Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
No início de novembro, a Petrobras anunciou a descoberta de uma reserva que deve abrigar de cinco a oito bilhões de barris de petróleo de boa qualidade, além de gás natural, situada abaixo da camada de sal, cerca de sete mil metros de profundidade, na área de Tupi, na bacia de Santos, litoral de São Paulo. A nova jazida tem capacidade, ao que tudo indica, para aumentar em 50% as atuais reservas nacionais de petróleo, que estariam no patamar de 14 bilhões de barris. Ao anunciar a descoberta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou o feito e chegou a dizer que a jazida levaria o Brasil ao posto de um dos principais países exploradores do óleo do planeta, podendo inclusive pleitear a condição de membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a OPEP, uma espécie de cartel que controla os negócios mundiais envolvendo o petróleo.
O que à primeira vista soa estranho é que a descoberta em Tupi parece contrapor-se e tomar rumo contrário às estratégias energéticas que vinham sendo viabilizadas pelo país, mais antenadas, ao que tudo indicava, com a produção dos chamados biocombustíveis. Desde os anos 1970, com a crise mundial do petróleo, o Brasil vinha lançando cada vez mais seus esforços e atenções para as pesquisas com novos combustíveis e a produção de veículos movidos com essa tecnologia nacional, considerada mais limpa e renovável. O etanol, álcool feito combustível feito de cana-de-açúcar, aparece no topo da lista dos ditos alternativos. Ele é barato, eficiente, não-poluente e já abastece uma parcela razoável da frota brasileira. Outras vedetes são os óleos obtidos a partir da mamona e de outros vegetais, como o dendê, que já são inclusive adicionados ao diesel – derivado de petróleo – e que devem ter sua percentagem aumentada nessa mistura nos próximos anos. Por que então jogar novamente os holofotes sobre o petróleo, ainda mais em um momento em que o planeta passa a discutir com intensidade formas de enfrentar o aquecimento global? Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Energético (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Schaeffer, a dicotomia que coloca de um lado derivados de petróleo e de outro os biocombustíveis é apenas aparente. “São matrizes distintas que cada vez mais tendem a se completar”, garante, em entrevista exclusiva ao site do SINPRO-SP.
Longa vida ao petróleo
O primeiro argumento identificado pelo especialista diz respeito ao lugar que o petróleo ocupa na economia internacional contemporânea. “Não há nenhuma previsão, nem fatalista, nem otimista, nem realista que veja a substituição do petróleo como principal matriz energética mundial nos próximos 30, 40 anos, ou até 50 anos”, pontua. Para ele, esse cenário se manifesta seja porque há reservas suficientes no planeta para isso, seja porque, em menos tempo, seria impossível mudar totalmente as bases e a infra-estrutura econômicas. Nesse contexto, a tendência é que o valioso e disputado óleo negro continue encabeçando a lista dos recursos minerais fósseis que geram combustíveis. Sendo o Brasil auto-suficiente nessa área desde abril do ano passado, a perspectiva deve ser continuar investindo em pesquisa e em extração do óleo. A análise de Schaeffer é corroborada pelo presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Em entrevista à revista Pesquisa Fapesp de março último, ele diz acreditar que o petróleo permanecerá nessa posição de destaque ainda por muitas décadas. “A situação atual de demanda no mundo está mais ou menos equilibrada – 82 a 84 milhões de barris de petróleo por dia é a oferta e é a demanda. (...). Então não há por que dizer que vai se ter grande problema nessa área. As reservas conhecidas hoje permitem um horizonte de 70, 80 anos de produção”.
