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Livro mostra a importância dos brinquedos e brincadeiras

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Trata-se de uma obra diferente. Com uma diagramação impecável e imagens para lá de convidativas, Giramundo – e outros brinquedos e brincadeiras dos meninos do Brasil logo chama a atenção e salta aos olhos nas prateleiras das livrarias. O livro traz crianças, muitas crianças, brincando. Ao longo de suas mais de 200 páginas, as expressões de alegria – e de concentração profunda – estão estampadas nas caras molecas. Há bolas, barcos, bonecas. Carrinho, pipa e roda. Das fotos, o olhar procura um texto que ajude a explicar onde está e o que significa aquele mundo de brincadeiras. E, em um casamento mais que perfeito, a imagem encontra-se com as letras, que devagar vão formando palavras, organizando orações, parágrafos e raciocínios inteiros para lembrar ao leitor que aquele universo do brinquedo, pode acreditar, está exatamente onde sempre esteve. Onde há crianças, independentemente da cidade, do bairro, da classe social e de todas as diversidades que caracterizam a infância do Brasil, há sempre uma brincadeira resistindo e acontecendo.

A autora de Giramundo é Renata Meirelles, e as imagens e a diagramação são de Antônio Khel. Graduada em educação física e mestre em Educação pela Universidade de São Paulo, Renata admite que a publicação não era de fato o objetivo final de seu trabalho, mas que, num determinado ponto de sua trajetória de pesquisa, já havia acumulado tanto material sobre o brincar, o brinquedo e as brincadeiras que partir para a formalização disso tudo acabou se tornando inevitável. “Eu sempre pesquisei brincadeiras, porque essa era a matéria-prima para meu trabalho com crianças e com educadores”, explica. Desde a graduação, quando ela via um grupo de crianças brincando, se aproximava e perguntava “do que vocês estão brincando? Como se brinca disso? Posso brincar também?”. Foi quando ela começou a viajar pelo Brasil para conhecer e aprender os brincares de outros lugares e regiões, que tivessem outras cores e sotaques. Encontrou pequenos amazonenses fazendo peão de tucumã e pequenos paulistanos fazendo competição com tampas de detergente. Daquela troca com os meninos e as meninas nascia um material para ser trabalhado, aprofundado. Nas palavras da pesquisadora: “era um material para brincar, resgatar e ensinar”.

Até chegar ao mestrado, a pesquisa era prática, nada formal sem metodologia mais rigorosa e até bem distante dos moldes da academia. Era um estudo de campo livre, como define a própria Renata. A idéia, diz ela, era aprender com o corpo e não com a cabeça. “Porque é assim que as crianças aprendem as brincadeiras e as passam adiante, não tem muita teoria, ou melhor não tem nenhuma teoria, é vivência mesmo”. E com mais de uma década dedicados a essa tarefa, recolhendo brincadeiras, colhendo relatos e acumulando muito material, Renata e Khel decidiram que seria interessante compartilhar todo esse conhecimento acumulado. Foram à procura de uma editora. Em outubro do ano passado, a Terceiro Nome colocou o livro no mercado.

Diferenças e semelhanças
Folheando suas mais de 200 páginas, dá para notar as diferenças das crianças de cada lugar (e o livro se atém com um cuidado maior nos meninos ribeirinhas da Amazônia), mas dá para identificar que há algo mais importante que a diferença. “Crianças são crianças em qualquer parte do mundo, qualquer espaço ou objeto é um bom pretexto para brincar”, diz Renata, confirmando o que dá para intuir a partir das fotos, das ilustrações e do texto. Há mais em comum entre os pequenos brasileiros que grandes diferenciações. Por isso, colocadas lado a lado, as imagens que mostram a construção do peão de tucumã e a disputa com os peões de tampa de detergente revelam uma realidade até semelhante. Mesmo que uma se dê em São José Galibi, às margens do rio Oiapoque, e outra aconteça aqui pertinho, numa comunidade de Taboão da Serra, na grande São Paulo.

São essas revelações que fazem de Giramundo um livro cheio de informações valorosas para crianças, pais e, claro, educadores. Nesses paralelos que vai traçando, Renata revela do que as crianças de hoje brincam. E elas brincam muito ainda, na rua, na escola, na pracinha. Sozinhas e com amigos. Aliás é quase uma surpresa perceber essa realidade, apesar de todo aquele discurso de que as crianças da atualidade não se socializam mais, ficam presas em apartamentos, jogando videogame e navegando na internet. A autora explica que é verdade que os meninos das grandes cidades, de fato, têm um perfil próximo a esse, mas “esse é um discurso muito pobre, de quem só conhece – pouco – as metrópoles. Porque até nas grandes cidades as crianças brincam muito, constroem brinquedos e fazem de conta”.

