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Livro aborda a aprendizagem por meio das narrativas

Por Elisa Marconi

Roseli Bacili Laurenti, psicopedagoga e psicanalista, já estava aposentada quando teve a oportunidade de trabalhar na favela de Paraisópolis, uma das maiores da capital paulista. Lá, passou a atender crianças que, por razões até então ainda não muito esclarecidas, tinham problemas de relacionamento com os professores. Ela procurava ouvir esses alunos e trabalhava com eles essas dificuldades. As relações foram se aprofundando até que Roseli entendeu que a relação conflituosa entre estudante e educador era resultado de uma questão que vem sendo amplamente discutida: a não-aprendizagem. A psicopedagoga, que também é professora de pós-graduação da Universidade Santo Amaro (Unisa) e da Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Unifieo), percebeu que o fato de não aprender leva a criança a não respeitar aquele espaço de troca de conhecimento que é a sala de aula e, pior, a não reconhecer o papel do professor nesse processo. Por isso, não consegue criar laços afetivos com o educador – e daí para a indisciplina e o desrespeito é um pulo. Mas a pergunta que não saia da cabeça de Roseli era: o que impedia essas crianças de aprender? Porque, imaginava, se elas entrassem no processo de aprendizagem, os outros problemas também poderiam ser minimizados.

Diante dessa questão, a professora procurou a direção da escola municipal em que as crianças atendidas por ela estudavam e propôs a criação de um grupo de alunos com dificuldades, para tentar entender e contornar a situação. “A diretora topou e logo começamos os trabalhos. De cara, o que surpreendeu foi que boa parte dos alunos de 4a, 5a e até 6a série não sabiam ler e escrever”, conta Roseli. E aqui ela não está se referindo ao processo rico e múltiplo que significa ler e escrever, no sentido do que defendia o educador Paulo Freire, por exemplo. Era um problema anterior, mais básico. “As crianças eram apenas copistas. Não reconheciam as letras, não faziam as associações. E, por isso, claro, não eram autores”, explica. Pesquisando a história dos garotos, ficou fácil para ela entender que eles tinham bloqueios, ou amarras, como a psicopedagoga gosta de chamar, causadas por problemas sociais – de moradia, de condição de vida –, problemas na escola – de indisciplina e de repreensão por conta disso -, além de problemas familiares. Esses últimos chamaram muito a atenção de Roseli. “Imagine que eu estava trabalhando com uma criança e sugeri que olhássemos a certidão de nascimento dela. Aí lemos o nome da mãe e depois do pai”, relembra, “Ela disse que aquele não era o nome do pai dela. Aí entendi. Ela tinha um padrasto e não sabia, aquela verdade só lhe foi revelada na 5a série”. Por trás de cada uma das crianças do grupo, aparecia uma história assim difícil, não solucionada e, segundo Roseli, eram esses nós que acabavam travando o aprendizado da criança. “É como se ela se perguntasse o tempo todo: por que vou aprender, ou vou confiar no professor, se estão me escondendo alguma coisa, se estão me enganando?”.

Resultados surpreendentes
À medida que os trabalhos foram avançando, as crianças foram tendo resultados surpreendentes. Algumas reduziram as amarras, outras passaram a ler e a escrever com autonomia. Todo esse caminho acabou levando Roseli a um doutorado. Um segundo estudo, dessa vez com uma inovação. “Estudando as dificuldades das crianças, ouvindo elas narrarem suas vidas, suas histórias, entendi que a narrativa podia ser uma ferramenta muito eficiente para essas crianças com problemas de aprendizado”, explica. A idéia virou uma pesquisa com um outro grupo de crianças, e a tese resultante transformou-se em livro, que a professora Roseli Laurenti lançou no último dia 12, Aprendizagem por meio da narrativa (editora Vetor). A obra mostra os caminhos do atendimento baseado em narrativas prestado às crianças, com foco especial no processo de uma delas.

