Entrevista com o Prof. Dr. Alexander Zhebit
Coordenador do Grupo de Acompanhamento e Análise de Terrorismo Internacional (GAATI)
1)Como podemos definir o neoterrorismo ou terrorismo contemporâneo? Quais os elementos e significados que compõem esse fenômeno?
O neo-terrorismo não deixou de ser terrorismo, mas adquiriu características novas que o diferenciam do terrorismo clássico. Ele é transnacional ou transfronteiriço e não apenas nacional, o seu alvo não é um governo ou uma estrutura de poder estatal, mas a atual ordem das coisas. Seus meios incluem, em hipótese, armas de destruição em massa, ou seja, armas nucleares, químicas, biológicas e radiológicas, transformando o neoterrorismo em um terrorismo de destruição em massa, devido à ação indiscriminada destas armas. O terreno onde se cultiva são estados falidos ou os que onde o combate pela legitimidade foi perdido ao crime organizado, ao fanatismo e extremismo, onde a sociedade civil foi intimidada de tal maneira que não conseguiu se organizar a fim de resistir a este fenômeno. O termo entra em uso a partir de 11 de setembro de 2001, apesar de ser usado já nos anos 90.
2) Como se organiza esse chamado novo terrorismo? Parece ter redes de administração e comunicação bastante complexas e sofisticadas, não?
A sua organização não é apenas internacional, mas transnacional, atingindo níveis subnacionais em diversos países, em função de objetos de sua influência: grupos religiosos, organizações de jovens, movimentos de protesto, partidos políticos, estruturas de crime, apoiando-se sobre uma rede de grupos ou de elementos recrutados para servir uma causa política. As novas táticas do neoterrorismo são variadas. Uma das novidades é a sua compenetração e amiúde uma fusão com estruturas do crime transnacional organizado, narcotráfico, migração e tráfico de pessoas, a penetração de neoterroristas em estruturas governamentais, sociais e religiosas, o uso de meios eletrônicos da última geração, a utilização de novos meios de impacto e pressão sobre a opinião pública e governos. Suas estratégias estão baseadas nas atividades hostis e sem fim, executadas para cansar o inimigo (war of attrition), na intimidação das autoridades e da população, na provocação das autoridades para forçá-las a recorrer a medidas indiscriminadas de combate anti-terrorista, bem como no efeito midiático, tudo com o objetivo de demonstrar a força e a superioridade sobre o adversário.
3) Trata-se de um fenômeno midiático e global?
O “efeito CNN”, ou seja o efeito midiático, é a parte fundamental da estratégia terrorista. A “montagem” de um “espetáculo”, que seria retransmitido aos milhões de telespectadores no mundo, favorece a propagação do culto pseudo-heróico de um super-homem do terror ou de uma shakheeda suicida e contando com uma compaixão da população que vive longe do local de atentados, pouco informada ou indiferente à real extensão e ao impacto do ato de terrorismo sobre sua vítimas.
4) E quem financia esses movimentos?
O financiamento das atividades terroristas é proibido pela Convenção Internacional da Supressão do Financiamento do Terrorismo. Em 2007 já houve mais de 160 países que aderiram a esta convenção, sem falar da adoção das legislações internas de vários países, afetados pelo terrorismo. O financiamento provém de fontes diversas: organizações extremistas, contribuições pessoais (as contribuições tradicionais religiosas do Oriente (khawala, zakat, khums), que foram aproveitadas pelos neoterroristas da Al-Qaeda para financiar atos terroristas), dinheiro do narcotráfico e do crime organizado, desvio de verbas de estados falidos etc.
5) Quais as diferenças entre essas novas manifestações e as manifestações anteriores, como as lutas e atos empreendidos por grupos como o ETA e o IRA?
