Tradicionalmente, e de maneira bem simples, a Geografia pode ser definida como a ciência que estuda um território, entendendo que este é constituído por uma base física, ligada à natureza mesmo, e por uma organização social, fundada e mantida pelos homens que ali vivem. No entanto, o que pouco se reforça ou destaca nessa conceituação é que essa área do conhecimento, justamente por lidar com aspectos físicos, políticos, sociais, econômicos e até mesmo culturais, tem uma capacidade imensa de ajudar o estudante a superar visões fragmentadas e a compreender a realidade de uma forma complexa e bem mais ampla e articulada.
Luis Antônio Bittar Venturi, professor do departamento de geografia da Universidade de São Paulo desde 2001, vem desde aquela época trabalhando para chamar a atenção da comunidade científica, dos estudantes e dos professores do ensino fundamental e médio para a relevância da geografia como uma ciência que se constrói dentro da universidade e se difunde como uma disciplina escolar. Já lançou dois livros – entre eles o bem conhecido Praticando Geografia (Ed. Oficina de Textos); mais recentemente, chegou às livrarias a terceira obra dele, Ensaios Geográficos (Ed. Humanitas). Os livros, segundo o próprio autor, procuram sempre trabalhar conceitos-chave para a disciplina, como espaço, lugar e paisagem, além de discutir o ensino e as aplicações da geografia.
Em um mundo em que antigas fronteiras se dissolvem frente a guerras que beiram o incompreensível; em que o plantio de uma cultura agrícola num país influencia a economia de outro; onde novos países são declarados independentes; e em que o ser humano está sendo obrigado a aprender a se relacionar com a natureza sem destruí-la, pode ser enriquecedor lançar um olhar geográfico mais atento e profundo sobre essa realidade. “Isso significa tentar compreender a interação entre a sociedade e o ambiente e tirar dessa relação as respostas para muitas das questões e problemas que nos angustiam contemporaneamente”, ensina Venturi.
O professor faz questão de reforçar o uso de duas expressões que para ele definem os dois agentes básicos da geografia: sociedade e ambiente, e não mais homem e natureza, como se ensinava na escola até muito recentemente. Ele explica que já não cabe mais isolar ou simplificar assim as definições; a geografia, para ele, é uma ciência complexa, que pede uma visão não-reducionista e talvez esteja aí um dos grandes tesouros dessa área do conhecimento. Estudar o ambiente e não apenas a natureza faz o aluno dar um salto conceitual e prático. Natureza remete a campo, árvores, florestas, enquanto em ambiente cabem, além desses elementos, tantos outros, como cidades pequenas e metrópoles. O mesmo se aplica à relação homem ou sociedade. Homem diz respeito ao sujeito, visto de forma isolada; sociedade é um agrupamento, com regras, culturas, valores, tradições, hábitos, atividades e uma dinâmica própria. “Em geral, as escolas ou pendem para a geografia física e ficam lá ensinando os afluentes dos rios, ou trabalham a geografia humana e só falam de populações”, critica o educador. Nos dois casos, segundo ele, não se está fazendo geografia, ou se está construindo uma geografia manca. “A pesquisa geográfica é feita analisando-se ambos os aspectos, os naturais, ou físicos, e os humanos. Mas mais do que isso, relacionando e integrando os dois”, completa.
Para ele, esse desequilíbrio na balança (ora tendendo apenas para o físico, ora para o humano) faz com que a compreensão dos alunos sobre o que é geografia fique um tanto distante da realidade e, pior, faz com que a área, além de não ajudar a construir os conhecimentos que potencialmente teria condições de sistematizar, ainda passe a ser vista como chata e dispensável, pois não faz sentido para os estudantes. Os livros didáticos por exemplo, embora já tenham melhorado muito, de acordo com Venturi, ainda trazem alguns problemas que merecem ser resolvidos. “Há uma enorme dificuldade de se passar o que se discute e produz na universidade para as escolas”, levanta o professor. E essa é uma das razões para os didáticos ainda continuarem apresentando os temas da geografia como conteúdos estanques. “Os conceitos aparecem lá no início do livro e só. O ideal seria, e aos poucos a gente já vê isso acontecendo, que não houvesse fragmentação, mas sim uma visão integrada”, comenta. Ele ilustra o raciocínio e diz que um bom exemplo desse olhar integrado seria o estudo da energia: “ela tem que ser analisada não como um capítulo à parte, mas sim como um tema analisado a partir da política, da economia, do meio ambiente”. Ou seja, a perspectiva transversal vai ajudando os estudantes a costurar os conceitos e a construir uma visão não dividida, “mais madura e menos fragmentada”, nas palavras do professor.
A conseqüência dessa experiência geográfica bem realizada é que o aluno ganha as ferramentas para entender melhor a própria realidade. “A integração de fatores muito diferentes promove a compreensão ampliada do cenário contemporâneo e isso faz lançar um olhar sobre si mesmo, faz aflorar uma consciência sobre a própria situação, e a isso nós chamamos de cidadania”, entusiasma-se. O autor de Ensaios Geográficos atribui a dificuldade dos professores – principalmente os do ensino fundamental e médio – de orientar seus alunos nesse caminho para a visão integrada à falta dos cursos de extensão universitária. Do tripé que caracteriza a Universidade – ensino, pesquisa e extensão – o pé que tem menos expressão é justamente a extensão, de acordo com Venturi. Afinal, é nesses cursos que é possível se atualizar, rever discussões e trocar experiências para fazer o ensino da geografia ter uma qualidade cada vez maior.
Para Venturi, o ensino de geografia a partir de uma visão integrada depende essencialmente do professor. Cabe a ele, por exemplo, em vez de indicar as definições e fazer os alunos decorarem isso no início do ano, organizar e construir essas referências ao longo das discussões sobre os diferentes conteúdos. É na fala diária do educador que se passa melhor essa articulação de conceitos. "Para avaliar se o aluno aprendeu de fato, o professor pode pedir para ele relacionar os conceitos nas provas e trabalhos, principalmente combinando os aspectos sociais e humanos da geografia, para que o raciocínio não penda para nenhum dos dois lados e para que os alunos experimentem, na prática, a chamada análise geográfica", sugere o professor da USP.