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Lançamento do satélite russo Sputnik há 50 anos deu início à corrida espacial

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

É bem verdade que ainda estamos distantes de uma antiga aspiração humana muito presente em livros e filmes de ficção científica e em histórias em quadrinhos – a possibilidade de viver e passear por outros planetas, satélites e astros espalhados pelo universo. Mas esse desejo, ao menos no nível simbólico, ficou um tantinho mais próximo naquele 4 de outubro de 1957. De uma base aérea perto do deserto de Tyuratan, no Cazaquistão – que naquele momento pertencia a União Soviética –, partiu um foguete rumo ao cosmos, levando o satélite Sputnik 1. A espaçonave atravessa a atmosfera e coloca em órbita a engenhoca, que passa a girar em volta da Terra, assim permanecendo durante três longos meses. Na semana passada, vieram as comemorações pela passagem dos 50 anos do feito histórico – efusivas na Rússia, um tanto mais contidas nos Estados Unidos. Os veículos de comunicação também publicaram reportagens e artigos resgatando e analisando a importância do episódio.

Com razão, os textos referiam-se ao lançamento bem-sucedido do Sputnik como um divisor de águas, um marco histórico que deu a largada para o que passou a ser popularmente conhecido como corrida espacial. O termo corrida descreve bem o clima da época. Num mundo polarizado entre capitalismo e socialismo, que o historiador inglês Eric Hobsbawm chamaria de a “era dos extremos”, dois grandes adversários, Estados Unidos e União Soviética, disputavam, dentre tantas outras coisas, quem chegaria primeiro ao espaço. A corrida espacial é, portanto, um dos filhotes da Guerra Fria, iniciada depois da Segunda Guerra Mundial. Chegar lá, ocupar e conquistar o universo. Esse era o objetivo declarado das duas potências,uma questão de honra para ambas. Nas entrelinhas, mas nem tão escondido assim, a mensagem era: mostrar quem tinha mais poderio militar e quem conseguiria colocar essa capacidade a serviço de seus aliados e projetos ideológicos.

E se era uma corrida, ao conseguir colocar em órbita o primeiro satélite artificial do mundo, a União Soviética sai na frente e marca o primeiro ponto. Em entrevista o jornal Folha de S. Paulo de 04 de outubro último, o físico e professor da Universidade de São Paulo, Shozo Motoyama, explicou que “o Sputnik 1 foi o triunfo de uma política centralizada em direção a um determinado objetivo, e isso fez com que a URSS conseguisse uma vitória num primeiro momento”. Enquanto isso, continua Motoyama, “nos países capitalistas, tudo estava ocorrendo de maneira dispersa”. Em outras palavras, foi um grande susto para os Estados Unidos e para o bloco capitalista o satélite russo ter chegado com sucesso ao espaço. E, para o astrônomo da Fundação Planetário do Rio de Janeiro, Alexandre Cherman, os norte-americanos acusam o golpe, sofrem o impacto do feito soviético e passam a acelerar o processo de desenvolvimento de tecnologia para também chegar ao espaço e tentar recuperar o prejuízo.

Sim, porque naquele cenário a preocupação primeira dos estrategistas dos Estados Unidos e da União Soviética não era desenvolver tecnologias com aplicações concretas na vida cotidiana e com benefícios para a cidadania. Pode soar estranho nos dias de hoje o fato de uma nação projetar, construir e colocar em órbita um satélite, investindo nele uma fortuna, se não fosse para transmitir dados, gerar imagens e informações de qualidade e relevância para vários setores. Mas naquele tempo ideologicamente polarizado essa percepção das possibilidades de um satélite acabava ficando em segundo plano. A vontade dos países era ocupar o espaço e fazer disso uma propaganda de seu poder. Então o Sputnik era inútil? Cherman, que é também doutor em física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conta na entrevista exclusiva que concedeu ao SINPRO-SP que, em termos tecnológicos, a grande conquista do Sputnik foi dominar a engenharia de planejamento e de construção de um satélite e de um foguete que colocasse o equipamento em órbita com sucesso. “Ele não era um instrumento de coleta de dados, ou de transmissão de informações. Ele era uma engenhoca. Mas possibilitou que os russos dessem esse passo”, reafirma.

Mas se governantes só pensavam mesmo na corrida espacial como um caminho para a conquista do espaço, a comunidade científica enxergava nesse contexto uma situação propícia para experiências inéditas e para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. “Os cientistas já sabiam que quanto mais alta um antena estiver, mais capacidade ela tem de transmitir ondas de rádio e de TV. Por isso, se essas antenas estivessem no espaço, teriam uma capacidade incrível”, lembra o astrônomo do Planetário do Rio de Janeiro. “Daí veio a idéia de se aproveitar da guerra para colocar uma antena em órbita. O Sputnik é isso”. Para os governantes, uma demonstração de força; para os cientistas, uma chance rara de avançar.

