A presença da mulher na sociedade brasileira do século XXI é marcada pelas contradições. O Brasil tem na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) uma mulher – a ministra Ellen Gracie. Com status de ministério, foi criada, em 2003, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que tem como desafio principal “a incorporação das especificidades das mulheres nas políticas públicas e o estabelecimento das condições necessárias para a sua plena cidadania”. No entanto, de acordo com dados de 2003 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres brancas recebiam, em média, 40% menos do que os homens para o mesmo trabalho, e as mulheres negras chegavam a receber 60% menos.
Segundo Lourdes Bandeira, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, “a mão-de-obra feminina é fundamentalmente absorvida no trabalho doméstico, onde se encontram 17% das mulheres e 1% dos homens. Destas, pouco mais de 15% têm carteira assinada e seus direitos trabalhistas assegurados”. O Brasil é também ainda extremamente machista no acesso ao poder – e a participação da mulher no Poder Judiciário, em cargos no Executivo e até mesmo no Legislativo é acanhada. Prevalece a lógica preconceituosa de que “lá não é lugar delas”. Não raro, vem à tona o discurso de que a mulher ainda não está preparada para ocupar cargos de destaque e de chefia.
O movimento feminista rechaça esse imaginário popular e procura construir e implementar um conjunto de direitos humanos especificamente voltados para as mulheres, por meio de políticas públicas. Trata-se de uma longa jornada de lutas e de acúmulo de experiências, feita de avanços e de recuos, de vitórias e de derrotas. Nos anos 1960, elas fizeram do uso da pílula anticoncepcional algo natural; nos anos 70 e 80, organizaram os movimentos contra a alta do custo de vida, reivindicaram creches, lideraram a campanha pela Anistia e participaram ativamente das lutas sindicais e do renascimento dos partidos políticos. Conseguiram, dessa forma, incluir a questão de igualdade de gênero na agenda política do país, que dava seus primeiros passos em direção à redemocratização. Não demorou muito para que surgissem, em diversos níveis de governo, conselhos de direitos das mulheres, bem como as delegacias da mulher, especializadas em temas como a violência doméstica.
O aparecimento desses espaços institucionalizados, combinada com a estruturação em nível nacional do movimento feminista, representado por diversas organizações da sociedade, foi fundamental para as batalhas travadas durante a Constituinte. Elas resultaram em avanços como o reconhecimento da união civil estável (casamento que não exige certidão), dos direitos reprodutivos e dos métodos contraceptivos; da garantia do Estado como responsável por coibir a violência doméstica, além da licença-maternidade, dos direitos da empregada doméstica e da trabalhadora rural.
Nos anos 90, o intercâmbio com o movimento feminista internacional se intensifica. Em 1995, é realizada, em Pequim, na China, a IV Conferência Mundial das Mulheres. A declaração final do encontro estabelece os “direitos da mulher como direitos humanos”, negando com ênfase e contundência a idéia do sexo frágil ou da cidadania de segunda categoria, e reafirmando que o humano é composto por dois sexos – que devem ser tratados de forma igualitária, sem perder de vista as singularidades. Na mesma época, intensifica-se o debate sobre planejamento familiar. A discussão sobre o aborto ocupa espaço de destaque na agenda pública nacional, e as feministas defendem que o tema seja encarado como problema social, e não como caso de polícia. Em termos legais, no entanto, a proposta não avança, pois é rechaçada com intensidade por setores conservadores da sociedade brasileira.
Contemporaneamente, o movimento feminista tem investido em parcerias estratégicas, consolidando a idéia de transversalidade do tema – afinal, a discussão sobre a questão de gênero passa também, por exemplo, pela discussão sobre classe e raça. O que se deseja é consolidar uma visão progressista da mulher, sistematizando políticas públicas de igualdade social, capazes de reconhecer e respeitar as especificidades e singularidades.
Fonte: Agenda do Professor 2007