envie por email 

Oliver Smithies fala sobre genética e paixão pela ciência

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Ele tem 83 anos e, apesar das mais de seis décadas dedicadas à ciência e dos cabelos já totalmente brancos, tem a voz firme e decidida. Oliver Smithies, geneticista britânico ganhador, ao lado de dois colegas, do Nobel de Medicina e Fisiologia de 2007, não consegue esconder o brilho nos olhos cada vez que fala sobre o fazer científico, a busca para as respostas mais elementares sobre como funcionam as moléculas, as proteínas e a vida que se esconde em cada célula. Sempre que esses assuntos vêm à tona, lá estão os olhos brilhando de novo. Smithies esteve no Brasil recentemente para participar de dois eventos: uma palestra, realizada no dia 9 de março, como parte da exposição Revolução Genômica, instalada no Parque do Ibirapuera; e um simpósio sobre Tecnologia Transgênica, ocorrido na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Foi nesse primeiro encontro que a reportagem do site SINPRO-SP teve a oportunidade de ouvir as fascinantes histórias narradas pelo cientista; na platéia, havia desde jovens adolescentes (que pediam autógrafos) até pesquisadores importantes do cenário acadêmico brasileiro – e que também não escondiam a admiração com a presença do ilustre visitante.

Smithies começou sua exposição com a imagem de uma folha cheia de anotações. Sem perder tempo, explicou: era a primeira página do primeiro caderno de registros organizado por ele ainda quando iniciava seus estudos na Universidade de Toronto, no Canadá, em 1953. “Eu sempre anotei tudo”, contou o Prêmio Nobel, “porque é nessas informações que estão respostas para muitos erros e acertos nos nossos experimentos”. Segundo o palestrante, muitos detalhes que poderiam passar despercebidos, mas que têm influência decisiva na busca por descobertas científicas, estão ali escondidos, entres letras e números das notas feitas por um pesquisador. À medida que ia apresentando outras tantas páginas de suas cadernetas pessoais, Smithies ia também revelando o seu olhar sobre como fazer ciência.

Por acaso ou planejado?
Ele acredita que há três maneiras de se concretizar uma descoberta científica: por acaso, por oportunidade e por planejamento. As primeiras acontecem quando o pesquisador, procurando uma resposta, encontra outra, que nem imaginava achar. Essas são as mais divertidas e podem, segundo o cientista, ser valiosas inclusive financeiramente. Ele conta que durante um estudo sobre proteínas, inventou uma pipeta (equipamento parecido com um canudo usado para levar um líquido de um recipiente para outro) eletrônica. Inventou e usou, mas não patenteou. Vinte anos mais tarde, um outro inventor criou uma pipeta similar, patenteou e hoje está milionário.

Depois dos risos da platéia, Smithies lembrou que outra de suas descobertas, que resultou no desenvolvimento de um método chamado eletroforese em gel, foi fruto do acaso. Ele estava estudando a separação de moléculas em meio viscoso e não conseguia bons resultados. Foi quando lembrou que a sua mãe fazia uma espécie de goma cozida, com amido, para deixar as golas e os punhos das camisas bem duros. Smithies fez então o mesmo com o gel que estava estudando e ao colocar as moléculas naquele composto percebeu que apenas algumas passavam. “E ao analisá-las descobri que só as pequenas tinham capacidade de atravessar o meio viscoso”, afirmou. Ou seja, sem imaginar o que encontraria, o pesquisador britânico encontrou uma maneira eficiente de separar moléculas. Hoje, a eletroforese é utilizada para separar proteínas e moléculas de DNA e de RNA.

A outra maneira pela qual se descobre algo é pela identificação de uma oportunidade. Uma dessas descobertas guiadas pelo planejamento aconteceu logo depois que Oliver Smithies tinha começado a dar aulas na Universidade de Winsconsin, também nos Estados Unidos, em 1960. O diretor da faculdade apresentou o agora Nobel de Medicina a uma equipe que vinha estudando a genética das moscas drosófilas (aquelas das frutas) havia 20 anos para que, de alguma maneira, Smithies e os coordenadores daquele grupo – Werner Arber, Daniel Nathans e Hamilton Smith – trocassem experiências. Combinando seus estudos, eles conseguiram entender como funcionava a expressão dos genes da mosca em relação ao formato de seus olhos. Se houvesse duas bandas de um determinado gene, o olho era normal. Se houvesse quatro bandas, o olho era meio defeituoso. E, se houvesse seis bandas, aí o olho era bem problemático mesmo. Naquele momento “tornou-se possível então inferir como seriam os olhos dos descendentes a partir da característica dos pais”, explicou. E, a partir da oportunidade de saber como seriam esses filhotes, foi possível para a equipe de Smithies descobrir razões genéticas para aqueles resultados.