Por outro lado, a pressão da sociedade por combustíveis limpos e que impactem menos o meio ambiente e possam ajudar a minimizar os efeitos do aquecimento global é cada vez maior. Sabidamente, os derivados de petróleo são responsáveis diariamente pela emissão de quantidades fantásticas de carbono, que acabam por se abrigar na atmosfera, impedindo a saída de calor e amplificando o efeito estufa. Por isso também não é equivocado vislumbrar que no longo prazo os combustíveis limpos poderão substituir os fósseis, como a gasolina e o óleo diesel. E, segundo o que apontam Schaeffer e Gabrielli, o primeiro passo nessa direção já foi dado. O presidente da Petrobrás, na mesma entrevista para a Pesquisa Fapesp refuta os argumentos que sugerem a inutilidade de tantos investimentos no óleo negro e diz que até mesmo a indústria ligada aos derivados de petróleo já encara essa transição e dinâmica complementar de modo natural. “[O crescimento de alternativas energéticas] cria dois grandes desafios em matéria de substituição de combustíveis. Um está ligado ao biocombustível, tanto etanol quanto biodiesel. Eles vão deslocar gasolina e diesel, que vão sobrar ou, no caso do diesel, vamos deixar de importar. Portanto, a Petrobras tem que encontrar destino para sua produção. (...) O petróleo não vai sair de cena porque vai acabar, e sim porque ele pode se tornar economicamente inviável por termos adiante outras fontes mais limpas e economicamente viáveis”. O professor da Coppe/UFRJ entrevistado pelo SINPRO-SP completa dizendo que o etanol e o biodiesel representam o grande sonho da indústria de combustíveis, atualmente. “A produção desses elementos já existe, a forma como eles são extraídos já é dominada, os motores dos carros serão os mesmos, tudo fica como já é, menos o meio ambiente, que sai ganhando com a menor emissão de gás carbônico”, avalia. Ou seja, a indústria está convencida que os biocombustíveis são aliados e não uma ameaça. O segmento petrolífero tem consciência de que se for adicionado até 20% de álcool à gasolina, por exemplo, a eficiência do novo combustível alcançará patamares de eficiência do diesel. Trata-se de uma equação boa para os Estados Unidos e a Ásia (que têm a maior parte da frota rodando com gasolina) e também para a Europa (onde se usa o óleo diesel).
Agora, bom mesmo é para o Brasil, com tecnologia e competência capazes de produzir todos esses combustíveis – diesel, gasolina, álcool e biodiesel. Bom também porque, segundo Shaeffer, devem sair daqui os substitutos dos aditivos à gasolina usados mundialmente, como o MTBE (sigla do nome em inglês usada pelos técnicos da área), que é misturado à gasolina norte-americana. O professor explica que essa substância é altamente cancerígena e que há, lá na terra do Tio Sam, uma pressão muito grande para que seja substituída por outros compostos. O maior candidato à troca é o etanol, que garante a mesma eficiência que o aditivo original, mas não polui nem causa doenças. Outro detalhe interessante para o Brasil é que o etanol produzido nos Estados Unidos tem qualidade bem inferior ao brasileiro. Ou seja, “se for misturado etanol brasileiro à gasolina americana, cresce o consumo de álcool, cresce o consumo de gasolina e cai a emissão de carbono. É bom para todo mundo”, comemora o professor.
Abastecer o mercado interno
A partir desse cenário, seria acertada a intenção de pleitear uma vaga na OPEP? Segundo Schaeffer, essa não seria uma decisão correta. Ele explica que por trás do desejo manifestado na fala do presidente Lula parece haver mais brincadeira e comemoração que um propósito político. “Entre achar uma nova reserva na bacia de Santos e virar membro da OPEP há uma distância muito grande e há uma série de questões para discutir”, pondera. “A primeira delas é: quanto de petróleo há ali?”. A Petrobras ainda não divulgou dados mais precisos, mas as primeiras medições dão conta que de Tupi seriam extraídos de 500 a 700 barris por dia. O consumo brasileiro hoje é de dois milhões de barris diários, e esse número tende ao crescimento. O professor da UFRJ avalia portanto que a nova jazida teria muito mais a função de repor as reservas nacionais do que a de levar o Brasil ao posto de exportador. “Devemos antes mirar a nossa condição de auto-suficientes”. Mas e se, por acaso, a nova jazida fosse capaz de fazer sobrar tanto petróleo que pudéssemos até exportar? “Nesse caso, a OPEP seria uma péssima opção. Bom para o Brasil seria seguir o modelo da Rússia que extrai quanto e como quer seu petróleo e vende no mundo de forma independente”, propõe. A outra questão levantada por ele diz respeito ao vento de otimismo que a nova jazida sopra. “A grande notícia por enquanto é que esse recurso foi encontrado num lugar que não se imaginava haver petróleo, ou seja, abre esperança para a busca do óleo em lugares inimagináveis antes”. Apostando nos investimentos e nos avanços das pesquisas relacionadas à extração de petróleo no país, Schaeffer entende que teremos tecnologia para retirar os recursos encontrados na Bacia de Santos e fazer dele produto de consumo. Ou seja, águas calmas para o petróleo encontrado em águas profundas do Brasil, desde que ele continue aceitando a parceria dos biocombustíveis.