do aquecimento global. Não dá para esquecer, no caso das enchentes, por exemplo, que existe uma ocupação criminosa dos mananciais e das encostas de morros. Há uma impermeabilização desmedida do solo. Enfim, há um grande descuido nesse aspecto. Mas há também a noção de que é preciso fazer alguma coisa e por isso os governos vêm investindo em piscinões, em canalização de rios e córregos, essas coisas.

Há alguns meses, o SINPRO-SP entrevistou o professor Carlos Nobre, também do Inpe, e ele afirmava que às vezes o fenômeno natural nem é tão intenso, mas a reação do homem a ele é ineficaz, aí parece que o desastre é ainda maior. É de novo essa relação clima-sociedade, não é?
Exatamente, veja como é importante. Todo mundo previu o furacão que arrasou New Orleans. Os Estados Unidos são um país poderoso, dotado de alta tecnologia e, embora soubesse que o Catrina vinha chegando, não foi capaz de fazer sua população se adaptar e sobreviver com conforto. Ou seja, diante de tantas e confiáveis informações, as autoridades precisam agir.

Mas há uma corrente de pessoas ligadas ao meio ambiente que insiste em co-responsabilizar a população comum pelo efeito estufa. Hélio Mattar, por exemplo, presidente da ONG Akatu, que milita pelo consumo consciente, afirma que, embora a pessoa não se dê conta, ao comer um bife está incentivando o aquecimento global, porque incentiva a pecuária, que desmata as florestas, o que aumenta o efeito estufa e, conseqüentemente, o aquecimento global. O que o senhor acha disso?
Não é bem assim. Não é verdade que o bife que comi no almoço ou o hambúrguer do fast food são os culpados pelo aquecimento global. Se a gente puder contemplar e hierarquizar ações e atividades humanas mais responsáveis teremos a indústria como um todo, a emissão de gases pelos veículos e o desmatamento de florestas. Mas, para que tudo isso seja amenizado, não bastam as atitudes individuais apenas.

Então o foco é nos grandes.
Sim, nos grandes. Nas indústrias, nos grandes agropecuaristas, em especial nos produtores de soja, e investir na solução dos problemas já existentes, mas sem aquela concepção antiga de que para manter o meio ambiente vivo e saudável é preciso brecar a economia. Primeiro porque exemplos de desenvolvimento sustentável não faltam. Segundo porque a soja representa um fator importante para várias economias no mundo. Não dá simplesmente para parar de produzir soja. Ela fez crescer a economia e a qualidade de vida de uma série de famílias e isso precisa ser considerado. E as pesquisas relacionadas às energias limpas, como o álcool de cana-de-açúcar e o biodiesel, também ajudam a reduzir os danos. Mas há sim um setor que precisa ser vigiado de perto. São as madeireiras. Essas sim destroem a floresta sem nenhuma contrapartida. E a outra arma é a informação de qualidade.

Com base nela, as cobranças certas podem ser feitas às autoridades.
Exatamente. Uma população bem informada a respeito de um assunto sério é capaz de fazer muita diferença. Para isso, os cientistas estão trabalhando para que a informação de qualidade, aquela que é entendida pela dona de casa e pelo ministro da Economia, pelos estudantes e pelas comissões de meio ambiente, chegue até as pessoas. E aí contamos com a imprensa. Mas a imprensa precisa querer – como já vem fazendo – traduzir as informações que os pesquisadores têm para passar. Aí sim as pessoas ficam bem informadas e agem corretamente entendendo seu lugar nesse jogo.

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