O Ibama acaba de conceder a licença para a construção de duas hidrelétricas no rio Madeira, depois de uma longa disputa. Em termos de geração de energia, já não seria suficiente? Com essa liberação, o Brasil precisaria mesmo concluir e colocar em funcionamento Angra 3?
O plano energético do país está de olho na demanda a curto prazo. Então estamos falando de 2010, por exemplo. Lá a gente vai precisar da energia gerada pelas duas hidrelétricas. Mas o Plano também olha mais para frente e em 2015, talvez, só a energia das duas usinas novas já não seja mais suficiente, aí vamos precisar do que vai ser gerado em Angra 3, que deve ficar pronta em 2013. A idéia é que tenhamos sempre uma situação confortável entre oferta e demanda de energia, para evitar apagões e racionamentos, por exemplo.
E por que essa demanda cresce assim, de forma tão acelerada?
Primeiro porque a população cresce. Segundo porque a economia do país tem que crescer. A gente pode até discutir e trabalhar para o país não crescer, mas acho que ninguém deseja isso. Então crescimento significa maior necessidade de energia, seja gerada por usina hidrelétrica, nuclear, termelétrica, ou gás. O Brasil tem tudo e tem possibilidade de conseguir energia de todas essas maneiras, mas a termelétrica traz a questão da poluição, ela descarta resíduos que poluem o ar e na discussão do aquecimento global fica difícil falar em termelétrica. O gás também está passando por uma situação complicada. Já a hidrelétrica e a nuclear não, por isso as duas chamam mais a atenção. E o país possui as duas matérias primas: urânio e água, não dependendo de nenhum outro país no mundo para fazer girar seus reatores, o que não acontece com o gás, por exemplo.
Quando o senhor descarta a energia gerada por termelétricas, porque ela produz resíduos poluentes, está automaticamente classificando a energia nuclear como uma energia limpa?
Do ponto de vista ambiental, a energia nuclear sempre foi considerada uma energia limpa, já que não produz gases de efeito estufa. A discussão em relação aos resíduos da geração da energia nuclear é porque eles são radioativos, ou seja, liberam radioatividade que, em contato com o homem, pode provocar câncer e outras doenças. Agora, quando a gente fala desses resíduos, precisamos lembrar que existem, no mundo todo, 400 centrais nucleares. Cem delas são nos Estados Unidos. Na França, 80% de sua energia vem de reatores nucleares. Então a solução para os resíduos radioativos não é um problema do Brasil, é do mundo todo. Por isso cabe aos pesquisadores do mundo todo encontrar soluções para esses resíduos.
Hoje como isso é feito?
É claro que estamos falando de resíduos importantes. Que se não forem bem tratados, inviabilizam a produção de energia nuclear. Mas, nas centrais nucleares do mundo todo, os resíduos ficam na própria central. A pastilha de urânio chega no reator, gera energia pela fissão dos átomos do urânio, depois sai do reator ainda radioativa e é armazenada em tanques dentro da própria usina. E lá vai ficar por cerca de 24 mil anos, até que perca a radioatividade, ou até que ela esteja em níveis bem baixos.
Parece então que o grande temor das pessoas está nesse ponto, na manipulação, no armazenamento, enfim, nos riscos de acidentes...
Os acidentes são um assunto interessante. Veja só, aconteceram dois grandes acidentes em usinas nucleares. O primeiro foi em Three Mile Island, nos Estados Unidos, em 1979. Nesse não houve conseqüências externas. O segundo foi o de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. Nesse houve grandes conseqüências externas. Qual foi a diferença entre um e outro? Foi a tecnologia. Nos Estados Unidos, o lugar onde se armazena as pastilhas de urânio já utilizadas para gerar energia, que como eu já disse ficam carregadas de radioatividade, tem um invólucro de concreto muito grosso e altamente resistente que impede a radioatividade de sair de lá em caso de vazamento, ou acidente. Na Ucrânia não tinha isso. Não tinha contenção, aí quando aconteceu o acidente não tinha como impedir que a nuvem de radioatividade se espalhasse na atmosfera.
Em Angra 3 como será o sistema de armazenamento?
Exatamente igual ao dos Estados Unidos.
Bem, então se temos a matéria prima, se é uma energia limpa e segura, por que o ministério do Meio Ambiente se opôs a retomada das obras de Angra 3? Por que a ministra declarou publicamente que é contra a matriz nuclear no Brasil?
Bem, cabe ao Ministério do Meio Ambiente proteger o meio ambiente e cabe aos setores que cuidam da energia nuclear fornecer ao ministério e a todos que cuidam do meio ambiente as respostas sobre a energia nuclear. Sobre sua segurança, sobre sua eficiência, sobre sua atuação no meio ambiente. Respondidas essas perguntas, não teria porque a licença não sair. As dúvidas foram sanadas. Então acredito que ainda é uma questão de aprendizado, de cultura para aceitar que o Brasil também produz e consome energia nuclear, até que se produza o entendimento.
E a energia nuclear é uma energia cara? A energia elétrica que vai chegar ao consumidor, se for gerada por uma central nuclear, será mais cara?
Os estudos mostram que, na verdade, o preço da energia que chega ao consumidor independe da fonte, da matriz. O consumidor não sabe se a energia para acender a luz veio de Itaipu ou de Angra, não sente diferença disso na conta. Agora para construir a estrutura para a geração de energia nuclear aí sim é um investimento alto. Mas ainda assim não é inviável, está dentro dos padrões aceitáveis pelas empresas geradoras e distribuidoras de energia.
E com a retomada de Angra 3 e das discussões a respeito da energia nuclear, como fica a situação do Brasil no panorama internacional?
Há várias coisas para olhar. Primeiro é que hoje o Brasil já pode produzir o combustível que alimenta o reator nuclear. Ou seja, hoje já conseguimos pegar o urânio e enriquecê-lo par ele virar o petróleo da área nuclear. Esse conhecimento e essa tecnologia para transformar urânio em combustível para o reator são um processo complexo que apenas poucos países dominam. E o Brasil domina. Além disso, somos a sexta reserva de urânio do mundo. Ou seja, temos aqui o suficiente para a nossa demanda e muito mais. Agora a tecnologia para a construção da central nuclear, isso ainda não dominamos, mas isso também não é tão importante, porque, por enquanto, vamos construir poucas centrais. Então vale a pena comprar fora. Ou melhor, comprar no exterior, mas com um grau de nacionalização crescente. Cada reator é construído com um grau a mais de nacionalização. Então daqui a 50 anos, se a gente precisar construir 10 reatores por ano, aí a indústria nacional já vai ter absorvido quase todo, ou todo, o processo.