envie por email 

Um dos maiores expoentes internacionais da neurociência fala sobre ciência e projetos inovadores no Brasil

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Na porta do auditório da Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, o professor Miguel Nicolelis recebia e cumprimentava cada convidado que chegava para assistir à palestra que começaria dali a alguns minutos. O evento – “Encontros com a Pesquisa” – é uma iniciativa da livraria e da revista Pesquisa Fapesp, que mensalmente abre espaço para o debate e a troca de idéia com algum cientista brasileiro que atue nas fronteiras do conhecimento. Na porta, Nicolelis fazia questão de dizer “prazer, Miguel”, muito embora a platéia ali presente já soubesse quem era ele e conhecesse, ainda que em linhas gerais, os estudos que desenvolve na área de Neurociências.

Atualmente com 45 anos, formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), Nicolelis saiu do Brasil em 1990 para dar continuidade aos seus estudos na Universidade de Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos. Lá, aprofundou os conhecimentos em neurociência básica. Em seu laboratório, são avaliados ratinhos e macacos que têm implantes de microeletrodos no cérebro – em áreas neurais específicas. Os dados captados por esses equipamentos alimentam computadores que geram matrizes de compreensão das atividades cerebrais desses animais. Os resultados desses testes podem, no futuro, levar ao desenvolvimento de – entres tantas possibilidades – braços e pernas mecânicas para seres humanos. Seriam próteses que se mexeriam a partir do comando do cérebro.

Todas essas pesquisas já renderam momentos empolgantes. Na palestra de quarta-feira, 21 de março, o pesquisador contou – e mostrou um vídeo – do momento preciso em que a macaca Aurora, uma rhesus chinesa, consegue comandar um joystick de um jogo de videogame apenas com o pensamento. Ou seja, Aurora pensava como ia jogar, e um braço mecânico obedecia fielmente a seus comandos cerebrais. Emocionante para a platéia, e promissor para a ciência. Mas este é apenas um dos caminhos possíveis para a neurociência, que, em última instância, tem o sonho de decifrar e entender como funciona e como trabalha nosso cérebro, e de que forma ele pontua os comportamentos, a consciência e a vida do homem. Desvendar isso é, em outras palavras, desvendar quem somos nós. O que é sonhar, lembrar, imaginar, desejar?

Projeto revolucionário
Mas Nicolelis conta, entre risos, que essas atividades de pesquisa correspondem ao trabalho que ele desenvolve entre meia noite e seis da manhã. No restante do tempo, ele se dedica a promover o Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra (IINN). O empreendimento até poderia ser chamado de grande complexo de pesquisa em neurociências. Mas é mais que isso. O Instituto de Natal inaugura o início de um sonho do professor Nicolelis, que começou ainda em 2002. “Ali, além de fazer pesquisa de ponta, claro, a gente pretende formar cientistas. Mas o que a gente quer mesmo é formar cidadãos”. Ou seja, num projeto novo e revolucionário, a equipe do neurocientista acredita e trabalha diariamente para fazer da ciência um agente de transformação social.

A preocupação faz sentido. Depois de alcançar relativo sucesso no exterior, Nicolelis entendeu que era o momento de começar a devolver para a sociedade brasileira uma parcela daquilo que ela havia investido para a sua formação. “Mas isso ainda é pouco para explicar. Era um sonho mesmo. Um sonho de mudar o Brasil a partir da ciência”, disse ele na palestra. Decidiu assim montar um projeto de um centro de ciência que servisse como eixo propulsor dessa transformação. Por isso os cientistas da equipe de Nicolelis foram para um lugar onde ninguém queria estar e onde ninguém imaginava que podia se fazer ciência de ponta. Ganharam um terreno da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a 30 minutos da capital, Natal. Macaíba é uma cidade paupérrima, com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país e sem nenhuma tradição em pesquisa. Para transformar a sociedade, não tem jeito, é preciso educar as pessoas para a ciência. Mas isso – só – não basta, diria o pesquisador. É preciso também educar as crianças para a ciência e cuidar da comunidade – então deve-se abrir uma escola infantil e implantar um centro de saúde para mulheres e crianças. E é isso o que já se encontra lá no terreno de Macaíba. O Campus do Cérebro, como o espaço que abriga o IINN vem sendo chamado, ainda vai reunir outros laboratórios, um centro esportivo, uma maternidade e telescópios. “Sim, telescópios no topo de cada prédio. Para a gente formar – um dia – astrônomos e, melhor, poetas”. E tudo isso, segundo os sonhadores, vai influenciar a sociedade, a economia e o desenvolvimento daquele lugar. Além disso, apostam os cientistas, começarão a brotar talentos. “O IINN é, portanto, o primeiro instituto de pesquisa com esse modelo que entende a ciência como transformadora da sociedade”, completa Nicolelis.

Centro de educação infantil
Inaugurado em 23 de fevereiro último, o IINN já é mesmo uma realidade. Os principais prédios já estão funcionando e cerca de 50 pessoas – entre eles, 20 cientistas e, entre esses, alguns brasileiros que agora voltam do exterior – estão trabalhando. O centro de educação infantil também já começou a funcionar e teve a primeira aula no dia anterior à palestra. “Selecionamos 300 crianças nas escolas públicas de Natal, escolhendo os piores alunos, das piores escolas”, provoca Nicolelis. O Rio Grande do Norte tem o pior índice de educação das escolas públicas do Brasil; por isso, começar pelos estudantes de lá é uma boa medida. “Como são estudantes com a pior formação, a gente sabe que está começando do zero. A governadora do estado não gostou muito de ouvir isso, mas é verdade. Eu sei que investindo nessas crianças, talentos vão brotar, porque o talento está ali”, garante Nicolelis.