Por que narrativas? Ela explica que o trabalho com essas crianças nasce no momento em que contam suas histórias. Ao serem ouvidas, já estão entrando num processo importante, capaz de resgatar o início da civilização e da cultura humana. Roseli conta que “a narrativa é um instrumento fundamental para a psicopedagogia, para o processo psicanalítico. E é também uma atividade humana muito forte e cheia de significados, basta lembrar das 1001 Noites”, afirma, referindo-se ao artifício usado por Sharazade para escapar da morte. “Ela se salva a cada noite até que o rei se apaixona por ela, pela sua arte de contar histórias”, lembra. Mas a narrativa que inspirou a psicopedagoga é bem mais recente que As 1001 Noites. Trata-se de uma história contada por John Ronald Reuel Tolkien, o autor do célebre Senhor dos Anéis. Roseli conta que o filho mais novo de Tolkien tinha um cachorro. O cão se perdeu e ninguém o encontrava. O caçula ficou muito perturbado com o sumiço de seu bicho de estimação e para acalmar a criança e fazê-la entender o que tinha ocorrido, Tolkien inventou uma história e contou ao filho. O menino reagiu muito bem à iniciativa e, como explica a professora Roseli, “o menino liberou”. Mas aí o filho mais velho tinha se envolvido tanto que começou a pedir a continuação da história. E foi baseada nessa possibilidade de cura e liberação desses conteúdos emocionais, que por vezes travam a vida e, conseqüentemente, o aprendizado, é que a professora da Unisa e da Unifieo desenvolveu sua pesquisa.

“Eu apliquei essa história no meu grupo de crianças para tentar entender como elas agiriam na alfabetização. Eram crianças travadas que foram apresentadas à narrativa”. Os resultados saltaram aos olhos. “As crianças foram pondo seus conteúdos emocionais para fora, liberando amarras através de desenhos, representações e da fala mesmo”, afirma. Segundo a autora, quando isso acontece, a criança passa a ser capaz de reabastecer, de adquirir novos conteúdos. Em outras palavras, ao desatar alguns nós, a criança pode – finalmente – aprender. A pergunta que resta é por que a narrativa tem o poder de desatar esses nós? “Numa resposta simples e direta, porque ela permite a fantasia”. A fantasia é a ponte para um processo chamado simbolização. Simbolizar significa dar sentido aos códigos presentes na cultura. “Criança que não simboliza, não aprende. Aprender é um processo abstrato que está baseado no poder de simbolizar”, relata a professora. Por isso, quando contamos uma história para uma criança, permitimos que ela fantasie, que faça jogos de associações, simbolize e, portanto, aprenda”.

Simbolizar é, em geral, um processo natural nas crianças, mas deixa de acontecer se no início da vida essa criança não for acolhida e estimulada. Ou seja, se faltar amor por parte dos pais e da família. Mas, mesmo quando a criança não tem pais dedicados e por isso não simboliza, ela ainda pode aprender a fantasiar e a simbolizar. “É um pouco mais difícil e depende muito do grau de amarração dessa criança. Mas se ela tem plenas condições, se joga futebol, se toca um instrumento, ou se apronta aquelas brincadeiras de criança, ela tem sim plena condição de se tornar um aprendiz”, comemora Roseli. A dúvida seguinte que brota instantaneamente da fala da pedagoga é: se uma solução possível para o não-aprendizado é estimular a fantasia, então por que vemos tantos casos de crianças analfabetas na 3a, 4a e até na 5a série? Roseli responde que, embora essa questão esteja muito presente na cabeça dos professores, dos diretores, dos pensadores da educação, falta fazer com que esses métodos de recolocar as crianças no caminho da aprendizagem sejam componentes obrigatórios no sistema educacional. “Deveríamos contemplar essas possibilidades no chamado reforço escolar. O problema é que, em geral, no reforço é repetido o mesmo conteúdo com a mesma forma, aí a criança repete seu mecanismo de não aprender”, explica. Mas, segundo a autora, as escolas estão mesmo de olho nisso e talvez se entusiasmem com soluções simples e eficientes, como reunir as crianças numa roda para entoar o secular e inesquecível “Era uma vez...”

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