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São Paulo completa 453 anos repleta de dualidades

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

No último dia 20 de janeiro, um sábado, a cidade conheceu dois eventos paradoxais. De um lado, numa área rica e nobre de São Paulo, o Alto de Pinheiros, encerravam-se as buscas pelas vítimas da cratera de 80 metros quadrados de diâmetro que foi aberta nas obras da linha 4 do Metrô. A tragédia matou seis pessoas – e ainda há um desaparecido. A alguns quilômetros dali, no esquecido centro velho da capital, a pequena Rua Avanhandava, revitalizada e reformada, ganhava novos ares e era reinaugurada, em evento simbólico e comemorativo, promovido por moradores e comerciantes. São dois pólos opostos, mas bem reveladores do que é viver em São Paulo. E, entre um acontecimento e outro, surge uma figura que, entre chocado e esperançoso, consegue aceitar bem esses extremos tão característicos da vida por aqui: o paulistano.

“São Paulo é uma cidade cosmopolita. Poucas no mundo têm essa vocação, e São Paulo é uma delas. Tudo aqui é em grande escala. E não estou falando do tamanho da cidade”, explica José Guilherme Magnani, professor de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP). É por essa característica que, segundo ele, os grandes acontecimentos aqui são suportáveis. “As coisas que vivemos aqui, se fosse numa cidade menor, seriam realmente insuportáveis”. Para o professor, o que faz mesmo de São Paulo essa urbis mundial são seus habitantes, tanto os que moram aqui, como os que estão apenas de passagem. E olha que são muitos, gente de todos os estados do Brasil, gente de vários países do planeta. Gente que vem disposta a fazer a vida aqui, a conseguir uma situação econômica mais sossegada, como o italiano dono de restaurantes Walter Mancini – que idealizou a reforma da Avanhandava – e como o cobrador natural do Rio Grande do Norte Wescley da Silva – que morreu tragado pelo buraco do Metrô.

Quem vive aqui está acostumado a essa profusão de situações que se deslocam de um extremo a outro, garante Magnani, que é também coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana (NAU/USP). Mas estar acostumado não significa de maneira alguma ficar de braços cruzados. “Até tem gente que reclama muito e está desencantada, mas tem uma outra parcela significativa da população que se mexe, resolve e faz arranjos para conseguir viver aqui”, conta. Em 2004, quando São Paulo completou 450 anos, o professor fez parte de algumas equipes que percorreram a cidade a pé, para conhecer as realidades e os personagens da metrópole. O que ele descobriu é que a vida real do paulistano – que ele gosta mesmo é de chamar de ator social – é marcada por atitudes e iniciativas para garantir uma vida melhor na cidade. Para si e para os outros também. “É gente que se junta para pedir asfaltamento, eletricidade, obras nas ruas, silêncios nos bares. É gente que monta algum equipamento de lazer para melhorar a vida dos vizinhos. Mas muito disso não é mostrado pela imprensa”, lembra.

Atento a esses pequenos movimentos sociais que acontecem em terras paulistanas, o jornalista da rádio CBN, Milton Jung, lançou no final do ano passado o livro Conte sua história de São Paulo. Jung comanda o programa CBN São Paulo – que, como diz o nome, trata especificamente dos acontecimentos da capital paulista – e recolheu textos e depoimentos dos mais diferentes paulistanos sobre episódios que viveram na cidade. O resultado são 110 relatos, baseados em experiências de ouvintes de 14 a 80 anos, de todas as classes sociais e das mais diferentes origens. Jung explica que tinha um material muito rico nas mãos e que precisava mostrar aos paulistanos como eles mesmos viam sua cidade. “Lendo as histórias o que encontramos é uma tremenda saudade. O paulistano é uma pessoa que sente uma grande saudade do que a cidade era no passado. Mas é também alguém que compreende essa necessidade que a cidade tem de mudar”, conta.

As mudanças freqüentes, as obras e as reformas acabam por botar abaixo não só a história da cidade, mas também o passado de cada um de seus habitantes. E é isso que, segundo o jornalista, faz os moradores sentirem saudades do que já passou. “Já que a história de São Paulo não fica registrada nos prédios e no equipamento urbano da cidade, ela fica gravada na história pessoal de cada um e por isso se manifestam as lembranças e as saudades de um outro tempo”, relembra o jornalista escritor. Nas páginas do livro, um relato que retrata bem essa eterna modernização que passa por cima do antigo é o de uma leitora da Lapa, zona oeste da Capital. “Ela conta a relação dela e de sua família com o bairro da Lapa. E diz que no mesmo lugar em que seu pai jogava futebol de várzea, ela colhia lírios e, hoje, o filho dela pega o Metrô”, narra Jung.