A terceira estratégia para fazer uma descoberta, segundo o cientista que atualmente é professor da Universidade da Carolina do Norte, em Chapell Hill, é o planejamento. Segundo ele, sistematizar é usar um fator previsível para fazer modificações. E foi assim que aconteceu com os estudos realizados pela equipe de Smithies com hemácias defeituosas que causam uma doença chamada anemia falsiforme. Por conta dessa enfermidade, em vez de as células vermelhas serem circulares e achatadas (mais ou menos como a antiga bala soft), elas se parecem com uma lua minguante. O problema causa uma série de incômodos para seus portadores (como dores intensas em órgãos e membros do corpo), mas por outro lado os torna imunes à malária, outra doença grave que atinge parcela significativa da população africana – e em casos mais sérios, pode levar à morte. Portanto, a vantagem é que quem tem essa disfunção nas hemácias, não morre de malária; no entanto, quanto mais pais com anemia falsiforme, mais filhos com o mesmo problema, já que a transmissão é genética. A literatura médica já havia apontado que esse tipo de anemia é causado por uma pequena alteração em um único gene específico. Sabendo dessa informação, Smithies imaginou que se fosse possível alterar apenas esse gene diferente, colocando em seu lugar um pedaço de DNA não-defeituoso, seria possível reverter ou pelo menos amenizar a anemia falsiforme. Todo esse passo a passo já estava indicado em anotações de caderno feitas por Smithies e também exibidas durante a palestra.

Foi trabalhando dessa maneira que o cientista, ao lado do geneticista norte-americano Mario Capecchi e do inglês Martin J. Evans, conseguiu desenvolver o método apelidado de “nocaute de genes”, responsável pela conquista do Nobel de Medicina do ano passado. Segundo a organização do Prêmio, os três foram escolhidos por “terem feito descobertas fundamentais relacionadas às células-tronco embrionárias e à recombinação de RNA em mamíferos”. A técnica criada por eles permite por exemplo desativar ou modificar genes específicos em camundongos – e os animais que adquirem essas novas características genéticas ajudam sensivelmente no desenvolvimento de estudos sobre diversas doenças – inclusive humanas –, como as cardiovasculares, diabetes ou mesmo o câncer. Apaixonado confesso pelas pesquisas e pela genética, Smithies garante que “se o pesquisador encontrar a ciência certa, terá uma vida inteira de trabalho. Mas se faz algo que não dá prazer, é hora de mudar”.

”Crianças fazem ciência naturalmente”
E como, na opinião do Prêmio Nobel, a educação pode ajudar a estimular o gosto pela ciência, fazendo despertar nas crianças e nos jovens o interesse pelas pesquisas e a convicção de que se trata de uma atividade capaz de encantar, dar alegrias e trazer benefícios sociais? Smithies respondeu sorrindo: se não forem muito atrapalhadas pelos adultos, as crianças fazem ciência naturalmente. “Crianças e bebês são naturalmente pesquisadoras. Veja como elas gastam um tempão, ainda bebês, mexendo, por exemplo, nos pés até descobrir algo como: ah! Isso aqui é o meu dedão”. E acrescenta que essa busca faz parte de nossa constituição ancestral. Essa curiosidade está presente em todas as crianças, que devem ser estimuladas por seus pais, professores e cuidadores a manter essa postura de prazer em conhecer o mundo, explorar o universo que as cerca. A escola e a casa, portanto, devem ser locais que estimulem as buscas.

No encerramento da palestra dele, uma imagem na tela revela mais uma página do agora já famoso e conhecido caderno de anotações de Smithies com uma pergunta: o que há na próxima página? Surge uma folha em branco. O ganhador do Nobel de Medicina confessa: “eu não sei o que vem a seguir. E isso é que é o mais encantador na ciência”.

ver todas as anteriores
| 03.02.12
De onde viemos

| 11.11.11
As violências na escola

| 18.10.11
Mini-Web

| 30.09.11
Outras Brasílias

 

Atualize seus dados no SinproSP
Logo Twitter Logo SoundCloud Logo YouTube Logo Facebook
Plano de saúde para professores
Cadastre-se e fique por dentro de tudo o que acontece no SINPRO-SP.
 
Sindicato dos Professores de São Paulo
Rua Borges Lagoa, 208, Vila Clementino, São Paulo, SP – CEP 04038-000
Tel.: (11) 5080-5988 - Fax: (11) 5080-5985
Websindical - Sistema de recolhimentos