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Livro reconstrói a trajetória do pensamento econômico brasileiro

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Percalços recentes do mercado financeiro globalizado, provocados por dificuldades no setor imobiliário norte-americano, acenderam a luz amarela em vários países do planeta, incluindo nessa lista o Brasil, onde a bolsa de valores caiu e o dólar subiu. Nos anos 1980, era a inflação galopante a grande vilã da história, e os brasileiros não tinham muita referência efetiva de valores e preços, que variavam diariamente. E até a década de 1990, chamava a atenção a freqüente troca de moedas, de cruzeiro para cruzado, para cruzeiro novo, para cruzeiro real, até finalmente chegar ao real. O assunto economia, embora muitas vezes considerado chato por envolver números e matemática, costuma se impor como um dos principais temas da agenda pública nacional e faz parte das conversas e das preocupações da população em geral, nas mais diferentes classes sociais. Ao longo da história, ao refletir sobre a prática cotidiana e teorizar sobre distintos cenários e modelos econômicos e a respeito de todos os dilemas e desafios que envolvem, os economistas brasileiros acabaram por gerar diferentes linhas de pensamento e de análise. Esse rico, plural e consistente banco de idéias acaba de ser resgatado e sistematizado pelo livro Ensaios de História do Pensamento Econômico Brasileiro (Ed. Atlas, R$ 95,00), organizado por Francisco da Silva Coelho e Tamas Szmerecsanyi, ambos economistas.

A obra nasceu do desejo do editor da revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), Alfredo Bosi, de produzir um dossiê que relembrasse o debate econômico travado no país nas últimas décadas, uma obra de referência e que fosse capaz de reconstruir os passos que a economia deu nesse período e, assim, traçar uma espécie de perfil do que se pode chamar de pensamento econômico brasileiro contemporâneo.

O projeto cresceu e acabou se transformando em um livro com quase 500 páginas, que fornece um panorama e uma fotografia bem abrangentes das discussões e das práticas econômicas nacionais, de 1940 para cá. “É um projeto ambicioso. Na primeira parte, identifica as correntes teóricas que guiam nossas formulações econômicas. Na segunda, levanta os temas mais debatidos nos últimos 50 anos. Na terceira parte, identifica e discute instituições que abrigam esse pensamento, como o IPEA e a Faculdade de Economia e Administração da USP. E, na quarta e última, resgata as idéias de quem consideramos os dez maiores economistas do Brasil”, resume Coelho, que é presidente da Ordem dos Economistas do Brasil.

Cada uma das quatro partes da obra está dividida em mais de uma dezena de capítulos. Esses textos seguem duas dinâmicas: ou foram escritos por um economista importante, ou então são responsáveis por se dedicar à análise e ao balanço crítico sobre a obra de alguns dos principais pensadores da área no Brasil. Assim, entre os articulistas que contribuíram de próprio punho figuram nomes como João Paulo dos Reis Velloso, Antônio Delfim Netto e Gustavo Franco. E entre aqueles que têm suas idéias e contribuições discutidas a partir das vozes de terceiros estão Maria da Conceição Tavares, Celso Furtado, Mário Henrique Simonsen, Roberto Campos e Paul Singer. Em outras palavras, estão na obra representados todos aqueles que de alguma maneira ajudam, ou ajudaram, a entender o Brasil, a partir de sua trajetória e fundamentos econômicos.

Desenvolvimento e crescimento
Se há no livro um fio condutor capaz de articular propostas vindas de fontes tão heterogêneas, como Paul Singer (crítico contumaz da globalização e representante da esquerda) e Roberto Campos (defensor de idéias conservadoras)? Coelho garante que sim. “O grande tema aglutinador do pensamento econômico brasileiro contemporâneo é e sempre foi a idéia do desenvolvimento e do crescimento da economia”.

Para ele, como a grande referência norteadora sempre foi a mesma, o que muda ao longo dos anos e difere um pensador progressista de um conservador são os critérios usados para medir e contabilizar a evolução da economia, além do processo, dos projetos, dos meios e dos instrumentos sugeridos para se chegar a situações mais favoráveis para o país. “Mas sempre tendo como alvo o desenvolvimento da nação. As discussões a respeito da moeda, da inflação ou da industrialização são meios para chegar a um modelo de desenvolvimento”, reafirma Coelho.

Essa persistência em relação ao tema resistiu às situações mais variadas dentro e fora do Brasil, como a crise do petróleo, que derrubou as bolsas de valores e fez subir o preço da gasolina no mundo todo, em 1973; o chamado Efeito Tequila, que quebrou a economia do México, em 1994; a hiperinflação no Brasil da década de 1980 e a crise mundial que resultou no empréstimo de 40 bilhões de dólares que o país fez junto ao FMI, em 1997. Em todas essas ocasiões, as soluções adotadas e as idéias que surgiam tinham como perspectiva o desenvolvimento nacional.