O neoterrorismo rompeu os quadros nacionais do terrorismo, ou seja, transbordou os limites da luta por uma causa política ou nacional (auto-determinação, secessão, reivindicação “irredentista”, descolonização). Portanto, as fronteiras de uma guerra do terrorismo contra seus adversários se expandiu (dos países afetados pelo terrorismo de cunho ultranacionalista - Reúno Unidos e Espanha - para os Estados Unidos, Europa, Rússia, África e Ásia), formando um desafio global aos valores compartilhados por uma série dos países. Além disso o neoterrorismo declarou a guerra às organizações internacionais universais, como a Organização das Nações Unidas, matando seus representantes e funcionários, entre eles o brasileiro Sergio Vieira de Mello. O último ataque contra a ONU aconteceu há pouco tempo na Argélia. Podemos concluir que o objeto das ações terroristas é algo mais do que a política externa e militar de um determinado estado, por mais perniciosa que possa ser.
6) Há também semelhanças entre esses dois momentos? Quais? O que o neoterrorismo pôde aprender com o terrorismo antigo?
Se há semelhanças entre o terrorismo clássico e o neoterrorismo, há. A principal delas é o desprezo pela vida humana dos inocentes que não passam de bonecos do teatro de marionetes nos desígnios dos chefes do terrorismo. Mais uma é o uso indiscriminado de violência contra civis e não-combatentes. O que o neoterrorismo pôde aprender com o terrorismo clássico ele já aprendeu. Com base nele, ele evolui para o lado mais destrutivo, mais desumano e mais perigoso para todos.
7) O novo terrorismo continua carregando viés político? Ou perdeu essa dimensão, privilegiando a vertente meramente militar?
Sim, o terrorismo, velho ou novo, é sempre um projeto político, destinado a atingir variados objetivos políticos, declarados ou não-declarados.
8) O novo terrorismo coloca em pólos opostos o ocidente e o oriente, consagrando aquilo que Samuel Huntimgton definia como "choque de civilizações"? Ou ele se espalha por outros movimentos, que não apenas o islamismo? Quais? Podemos citar exemplos? Ou, de fato, representa uma exclusividade islâmica?
Terrorismo não é um fenômeno exclusivo do Islã, mas no âmbito do Islã e do pós-colonialismo, ele teve um avanço expressivo por várias razões: o conflito duradouro no Oriente Médio, a “passionaridade”do fundamentalismo islâmico, a pobreza e o atraso econômico de vários países africanos e asiáticos, o crescimento da população nos países menos desenvolvidos. No entanto, há grupos terroristas em países não-muçulmanos, como Aum Shinrikyo, no Japão, organização ultranacionalista que cometeu um ato terrorista em Oklahoma City, nos Estados Unidos, grupos criminais e de narcotráfico que cometeram ataques terroristas na Colômbia, o Comando Vermelho no Rio de Janeiro, atos terroristas de organizações de ultradireita em Israel (assassinato de Itzak Rabin, em 1995), sem falar dos Tigres Tâmiles do Sri Lanka. Terrorismo floresceu nos países que não conseguiram impor a ordem de lei nos seus estados.
9) Essa análise, que de certa forma trabalha com a idéia do "bem e do mal" e que tenta consolidar o terrorismo como uma prática exclusivamente islâmica, não serve como justificativa para as "guerras preventivas" conduzidas pelos EUA? Não é muito reducionista?
Quanto à guerra do Iraque de 2003, os Estados Unidos colocaram o objetivo de eliminar um regime ditatorial, aliás perigoso e perseguidor de seu povo, que empreendeu programas de fabricação de armas de destruição em massa, partindo do pressuposto de que a “democratização” do Iraque serviria para a estabilidade na região. Foi utilizada a estratégia de “melhor prevenir do que remediar”, que não foi bem-sucedida, provocando não apenas o ressentimento dos países da região e dos aliados da OTAN, bem como uma reação forte e medo na comunidade islâmica em geral. É visível o exagero do uso da força pelos Estados Unidos para domar os indóceis, para se vingar de uma derrota pelo terrorismo perante a população norte-americana. Com o passar do tempo os políticos americanos vêm entendendo que o fator força possui dois gumes, um dos quais pode ser prejudicial aos seus interesses e suas intenções.
10) A propósito: como o senhor classifica essas guerras (Afeganistão, Iraque...) patrocinadas pelos EUA? São também ações terroristas, como avaliam alguns autores?
