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Entrevista com Guilherme Grandi, autor de “Café e expansão ferroviária”

O seu livro, embora trate de um tema clássico e recorrente da história brasileira, tem um foco bem específico, não?
O livro é uma conseqüência da pesquisa que desenvolvi no mestrado. Ele teve um apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e saiu agora, no final de junho, pela editora Annablume. E o que tanto o livro quanto a dissertação de mestrado contam é uma história quase desconhecida e que, quando vem a público, normalmente vem cheia de equívocos. É a história da Companhia Estrada de Ferro Rio Claro, uma ferrovia construída na cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo e que, na época em que minha pesquisa está focada, era simplesmente a que mais se desenvolvia por conta do café. Erroneamente se diz que esse ramal Rio Claro, como a ferrovia ficou conhecida, fazia parte da Companhia Estrada de Ferro Paulista, que tinha atividades na região de Jundiaí, Campinas e Rio Claro. Aliás, a Rio Claro surge de uma divergência na Companhia Paulista. A administração da Companhia e os acionistas não concordam em fazer uma expansão para além de Rio Claro e é aí que um engenheiro ganha a concessão da região e pode então ser fundada a Companhia Rio Claro.

Por que a história desse ramal é desconhecida se a região era a que mais crescia com o café?
De fato a região ia bem e por isso uma estrada de ferro era importante ali. A Cia Paulista não queria expandir suas ferrovias para a região depois de Rio Claro, como Araraquara e São Carlos, e aí criou-se a necessidade de uma nova empresa instalar uma estrada de ferro ali. Porque a produção de café precisava escoar até o porto. Mas a história da Rio Claro é relativamente curta e cheia de sobressaltos, por isso talvez o desconhecimento. Ela é fundada em 1880 e segue nas mãos dos mesmos donos somente até 1889.

E aí ela é encampada pela Cia Paulista.
Não, esse é outro engano. Em 1889 a Rio Claro passa para as mãos do capital inglês. Que apenas dois anos e meio depois – aí sim – passou para a Companhia Paulista. Ou seja, em pouco mais de dez anos, três donos e, tudo isso, para voltar para as mãos dos seus donos originais. O que a minha pesquisa faz é reconstruir essa história a partir do ponto de vista da economia. A gente analisa as disputas envolvidas, as concessões, as propostas de fusão que não vingam e por que não vingam. Os vários processos de vendas, a passagem para as mãos dos ingleses. Eles tiveram um papel estratégico nesse caminho da independência até a Cia Paulista. E também estudamos o retorno financeiro que a Paulista teve com o ramal de Rio Claro. Veja que não é só um resgate da empresa, mas dos interesses e das questões econômicas envolvidas, como os interesses estrangeiros, a expansão das ferrovias e a concorrência no setor.

Quando você fala desse jogo de interesses econômicos por trás de iniciativas que mudaram a cara de uma região e até do país, fica evidente o componente humano. Quer dizer, não é que por causa do café constroem-se ferrovias e, de repente, São Paulo tem barões do café. Existe um jogo por trás disso que envolve lideranças e interesses e que ajuda a explicar muita coisa, não?
Exatamente. Esse fator humano que você ressalta é, na verdade, a questão política propriamente dita. As disputas, as decisões, as preferências, o poder de barganha dos grupos com mais trâmites – seja por parentesco, seja por possuir capital – no governo do país. E como tudo isso ajuda a fazer a política apontar para um lado ou para o outro. A expansão ferroviária é resultado de tudo isso, desse embate de forças no campo político.

Você está se referindo aos trilhos que passavam dentro das grandes fazendas de café?
É. Era muito comum o fazendeiro exigir que a ferrovia passasse dentro de suas terras. Ele não agüentava mais perder parte da produção por conta do transporte inadequado e queria baixar os custos desse transporte. Para que isso fosse feito valia a barganha política. E para ser forte nessa área valia até usar os laços de parentesco. A forma de ser fazer política é fundamental para entender a economia.

Estamos falando de um modo antigo de se fazer política – uma política que visa apenas os interesses econômicos – do final do século XIX. Mas isso soa tão atual...
(risos) Veja esse exemplo: o conde do Pinhal é quem consegue a concessão para fazer a estrada de ferro de Rio Claro. Ele era um engenheiro, funcionário da Companhia Paulista. Não parece estranho um funcionário de uma estrada de ferro decidir construir sua própria estrada só porque não concordava com os rumos que a empresa da qual era empregado vinha tomando? E tudo isso para pouquinho tempo depois passar a concessão indiretamente para a Paulista?

O Conde do Pinhal era o que hoje chamamos de testa de ferro?
Me perguntam sempre isso. Não dá para garantir, mas precisamos concordar que é uma idéia bem plausível. Como em minhas pesquisas só estudei os documentos da empresa, não consegui atestar sobre isso, mas imagino que se alguém pesquisar cartas pessoais do conde, talvez encontre indícios das razões que o levaram a fundar e depois a vender a Companhia Estrada de Ferro de Rio Claro.

Ela não era rentável?
Olha, economicamente a venda não se justificava. Se o objetivo de uma ferrovia é baixar o custo do transporte de cargas que seguirão para a exportação, o ramal de Rio Claro estava até cumprindo essa função. O negócio é que a economia – em toda a história do Brasil – é o fim, mas os meios que se usam para se alcançar os resultados econômicos desejados são políticos. Aqueles que você chamou de componente humano nas transações. Os meios nunca são econômicos. E é por isso que se vê as atrocidades em termos econômicos que estão aí: grandes desvios na rota da estrada de ferro, estradas nos piores lugares do território etc., porque o que determina tudo isso é a política, a influência que se pode exercer sobre as autoridades, sobre quem toma as decisões.

