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Entrevista com Aureliano Biancarelli, autor do livro "Assassinatos de Mulheres em Pernambuco"

Conhecemos a sua trajetória ligada à cobertura dos assuntos ligados aos direitos humanos, ao direito das mulheres. Mas por que escolher Pernambuco para relatar a questão da violência contra a mulher?
Pernambuco é um estado com uma realidade bem marcante. Já é o terceiro estado em número de assassinatos de mulheres. Lá, de cada 100 mil mortes de mulheres, 6,5 são por assassinatos, seja com arma de fogo, faca ou por estrangulamento. O estado só perde para o Espírito Santo e para Mato Grosso. E o número de assassinatos já ultrapassa os problemas de coração, os casos de câncer de mama e assim por diante. Mas o que é mais triste é que esses números não são muito diferentes do que se vê no restante do país.

Pernambuco então não seria um estado especialmente violento. Qual é a diferença da realidade pernambucana para a vivida por outros estados?
É que Pernambuco também é um estado marcado pela forte organização dos movimentos feministas que lutam pelos direitos da mulher. Essa articulação muito presente e significativa faz aparecer com mais intensidade esses casos. Existe uma violência contra a mulher, que é alta e repulsiva, mas que é semelhante ao que se encontra nos outros estados. Mas lá também tem grupos que apuram esses números, divulgam, não deixam os assassinatos serem esquecidos. As mortes de mulheres vinham num crescente desde sempre, mas, a partir de 2003, alguns acontecimentos começaram a chamar a atenção do movimento de mulheres, da imprensa e – depois – das autoridades. Naquele ano de 2003, duas meninas de classe média foram assassinadas. Foram feitas investigações, mas, até hoje, ninguém sabe quem matou e por quê. Essas duas mortes, muito diferentes daquelas associadas à miséria e à falta de qualidade de vida, despertaram a atenção das ONGs. Depois, durante o São João, mais três mulheres da mesma família foram assassinadas por conta de uma dívida de drogas do marido de uma delas. Ou seja, a parte mais fraca e que não tinha nada a ver com a história acabou pagando. Mais adiante sete mulheres numa favela também foram assassinadas. Aí as ONGs começaram a alertar o Ministério da Justiça, a Secretaria de Saúde, as autoridades todas, e surge aí um movimento importante que, em 2006, passou a ser chamado de Observatório da Violência.

O que é exatamente esse Observatório?
Foi criado pela ONG SOS Corpo e é um movimento articulado que fica monitorando e investigando os casos de violência e de assassinato de mulheres. Elas queriam entender por que aquela mulher foi assassinada, quais foram as condições e quais as ligações com o assassino. Tudo isso para ir produzindo um panorama dos assassinatos e ir fazendo um perfil dessa questão lá. Como a polícia demora a chegar e nem sempre tem o mesmo interesse desse movimento, as ONGs começaram a se aliar a imprensa. Porque a imprensa chega antes e já vai coletando as informações e o contexto daquela morte. Nem sempre as informações da imprensa batem com as oficiais, mas certamente dão pistas valiosas.

Você acha que essa relação com a imprensa foi fundamental para estruturar esse Observatório da Violência?
Foi. Foi o pulo do gato. Por que já estamos em 2007 e o último levantamento oficial, das autoridades pernambucanas, é de 2004. O governo é muito devagar em relação a esses assuntos, por isso a parceria com a imprensa, que é rápida, foi um fator fundamental. E essa união deu tão certo que – acredito – levou ao que é mais importante nesse movimento de mulheres de Pernambuco. Lá, o assassinato de mulheres já virou um tema relevante. Não sai da pauta dos jornais, as rádios e as TVs cobrem e vão fazendo um levantamento, vão quantificando essas mortes. Em qualquer estado, os jornais noticiam que numa chacina morreram tantas pessoas. Em Recife, eles noticiam, mas dão destaque para o número de mulheres mortas naquela chacina. Isso é inédito.

E como mais age esse Observatório?
Desde janeiro de 2006, as ONGs e o Fórum de Mulheres, que é a articulação entre todas essas ONGs, fazem uma vigília. Toda última 3ª feira de cada mês, as mulheres saem em passeata levando cartazes com a foto, o nome e a idade de cada mulher assassinada. Um cartaz para cada mulher assassinada. Elas caminham pelo centro de Recife e param na frente do Palácio da Justiça. Aí, as pessoas que estão passando por ali, nos ônibus ou a pé, tomam contato com os nomes, os rostos, a idade, enfim percebem que as mulheres mortas não são só um número.

Sai da realidade fria da estatística...
E passa a ser uma verdade difícil de engolir, difícil de ficar indiferente. E a imprensa acompanha essas vigílias, e aí vai ajudando a quantificar, a contar e a exigir providências.