Guerras preventivas não possuem uma codificação exata no direito internacional público. Qualquer guerra ou um recurso a ela é um direito natural. Ou seja, o direito de legítima defesa é inerente a cada estado, segundo o Artigo 51 da Carta das Nações Unidas. Conforme este documento universal, uma espécie de código de manutenção das relações internacionais, a instância que qualifica que tipo de guerra foi deflagrado – uma agressão ou uma defesa legítima – é o Conselho de Segurança da ONU, embora na fase inicial, até que sejam tomadas medidas necessárias por este órgão, qualquer estado pode decidir se ele entra em guerra ou não. A intervenção no Afeganistão foi aprovada pelo Conselho de Segurança e contou com a coalizão de países que forneceram suas forças armadas para tal missão. A intervenção no Iraque aconteceu contra a vontade dos membros do Conselho e a despeito das posições de muitos dos aliados dos Estados Unidos, sobretudo na Europa. Avaliar a intervenção de um estado contra outro como terrorismo estatal não está correto. O terrorismo de estado define-se como o uso da política repressiva, com métodos terroristas, por meio de ação encoberta ou secreta, dentro de um estado ou fora dele, a fim de intimidar determinados grupos não-estatais ou a população civil ou de enfraquecer sistemas político-sociais ou desestabilizar e derrubar governos legítimos.
11) De que forma a ONU tem encarado essa discussão? Há alguma definição internacional consensual sobre o que é terrorismo?
A ONU elaborou uma estratégia global de luta contra o terrorismo, que foi aprovada pela comunidade internacional. Acabou de ser aprovada e ratificada a Convenção Internacional da Supressão de Terrorismo Nuclear. Existe um comitê de ação de prevenção to terrorismo, baseado na cooperação internacional. Vem crescendo o apoio à formulação de um consenso sobre a definição de terrorismo, no âmbito da ONU, que aponta para uma convergência das opiniões de que terrorismo é um crime contra a humanidade.
12) Trazendo para a esfera doméstica, até para desfazer algumas confusões conceituais: grupos como PCC e o narcotráfico do Rio de Janeiro podem ser classificados como terroristas? Por quê?
Qualquer grupo criminoso ou de narcotráfico pode ser chamado de terrorista, se recorrer à violência indiscriminada contra os civis.
13) Quais as diferenças e semelhanças entre o terrorismo e o crime organizado?
As principais diferenças são o objetivo: no caso do terrorismo é político, no caso do crime é ganância.
14) Falando também sobre discussões recentes: o presidente Hugo Chávez pediu que as FARC deixem de ser classificadas como "terroristas"... Ele tem razão? O que dizer desses movimentos de guerrilha? São terroristas?
Se o movimento de guerrilha recorrer à violência contra os civis......
15) Que ações devem ser colocadas em prática para tentar combater e desmontar esse chamado novo terrorismo?
Estratégia global de prevenção do terrorismo que abrange não apenas a luta militar e policial, mas a solução de problemas étnicos, religiosos, sociais, econômicos, humanos.
16) Como e quando surgiu o Grupo de Acompanhamento e Análise do Terrorismo Internacional (Gaati)? Quais os principais objetivos do grupo? E quais os trabalhos principais que atualmente estão sendo desenvolvidos?
O GAATI – Grupo de Acompanhamento e Análise do Terrorismo Internacional foi organizado em 2006 pelo Prof. Francisco Carlos Teixeira da Silva, historiador e conhecedor das Relações Internacionais, que coordena na UFRJ o Laboratório de Estudos do Tempo Presente. O trabalho do grupo se desdobrou para os seguintes planos: a composição de The World Map of Terrorist Attacks/TEMPO (O mapa-mundi dos ataques terroristas), a edição do glossário do neo-terrorismo, que em breve estará na página do Tempo ((tempopresente.org) e a publicação de papers, baseados na realização de seminários sobre o temário respectivo. O Grupo trabalha junto com o Consórcio Programa Rio de Janeiro de Estudos de Relações Internacionais, Segurança e Defesa Nacional (www.consorciorj.com).