Por que rara? “Porque o governo só libera verbas ilimitadas para o avanço científico e tecnológico em tempos de guerra. Em tempos de paz não é assim que funciona”, esclarece o especialista. Em 1957, o mundo vivia as bravatas e ameaças da Guerra Fria, e a comunidade científica soube aproveitar o momento para fazer bom uso dos recursos destinados à ciência. Não habitamos as estrelas, mas estamos presentes no espaço de outra maneira. Esse olhar resultaria nos satélites todos que temos em órbita ao redor da Terra. A diferença é que hoje esses equipamentos se prestam para transmitir TV, rádio, internet, celulares. São fundamentais para a navegação e para a aviação por conta do GPS, tecnologia que oferece a posição exata de um ponto em qualquer lugar do planeta e, ainda, para monitorar o clima, as chuvas, as queimadas e a urbanização. Nas palavras de Cherman, trata-se de um conhecimento colocado a serviço da vida e de sua preservação. É curioso pensar que um elemento tão freqüente nas nossas vidas hoje – e sem o qual não teríamos a possibilidade de transportar essa quantidade gigantesca de informações que geramos diariamente – tenha nascido de um conflito. “Essa migração da morte para a vida, da tecnologia da destruição para a ciência da preservação é um problema da moral humana que ainda precisamos resolver”, filosofa o astrônomo.

Depois da angústia que foi perder a primeira prova para os russos, os norte-americanos se organizam e se concentram em criar as condições necessárias para passar à frente dos arquiinimigos. Mas tomam outra bola nas costas menos de um mês depois. Em 03 de novembro do mesmo ano de 1957, a União Soviética lança o Sputnik 2 e, a bordo dele, a cadela Laika, o primeiro ser vivo a entrar em órbita terrestre. No ano seguinte, os Estados Unidos levam um satélite para o espaço, mas ainda em clima de jogo perdido. Em 1961, outro golpe: Yuri Gagarin é o primeiro ser humano a viajar no espaço. É russo, como Laika e como o Sputnik. Decididamente, a situação não podia ficar assim. Os americanos elegem John Kennedy para presidente e ele toma para si a responsabilidade de levar o homem, dessa vez um norte-americano, à Lua. Kennedy é assassinado em 1963, mas os planos não mudam e finalmente a bandeira norte-americana é fincada em solo lunar em 1969. O passo, pequeno para um homem, mas um grande passo para a humanidade, narrado pelo comandante Neil Armstrong ao pisar na areia branca da Lua, colocava os Estados Unidos à frente, bem à frente na corrida espacial. “Foram 12 nos depois do Sputnik,mas foi um feito incomparável. Os Estados Unidos mandaram o homem para a Lua”, defende Cherman.

Com os olhos de um cientista de hoje, 50 anos depois do lançamento do Sputnik, o especialista não tem nenhum receio em afirmar que os Estados Unidos venceram a corrida. Depois de mandar 12 homens à Lua e de implementar o maior programa espacial do mundo, o primeiro lugar nessa disputa é do Tio Sam, e com uma larga vantagem. A Rússia, já não mais União Soviética, só consegue manter seu programa porque há quem pague para estar entre as estrelas. Iniciativa privada e outros governos fazem acordos e transferem recursos para os russos colocarem seus foguetes em órbita. “Foi o caso do brasileiro Marcos Pontes, nosso primeiro astronauta. O Brasil queria marcar posição, então pagou para ter um homem lá”, pontua o astrônomo do Planetário do Rio, que continua: “não há nada de errado nisso, é uma estratégia de marcar espaço, mas tem mais valor político que científico”.

E por falar em Brasil, datas redondas como a que estamos relembrando hoje sempre promovem releituras sobre assuntos internos e externos. Por aqui, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, Marco Antonio Raupp aproveitou a efeméride para criticar o estágio de desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro. Em um artigo publicado pela Folha de S. Paulo, o matemático, professor da Universidade de São Paulo e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), escreve que “começamos [o Brasil], portanto, acompanhando de perto os pioneiros. A Índia e o Canadá começaram programas similares na mesma época - e foram longe. Nós paramos”. E completa: “Passados quase 30 anos [da implantação], temos pouco a comemorar sobre esse programa. Foram desenvolvidos e lançados (por foguetes americanos) os dois primeiros satélites e o veículo lançador ainda está em desenvolvimento. O lado positivo a lembrar é a formação de pessoas e equipes, mas falta um projeto governamental de longo prazo nessa área”.

Ao contrário do que aponta o professor Raupp, Cherman vê com bons olhos essa parceria com outros países para o Brasil também chegar ao espaço. “Somos muito bons na construção e no controle de satélites, mas ainda não dominamos o lançamento”. Exemplo recente desse quadro foi a subida do CBERS-2, um satélite desenvolvido em conjunto por cientistas chineses e brasileiros que foi lançado lá da China no final de setembro último. Cherman enxerga nas ações coordenadas uma postura muito mais próxima daquilo que se convencionou chamar de conquista do espaço, “que é diferente de corrida espacial, disputada entre russos e americanos. A conquista do espaço é algo que se constrói com a ajuda de toda a humanidade e é uma vitória de todas as nações”. Ou seja, uma idéia mais distante da filosofia da corrida espacial da Guerra Fria e mais conectada com aquele antigo sonho humano que abre essa reportagem.

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