E, com tudo isso, esse movimento já está conseguindo fazer os índices de violência baixar?
Veja, é verdade que existe de fato um grande número de casos de mulheres agredidas e assassinadas. Mas o que a gente ainda não sabe dizer é se esses casos estão mesmo aumentando ou se as denúncias é que estão. Por isso, a bandeira do Fórum, da SOS Corpo e das outras ONGs é explicitar a situação e deixar as soluções definitivas para o estado. Hoje as mulheres querem servir de ponte para levar essa realidade às instâncias responsáveis.

E essas ONGs, como a SOS Corpo, também atuam propondo soluções e acolhendo as mulheres vítimas de violência, não é?
É. São iniciativas simples, mas importantes. Além de monitorar o quadro da violência no estado, essas ONGs acolhem as mulheres, encaminham para as delegacias da mulher, IML, para fazer o exame de corpo de delito, e para abrigos.

No livro também aparecem experiências como a do apito, no Córrego Euclides, em Recife...
É. Lá é um bairro bem pobre e as mulheres de lá, organizadas, levam sempre um apito na bolsa ou guardam em casa. Cada vez que percebem que uma mulher da comunidade está sendo agredida, elas começam a apitar. São 70 mulheres tocando os apitos, o que deixa os homens numa situação bem constrangedora. Nesse bairro, os índices de violência diminuíram bem.

Mas isso não é uma solução pontual? Na verdade, o que essas ONGs buscam não é esse tipo de solução – embora seja muito bem vinda. Elas têm uma postura política, não?
Ah, sim. Embora as ONGs acolham as mulheres, dêem encaminhamento a alguns casos e ajudem a encontrar soluções cotidianas, como no caso de Córrego Euclides, elas não querem substituir o Estado. As mulheres militantes dessas ONGs acreditam que o Estado tem um dever a cumprir, que é de proporcionar segurança aos homens e mulheres e crianças. E esse dever não está sendo cumprido. O que a SOS Corpo, o Instituto Patrícia Galvão e tantas outras fazem é organizar muito bem as informações colhidas sobre violência e assassinato de mulheres de forma a poder propor e cobrar políticas públicas.

E qual é a postura do Estado frente a tudo isso?
O Estado fica martelando no discurso de que as mulheres estão sendo mais assassinadas porque estão saindo mais de casa, estão tendo uma vida própria e até entrando mais no crime. Mas o que se vê, na verdade, é, de um lado, homens que não aceitam que a sua mulher, ou até ex-mulher, tenha essa vida própria. O que eu ouvi muito é ‘ah, eu não agüentei viver sem ela, ou ver a minha mulher com outro, aí matei’. Esse companheiro, ou ex-companheiro não suporta ver a mulher ter uma vida própria, refazer a vida, e vai lá e mata. Gente até sem nenhum antecedente de violência e, por isso, também são comuns os casos de suicídio depois de um assassinato assim. Ou seja, os crimes acontecem por proximidade, como as autoridades chamam. O assassino, segundo as estatísticas das ONGs, é em 80% dos casos alguém próximo à vítima, como tio, namorado, marido. As estatísticas oficiais falam em 60% e dão mais peso aos casos ligados aos crimes, como tráfico de drogas, assaltos, furtos. De qualquer maneira, o que é inegável é que os assassinatos de mulheres acontecem, na maioria das vezes, nos bairros mais violentos – onde também há mais assassinatos de homens, jovens, etc. E também nesses bairros a presença do estado é pequena, ou inexistente.

Então existe uma relação direta entre Estado omisso e maior número de assassinatos, de homens e mulheres.
Existe sim. Nos lugares em que mais mulheres são mortas faltam creches, postos de saúde, escolas. Essas mulheres não têm o básico e também não têm a quem recorrer. Por isso tornam-se frágeis, presas fáceis. Por isso o movimento de mulheres produz subsídios para poder cobrar políticas públicas e presença do estado.

Para escrever o livro, você esteve em Pernambuco e conheceu muito de perto essa realidade. Como se costuma dizer, nada substitui esse olhar do repórter. O que você viu lá? Quem é essa mulher pernambucana que vai de vítima à ativista?
A mulher de Pernambuco não é uma vítima diferente das demais do país. Os números mostram isso. O que talvez aconteça lá é que talvez seja um pouco mais forte a cultura machista de que mulher e filhos são propriedades do homem. O cara bebe no bar e não bate no seu companheiro de pinga. Vai para casa e bate na mulher e nas crianças, porque acha que são sua propriedade. E isso fica potencializado porque lá tem mais gente com menos escolaridade e sem acesso aos serviços públicos. O que faz os homens acharem que podem derrubar a porta com o pé e bater na mulher até sua raiva passar. E, frente a essa situação real, as mulheres não têm muito o que fazer, porque falta um aparato de apoio. Justamente por isso o trabalho das mulheres contra a violência ganhou tanta importância.

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