Em entrevista à revista Carta Capital da última semana, o professor de História da USP Nicolau Sevcenko explica que a modernização das cidades aqui no Brasil, principalmente após a construção de Brasília, na década de 1960, está baseada nos executivos municipais, nas grandes construtoras e na especulação imobiliária. Mas, segundo ele, esse modelo – que transforma o cidadão em vítima e não em beneficiário – já foi abandonado na Europa e é, também, o grande responsável pela tragédia nas obras do Metrô. Tanto para Sevcenko, como para o coordenador do NAU, José Guilherme Magnani, o desabamento e a morte de seis pessoas na cratera do Metrô são passagens lamentáveis, mas podem ter um saldo positivo – a possibilidade de essa tragédia representar um ponto de virada. Para o professor de história, ainda na matéria publicada pela Carta Capital, o acidente “pode ser uma espécie de ‘basta’... é preciso que a cidade esteja nas mãos dos cidadãos e seja pensada em razão da qualidade de vida”. Para o professor de antropologia, “a partir de agora, as autoridades terão que tomar mais cuidados com as obras e com a população. Houve um precedente, as pessoas vão ficar de olho e as autoridades vão ter de se adaptar a isso”.

Os dois especialistas também concordam que algumas iniciativas internacionais, capazes de devolver a cidade aos seus habitantes, já teriam ecos por aqui, na cosmopolita capital. Nos anos 80, conta Sevcenko, os londrinos criaram um movimento chamado “retomar as ruas”, que domesticou a invasão de carros no espaço público. Magnani lembra do chamado enobrecimento, reformas que, no mundo todo, recuperam uma região degradada da cidade. E diz ver esse modelo se repetir aqui. “Embora a gente possa criticar essa revitalização, porque expulsa uma população para levar outra mais endinheirada para o lugar, é visível que os paulistanos se sentem orgulhosos quando vêem a história restaurada”, conta.

Para ele, mais interessante que a recuperação de fachadas e obras é a ocupação das ruas pelos paulistanos, ou melhor, pelos atores sociais. Magnani cita os night bikers (grupos de ciclistas noturnos) e os meninos do rapel da Avenida Sumaré (que volta e meia são proibidos de estar ali, mas sempre recomeçam as descidas arrepiantes, do viaduto da avenida Doutor Arnaldo até o canteiro central da Sumaré). Ele garante que essa ocupação do espaço público paulistano não é só sensação, mas uma realidade comprovada. O jornalista Milton Jung afirma que também percebe isso nas histórias que compilou para escrever seu livro. Ele reforça: retomar um espaço público que havia sido perdido deixa os paulistanos realmente felizes. A reforma de uma praça, uma rua que vira sem saída, ou uma calçada novinha são motivo de orgulho. Mas o oposto também pode acontecer. “Por vezes esse afã de ocupar o espaço faz o público virar privado. E isso deixa os habitantes muito bravos e indignados. É o caso dos bares que colocam mesas nas calçadas e de camelôs que ocupam o passeio público com as barracas”, conta.

“Mas o curioso é que, com tudo isso e um pouco mais de problemas, essa cidade funciona. E funciona bem”, brinca Magnani. Ele lembra que por aqui há dias de tragédias, mas há dias pacatos, onde quase tudo dá certo. E isso acontece porque aqui “ou você se planeja e aprende a viver no ritmo da cidade, ou você está perdido”, como explica o coordenador do NAU. Magnani, Sevcenko e Jung parecem concordar que São Paulo não é exatamente o frio canteiro de obras, como enxergam as empreiteiras. Está mais para um organismo vivo, formado por minúsculas – mas ativas – células, chamadas paulistanos. São sujeitos que aprenderam a seguir a regra do jogo, a não bater de frente com os fluxos naturais da cidade. Um lugar de extremos que convive com tragédias e avanços, com velhos problemas e novas soluções, com uma bem afamada solidariedade e um medo no fundo dos olhares que atravessam – nas duas direções – as janelas dos carros e dos ônibus.

Em São Paulo, o ator social pode ser tudo, menos ingênuo, porque, contrariando Caetano Veloso, a mais completa tradução dessa imensa cidade não é apenas a paulistana Rita Lee, mas sim a frase do paulistano por adoção Chico Buarque de Holanda, que aparece disfarçada de música para crianças. Para o compositor, São Paulo é “uma estranha senhora que hoje sorri e amanhã te devora”.

Feliz aniversário, complexa São Paulo.

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