O problema nesse discurso generalista é que, além de ele ser incorreto, acaba colando. Em seu contato diário com pais e educadores, nas oficinas que oferece em escolas públicas e privadas sobre o brincar, Renata percebe que essa conversa sobre a ausência de brincadeiras é o que surge primeiro. E, pior, os adultos realmente acreditam. Mas a pesquisadora tranqüiliza famílias e professores: “apesar da TV, apesar da violência das cidades grandes, apesar do videogame e do computador e para além, muito além do marketing e da indústria de brinquedos, nossos meninos continuam brincando como sempre brincaram”. Quer dizer, a profusão de comerciais, os lançamentos mais badalados da indústria de brinquedos, os encartes de jornais, enfim, todo esse aparato de convencimento infantil serve para comprar, mas serve muito menos – ou quase nada – para brincar.

Não é que Renata queira negar que existe uma realidade consumista e aprisionada para crianças de classe média das zonas urbanas, mas o Brasil é muito maior que isso. Tem cidades médias e pequenas e tem uma enorme zona rural também. E a idéia da pesquisadora ao conhecer esses lugares e essas brincadeiras não é provar que o modo de brincar do interior é melhor do que o da capital e nem preservar numa redoma o brincar do passado. “Nossa proposta sempre foi conhecer, aprender, trocar e compartilhar, porque a cultura não é estática, mas nesse contato dá para adaptar, renovar, atualizar as brincadeiras e isso ajuda a preservar a cultura do país”, explica. E brincando, o que é melhor.

O valor do brinquedo e da brincadeira
A pesquisadora garante que o livro é para o público em geral. Para crianças que querem conhecer novas brincadeiras, para adultos que querem relembrar e reaprender a brincar. Mas, de maneira especial, para educadores que desejam ter um contato mais profundo com a obra e, claro, podem ainda utilizar todas aquelas brincadeiras em sua atividade diária. Nas oficinas que ministra pelo Brasil todo, o que Renata encontrou foi muita receptividade por parte dos professores e das escolas. Segundo ela, parece que de um modo geral quem educa sabe o valor do brinquedo e da brincadeira, por isso as instituições e as pessoas estão dispostas a aprender a brincar.

Quando chega numa nova turma, o que a autora encontra logo depois da recepção calorosa é uma vergonha danada de brincar. “Essa é a maior dificuldade. Os adultos têm um bloqueio muito grande para brincar”, revela. Mesmo tendo sido crianças um dia (e às vezes não há muito tempo), gente grande fica com medo de errar, de não fazer direito, de não entender a regra e perguntar de novo. E tem mais, conta Renata: “tem a força do comando. Adultos disputam para ver quem vai mandar nas brincadeiras, mas depois eles superam isso também”. Passada essa etapa, depois que relembraram como é brincar, começa certamente a parte mais rica. Nas oficinas, Renata expõe como são as brincadeiras de outros lugares do país. E aí não tem jeito, dentro de cada adulto começa um trabalho de resgate pessoal e social. Eles vão lembrando do que brincavam e do que os amigos brincavam. “E comparam com o material da nossa pesquisa e vão trocando as experiências e percebendo que o brincar, mesmo tão diverso, é tão parecido em todos os lugares”, comemora a autora.

Renata ri quando questionada sobre a importância de um educador saber brincar e conhecer as brincadeiras de outro lugar. “Serve para perceber a importância da brincadeira e do brinquedo na vida de uma criança”, ela conta. E alerta: não serve para aquele excesso de “pedagogização” que muitas vezes acomete o ambiente escolar. Nas palavras dela e trocando em miúdos: “usar amarelinha para ensinar matemática e lateralidade é muito legal e pode ser muito proveitoso para todos. Mas achar que amarelinha é só isso é muito pouco”. Esse uso pedagógico da brincadeira é só a ponta do iceberg das possibilidades do brincar na educação.

Os professores não devem se deter nisso, sugere a autora. Por trás de cada brincadeira há um universo que pode ser explorado por adultos e crianças. Ainda nesse caminho, Renata dá duas dicas finais para pais e professores. Primeiro ela garante que Giramundo. deve ser só o primeiro passo, o fator encantador. “Porque brincar mesmo se aprende é brincando. A gente, por exemplo, não aprende a nadar apenas lendo um livro, ninguém conhece a sensação do contato com a água num livro. Então a dica é leia, mas para brincar, saia e brinque e com quem sabe brincar daquilo”.

A segunda dica vai para quem gostou da proposta e ficou morrendo de vontade de brincar com os alunos, filhos, sobrinhos, ou crianças da comunidade – com qualquer que seja o intuito, trabalho ou lazer: “Observem as crianças brincando, aprendam com elas a forma e o conteúdo das brincadeiras, mas não coloque regras e imposições. Adulto não deve por rédeas na brincadeira. Brincar é uma coisa livre. Sei que a liberdade é dura, mas vale a pena sentir a experiência”.

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