Então esses 300 alunos (que devem chegar a 1000 em dois anos) vão para a escola oficial de manhã e, de tarde, vão para a escola delas, como gosta de falar o neurocientista. Entre outras coisas, vão brincar com computadores e aprender a fazer robôs. Ali elas vão ter contato com o mundo, com tudo que o mundo pode oferecer para elas. A idéia é que seja um centro de formação de futuros cientistas? “Não. De jeito nenhum. Pode até aparecer um ou outro cientista ali. Mas nosso propósito é formar cidadãos. Gente que não se sinta impedida de sonhar e, assim, possam mudar o Brasil e o mundo”, responde. O neurocientista acredita que, quando esses meninos e meninas estiverem em plena atividade lá no Instituto de Neurociências, perderão o complexo de vira-latas, de cidadãos de segunda classe, que não têm direito a sonhar.

Miguel Nicolelis, o leitor já deve ter percebido, insiste fortemente nessa questão do sonho, na importância de sonhar. Para ele, o sonho é um elemento de transformação importante e, para comprovar esse olhar, ele cita Alberto Santos Dumont, o brasileiro que venceu a gravidade e voou. E vale lembrar que o tempo que separa o sonho do aviador do reconhecimento da Embraer como a terceira maior empresa do setor no mundo é de apenas um século. Não por acaso, Santos Dumont, claro, dá o nome à entidade que foi criada para fundar e gerir o IINN. A Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP), portanto, tem a missão de captar e administrar recursos privados para gerir o Instituto de Natal e outros doze que devem ser criados. “Lá em Macaíba, nós estamos atraindo empresas que fazem produtos ligados à neurociência. Já temos um pré-contrato com duas empresas estrangeiras e mais quatro nacionais. São fábricas de biotecnologia e biomedicina, por exemplo”, comemora o cientista.

Ciência, área estratégica
E esse modelo inovador já está fazendo sucesso também fora do país. Representantes da China, da Índia e do Chile já conheceram o Instituto e se interessaram em implantar centros similares naquela região. Segundo Nicolelis, no Brasil, essa noção de ciência como trampolim para o desenvolvimento econômico ainda não conquistou muita repercussão, não é uma unanimidade. “Mas fora daqui, vários países estão dispostos a investir aqui”, comenta.

Comprovando sua visão sobre o assunto, o neurocientista mostrou um gráfico que espanta. Nele, a comparação entre Produto Interno Bruto (PIB) per capita e grau de inovação de cada país mostra que as nações que mais investem em ciência e inovação tecnológica são as que alcançam os maiores PIBs per capita. O Brasil, muito atrás dos países nórdicos, dos Estados Unidos e de algumas das principais nações européias, está na vizinhança da Romênia, Polônia e do Chile, por exemplo.

De acordo com Nicolelis, a percepção de que a ciência é uma área estratégica e fundamental para o desenvolvimento de um país precisa ser rápida. “Porque esse é um trem que não passa duas vezes. E o Brasil tem chance de ser a maior potência energética do mundo. Nessa área de energia renovável, por exemplo, não tem para ninguém, mas é preciso cair a ficha logo”. O especialista reforça: existe um ciclo virtuoso que precisa começar a ser implantado por aqui: ciência – conhecimento – inovação – comércio – retorno econômico, que em vários países desenvolvidos já representa a base da economia.

Nicolelis, em sua última fala na palestra da Livraria Cultura, conta que essa visão revolucionária do poder da ciência e do conhecimento significa o fechamento de um ciclo. “A neurociência busca mesmo é alcançar e ultrapassar a barreira do que é ser ser humano. O que nos faz tão diferentes, mas tão iguais”. E continua explicando que é exatamente por isso que ele e seus colegas fizeram o Instituto Internacional de Neurociência de Natal – Edmond e Lili Safra. “Para encontrar e descobrir outros sujeitos, iguais a gente, e fornecer as ferramentas certas para esses outros – esquecidos e sobreviventes – serem felizes, assumirem a condição de cidadãos e mudarem o mundo”, conclui.

» Leia a blog de Miguel Nicolelis
» Laboratório de Miguel Nicolelis
» Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra

ver todas as anteriores
| 03.02.12
De onde viemos

| 11.11.11
As violências na escola

| 18.10.11
Mini-Web

| 30.09.11
Outras Brasílias

 

Atualize seus dados no SinproSP
Logo Twitter Logo SoundCloud Logo YouTube Logo Facebook
Plano de saúde para professores
Cadastre-se e fique por dentro de tudo o que acontece no SINPRO-SP.
 
Sindicato dos Professores de São Paulo
Rua Borges Lagoa, 208, Vila Clementino, São Paulo, SP – CEP 04038-000
Tel.: (11) 5080-5988 - Fax: (11) 5080-5985
Websindical - Sistema de recolhimentos