Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Marciel Consani é músico e professor de artes plásticas. Mas, no ano de 2001, acabou sendo chamado para trabalhar na prefeitura de São Paulo, administração Marta Suplicy, quando estava sendo colocado em prática um projeto de implantação de pequenas emissoras de rádio nas escolas municipais. Liderada pela Universidade de São Paulo (USP), essa iniciativa, batizada de Educom (Educação + Comunicação) Rádio, pretendia oferecer a formação em linguagem radiofônica para professores e membros das comunidades. O intuito era bastante evidente – e ousado: criar alternativas cidadãs que pudessem envolver os diversos atores sociais locais para tentar combater a violência e reduzir os índices de criminalidade.
Consani trabalhou diretamente com educadores do bairro de São Miguel Paulista, periferia da Zona Leste da capital. E foi ali, ajudando a formar professores e percebendo a importância de iniciativas como aquela, que ele começou a ter a idéia de fazer um livro que contasse um pouco dessa experiência. “Eu queria revelar a essência dessa vivência pessoal que me mostrou que produzir rádio pode apontar caminhos e promover mudanças de comportamento”, conta.
Por conta da atuação com as rádio-escolas, em 2005 Consani foi convidado para trabalhar na Faculdade Rio Branco, no curso de Rádio e Televisão, onde está até hoje. E, preparando as aulas, se deu conta de que realmente não havia nas prateleiras das livrarias uma obra que falasse da produção de programa de rádio do ponto de vista educacional. Ou seja, nenhum dos livros disponíveis até aquele momento preocupava-se em mostrar para o professor que ele podia esperar muito mais dos alunos do que a simples produção de programetes.
Foi a partir desse cenário que ele começou a escrever Como usar o rádio em sala de aula, publicado em março último pela editora Contexto. O livro está longe de ser um manual de produção. Volta-se muito mais para um apoio pedagógico para o professor que deseja montar oficinas de rádio com seus alunos. E por que um professor escolheria fazer rádio com seus alunos? Por várias razões, segundo o professor da Rio Branco. Primeiro, porque “trata-se de um meio mais simples tecnologicamente falando e mais acessível mesmo, assim ele tem um manuseio e um approach facilitado e isso atrai alunos e professores”, explica. Ou seja, isso que Consani chama de tecnologia simples pode ser resumido, acredite, a um gravador e um toca-fitas, ou toca CD. Com esses dois aparelhos, “encontrados na maioria das casas e das escolas”, já se faz rádio, afirma o autor.
Oralidade
Se a facilidade técnica é a primeira razão, a segunda diz respeito a uma característica que nos une como seres humanos e que, afirma Consani, foi a mola propulsora da fundação disso que chamamos de cultura humana. Trata-se da oralidade, essa possibilidade de narrar, de contar histórias, de preservar os acontecimentos pela fala e pelo som. O professor lembra que a oralidade remete aos primórdios da humanidade, é algo que nos acompanha desde sempre e que, portanto, reconhecemos e identificamos sem nenhuma dificuldade. “O rádio nada mais é que uma releitura dessa oralidade, agora de forma eletrônica e mediada, claro, mas está diretamente conectado a esse passado da humanidade”, reforça. E, continua o autor, quando um aluno vive uma experiência com a qual se identifica, isso começa a fazer sentido para ele, diz respeito à vida dele, “e isso é muito importante no processo de educar. Encontrar elementos de identificação é o primeiro passo para ganhar os alunos e abrir um universo novo e cheio de sentidos para ele e isso motiva professores e estudantes”, vibra Consani.
Técnica fácil e identificação com elementos da cultura são elementos indispensáveis - mas, afirma o especialista, não é só isso. Ensinar a produzir rádio e colocar esses programas para tocar – num circuito interno, ou numa rádio restrita, por exemplo –, ainda abre a discussão a respeito de outros pontos importantes. “No Brasil, conseguir a concessão de uma emissora de rádio é uma tarefa árdua, quase impossível”, lembra o autor, levantando a questão da democratização da comunicação. Por isso uma rádio interna, restrita, ou mesmo disponível na internet faz alunos e professores passarem da condição de consumidores apenas para produtores de comunicação. Um salto importante, que diz respeito aos direitos, à força de cada um e dos grupos para exigir mudanças e propor soluções. “Quem produz e exibe programas de rádio passa a ter o poder da palavra”, explica o professor.
Esse poder traz junto um crescimento característico de quem vira autor de seus processos e produtos. “No livro, a idéia é mostrar ao professor como incentivar e valorizar esse sentimento da autoria e todos os benefícios que ela traz”. Consani refere-se mais especificamente ao acréscimo de auto-estima que ser autor oferece. A sensação da autoria, segundo ele, abre espaço para o protagonismo juvenil, para a tomada de decisões por parte do jovem, pelo posicionamento e, até, por uma certa aposta no futuro – cenários tão raros entre os estudantes hoje. “Eles entendem que se são capazes de criar e de ser autores de um produto de qualidade, também serão capazes de apostar em outras coisas”, explica.
Como usar o rádio em sala de aula é o primeiro passo para ajudar o professor a lidar com todas essas questões que aparecem e que precisam ser bem trabalhadas para dar bons resultados. E, muito em breve, Consani promete novidades nessa área. “Vamos falar de podcasts, os blogs de áudio, que também precisam fazer parte do conteúdo dos professores, porque podem causar essas pequenas revoluções”, convida o professor.