E, de um modo geral, parece que nossos economistas sempre estiveram afinados com o que se pensa no exterior. Essa relação pode ser evidenciada com a atual cantilena da liberalização, para quem não haveria salvação fora dos princípios do neoliberalismo (privatização, flexibilização de direitos, enxugamento dos gastos sociais, dentre outros propósitos). Essa mesma associação entre plano nacional e internacional já se manifestara em outros momentos da nossa história recente, como no período pós Segunda Guerra Mundial, quando os olhares do mundo estavam voltados para a Guerra Fria, disputa que colocou em lados opostos o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e os países socialistas, comandados pela ex-União Soviética.

Para os norte-americanos, era fundamental fortalecer o bloco capitalista e, para isso, era preciso fazer crescer os países subdesenvolvidos. Nesse período, o economista Celso Furtado aproveitou as oportunidades que se anunciavam e comandou as ações da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), fundada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), com o claro objetivo de promover o desenvolvimento nas Américas. Furtado, um pensador independente, original e bem fundado na experiência brasileira, identificado com um grupo de economistas chamados desenvolvimentistas, realizou um estudo que ficou conhecido como “Esboço de um programa de desenvolvimento para a economia brasileira no período de 1955 a 1960”. E foi esse projeto que mais tarde deu origem aos Planos de Meta e às reformas de base (agrária, tributária, educacional, trabalhista) do presidente João Goulart.

O presidente da Ordem dos Economistas do Brasil faz questão de ressaltar, no entanto, que as idéias de Celso Furtado estavam baseadas na noção de existência de um pensamento genuinamente brasileiro, que teria se formado, construído e se reinventado ao longo dos tempos, a partir da realidade exclusivamente nacional, e desde os trabalhos de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu – um dos primeiros economistas do Brasil, ocupou vários cargos na corte brasileira e foi peça central na abertura dos portos às nações estrangeiras, em 1808. “Mas acredito que um pensamento econômico se constrói somando os economistas brasileiros aos autores internacionais. Há uma rica troca com os pensadores dos Estados Unidos e Europa, por exemplo”, diverge Coelho. Esse pensamento conquistaria efetivamente identidade nacional quando, a partir do embate e da adaptação das idéias estrangeiras, acabou se construindo por aqui a certeza de que o melhor caminho é o do crescimento e do desenvolvimento, como o autor já havia destacado.

Reforçando e dando respaldo e retaguarda a esse ideário brasileiro, despontam as instituições que abrigam os economistas. No livro, aparecem um pouco da história e do perfil do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA, espécie de casa de Reis Velloso, importante defensor da liberdade de pensamento e da democracia para se pensar uma economia sólida; da Faculdade de Economia e Administração da USP, onde se formaram Delfim Netto e João Sayad, ex-ministro do Planejamento do governo Sarney; e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), de onde saiu toda a geração de economistas que pontuou os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002), entre eles o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco.

Desenvolvimentismo
Segundo Coelho, além da idéia fixa do desenvolvimentismo, também chama atenção na evolução do pensamento econômico do Brasil uma certa sucessão de assuntos importantes que, de repente e vez ou outra, roubam a cena e se impõem como temas nacionais prioritários. “Foi assim com a febre da industrialização, com o combate à inflação, com a abertura da economia”, relembra. Esses temas, sempre que estão em emergência e evidência, acabam por dar contornos a um pensamento substancioso e adaptado à realidade do país, mas crescem tanto em importância – por sucumbir à pressão do momento histórico – que os institutos, as universidades e até a população acabam esquecendo que existem tantas outras questões paralelas que também merecem ser cuidadas e pensadas.

A boa notícia é que esse mergulho nos grandes temas acabou fazendo do Brasil um país com experiências múltiplas e teorias, idéias e pensamentos contundentes sobre os debates mais representativos da economia contemporânea. “Isso é bom porque, com base no que já construímos em termos de pensamento, a gente não precisa reinventar a roda cada vez que um novo problema econômico aparece”, comemora o organizador do livro. Em outras palavras, se não nos esquecermos de tudo que já pensamos e propusemos, teremos uma base mais segura e sustentada para criar o novo.

Sem perder de vista os professores e o papel social que representam, Coelho lembra que entre as idéias e debates econômicos contemporâneos do Brasil, é assunto recorrente a necessidade do investimento em educação para se chegar ao tão desejado desenvolvimento. “Estamos exatamente neste momento. Estamos crescendo, mas, muito em breve, não teremos mão de obra qualificada para tocar esse desenvolvimento adiante”, adverte.

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