Isso não mudou muito de lá para cá, não é?
Em termos econômicos, o negócio de ferrovias se mantém praticamente nos mesmos padrões do século XIX. Ainda hoje os operadores das ferrovias são os grupos de acionistas de empresas produtoras de commodities, com viés de comércio exportador, como os produtores de grãos, como soja, para exportação.

E o que não se manteve?
O que mudou um pouco é a questão administrativa, a forma de gerir esses negócios, além do marco regulatório do setor que avançou bem. Mas as pessoas dizem que depois da privatização o setor de ferrovias ficou mais concentrado nas mãos de grandes grupos. Na verdade isso foi depois da re-privatização. Originalmente as companhias de estradas de ferro eram privadas, foi já na segunda metade do século XX que o governo comprou as empresas. Mas, de qualquer maneira, desde o século XIX, o transporte ferroviário serve mesmo é para transportar carga a granel de grandes empresas exportadoras. Fora dessa situação, é um transporte caro e nada vantajoso. Então o caráter central se mantém.

Há outra coisa que se mantém até hoje, que é uma certa saudade, uma nostalgia dos tempos do trem. Mesmo quem não viveu nessa época, ainda mais se for do interior, tem um respeito enorme pelo maquinista, pela estação rodoviária... sua pesquisa trata disso também?
Não. E não por ter algum preconceito, mas por uma questão de foco mesmo. Também me questionam por que eu não trato dos trabalhadores das ferrovias. Eles que também eram muito respeitados e tinham um status diferenciado na sociedade daquela época. Também não tratei disso por uma questão de foco, de abordagem mesmo. Não dava para falar de tudo. Eu escolhi falar de estratégias econômicas, até para ajudar a responder se as estradas de ferro eram rentáveis ou não.

E eram?
A Companhia Rio Claro foi alvo de muita especulação. Foram alguns processos de compra e venda. Tudo isso porque nos últimos 25 anos do século XIX, a ferrovia estava na região de maior expansão da economia cafeeira, o que fez aumentar muito o volume de tráfego. Os especialistas em economia cafeeira dizem que, naquele tempo, não tinha jeito, o que dava lucro era transportar café, então as estradas de ferro precisavam alcançar as fronteiras dessas regiões produtoras de café, como Araraquara, São Carlos e, claro, Rio Claro. Apesar disso, a Companhia Paulista desiste de construir uma estrada de ferro além de Rio Claro. Mas, se você olhar no mapa, ela estava entalada naquela região. Se quisesse expandir para a direita, ia esbarrar na Companhia Mogiana. Se fosse para oeste, encontrava a Companhia Ituana e se fosse para trás, chegaria à estrada da Railway – a mais famosa das companhias de estradas de ferro.

E se ela desistiu do ramal de São Carlos, para onde ela foi?
Foi para o rio. E é interessante, porque é nesse momento que a Paulista implanta sua seção fluvial no rio Mogi-Guaçu, que sempre foi deficitária em comparação com os ramais ferroviários.

E aí ela compra, finalmente, o ramal de Rio Claro?
É. E no livro referência nessa área, chamado “História da Viação Pública de São Paulo”, o autor (Adolfo Pinto, que era diretor da Cia Paulista) garante que foi um negócio muito acertado. Se pensarmos que a Paulista estava entravada, é verdade; mas se pensarmos em termos econômicos, não é bem assim. Primeiro porque ela custou cerca de 2.750.000 libras, muito dinheiro na época e só com os juros do empréstimo que foi feito para comprar Rio Claro e mais as amortizações dessa dívida, a Paulista levou 43 anos pagando para a Rio Claro. Além disso, o negócio ali só seria lucrativo se houvesse uma expansão permanente.

E aí, de novo, a gente vê uma postura comum ontem e hoje, que é a tentativa de justificar um mau negócio....
Não podemos dizer que foi um mau negócio, a Paulista não tinha alternativa. Mas sim, creio que Adolfo Pinto escrever isso para se justificar perante a empresa e até perante o governo, que tinha criticado a compra por um valor tão alto das mãos dos ingleses.

Que desistiram por quê?
Porque perceberam que para ter lucro com a Ferrovia Rio Claro só se conseguissem expandir eternamente o negócio, coisa que eles não queriam. Queriam ser como a Railway, que monopolizou a região de Jundiaí e controlava o escoamento do produto para o porto de Santos. Ou seja, não precisava crescer eternamente para dar lucro. Mesmo sem expandir, o negócio era bem rentável. Percebendo isso, os ingleses desistiram, e é aí que entra a Cia Paulista.

E hoje na região de Rio Claro. Se eu for até lá, o que eu vou encontrar?
Vai encontrar uma estrada de ferro funcionando. Aquelas ferrovias todas foram compradas pelo governo paulista. O que, junto com outras estradas, passou a ser a Fepasa. A estrada de ferro continua lá servindo de passagem para as mesmas cargas a granel do século XIX. Para quem o transporte ferroviário compensa? Continua sendo para as empresas produtoras de commodities que querem exportar sua carga a granel. Talvez você não encontre mais só café. Mas com certeza vai encontrar soja e álcool, e ambos para o mercado interno e externo.

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