Novo endereço na internet promete ser ponto de encontro para discussões sobre ensino e aprendizagem da disciplina
Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Os professores de Física acabam de ganhar um aliado ao mesmo tempo poderoso e divertido. É o portal interativo Píon, idealizado e viabilizado pela Sociedade Brasileira de Física (SBF). Mais do que um site com conteúdos didáticos e com notícias sobre o mundo das ciências, o www.pion.sbfisica.org.br propõe-se a ser um ponto de encontro para estudantes, pesquisadores e profissionais da área, além de professores de ensino médio, de graduação e pós-graduação. No site, “esse público vai ter acesso a planos de aula, a conteúdos renovados, às últimas notícias que de alguma maneira envolvam a Física e principalmente a um espaço para relatar suas experiências, seus experimentos e os trabalhos de alunos”, conta o físico Nelson Studart, professor e coordenador do mestrado profissional da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e também responsável pelo novo portal.
De acordo com o especialista, que é ainda editor da Revista brasileira de ensino da Física e do periódico Física na escola (ambos da SBF), a iniciativa de lançar um site com essas características e serviços se deve à carência de atenção aos professores da área, tanto no ensino médio como no terceiro grau. Ele lembra que há iniciativas importantes como as Olimpíadas de Física e o Simpósio Nacional do segmento, realizado a cada dois anos; é verdade também que existem sites confiáveis de divulgação científica que apresentam conteúdos da disciplina. Mas a avaliação é que faltava um espaço colaborativo, que contemplasse os recursos da interatividade tão em voga hoje. “E não se trata de marketing, as pesquisas na área de Educação mostram que é preciso trabalhar cada vez mais de forma participativa, para que o conhecimento avance”, defende o professor da UFSCar.
O sonho dos editores do Píon é superar rapidamente a primeira fase de consolidação do portal, voltada à divulgação, popularização e ao conhecimento sobre a iniciativa, para alcançar um segundo estágio, em que a colaboração dos usuários torne-se efetivamente mais freqüente, para assim começar a ver relatos, perguntas e respostas e outras entradas; por fim, pretende-se atingir o que se conhece como fase wiki. A palavra pode ser estranha aos usuários mais recentes da internet, mas traduz um conceito que está fazendo sucesso e mudando a estrutura do saber no mundo virtual. Em outras palavras, os sites wiki permitem a participação de diversos usuários na adição e na edição de informações, ou seja, na própria construção do conhecimento.
Todo esse esforço será válido se de fato as aulas de Física puderem ocupar o lugar de direito e de destaque que merecem na vida dos estudantes. Há tempos, a disciplina é encarada como um dos terrores do ensino médio. Incompreensível para uma parcela dos adolescentes, torna-se pouco atraente para outra – e acaba encantando a poucos. Os professores bem que tentam, mas a concorrência é difícil. A educação para as ciências – ou o estímulo à curiosidade, a aventura do conhecimento – vem perdendo espaço nas escolas. A Física se liga à natureza e à vida moderna, às tecnologias e, portanto, não compreendê-la significa perder parte importante do entendimento de como o nosso mundo funciona. E não entender algo é – referência bem conhecida da maioria dos educadores – o primeiro passo para perder o interesse pelo assunto. Some-se a essa realidade a posição pouco reconhecida que o docente dessa disciplina tem na sociedade.
Papel fundamental do professor
Studart admite que todos os anos a concorrência para cursar a faculdade de Física nas universidades brasileiras é até alta. Mas, embora os formados na área não sejam raros, poucos viram professores e uma quantidade menor ainda vai para o ensino médio. Por isso a Sociedade Brasileira de Física está tão atenta a esse público. Por essa razão é que também vem se esforçando para fazer o docente se sentir valorizado, participante, atuante, um físico como qualquer outro. “O objetivo é fazer com que a participação no site e em outras atividades leve o professor a entender seu papel fundamental de incentivador das ciências”, argumenta Studart. O clichê continua valendo – sem um professor bem formado, não há aluno bem formado. E sem essa boa formação a ciência não avança. O coordenador do portal Píon lembra de outras iniciativas que apontam para o mesmo caminho. “Aqui na UFSCar a gente tem oferecido programas de ensino de ciências para os estudantes de pedagogia. A idéia é estimular o profissional que no futuro vai ensinar crianças menores a alimentar a curiosidade dos alunos”. Para ele, se essa chama não se apagar nos anos de ensino fundamental, no ensino médio ela pode crescer ainda mais. Esse é o combustível da ciência. Na prática, o desafio é grande, o físico sabe. Mas ele dá algumas dicas para tentar tornar as aulas de Física mais recompensadoras.
O primeiro passo, segundo Studart, é não ensinar a Física que resolve as indagações, mas lecionar aquela que faz questionar mais. Ou seja, o professor não deve servir para ensinar ao aluno quantas vezes por minuto um CD gira. Isso um site de buscas como o Google responde em três segundos, ou menos. “O bom professor de Física é aquele que estimula o aluno a entender como funciona um aparelho tocador de CD. O Google pode até ajudar, mas se o menino não conhecer os princípio básicos da interferência e do laser, ele jamais vai entender”. E, ainda de acordo com Studart, ao entender como funciona, em termos físicos, um aparelho de uso tão cotidiano, talvez o estudante comece a despertar para o lugar da Física na sua vida. E essa relação não é pequena, reforça o professor da UFSCar.
O segundo passo é justamente aproximar a física da realidade. Além dos equipamentos eletrônicos, há assuntos do dia a dia que trazem embutidos conceitos da disciplina. E aí entram as notícias veiculadas pelos meios de comunicação. Diariamente aparecem reportagens sobre novos planetas, matrizes energéticas, novas tecnologias, as discussões sobre o surgimento do Universo, os telescópios e microscópios cada vez mais potentes, os computadores de última geração. Tudo isso pode virar material para debate em sala de aula. O mesmo papel pode ser cumprido pelas falsas notícias. O coordenador do mestrado profissional da UFSCar comenta que no portal Píon há informações sobre um vídeo que está no Youtube mostrando dois celulares em comunicação. Segundo esse material disponibilizado, a energia trocada entre os dois aparelhos seria tão intensa que seria capaz de transformar milho em pipoca. Studart ri e diz que se trata de uma informação falsa, mas que se não for bem explicada, vira um mito. Em tempo: o vídeo era um anúncio divulgado por meio de marketing viral (por e-mail, de um internauta para o outro) e ilustra como esses exemplos da falsa ciência também têm muito valor pedagógico, porque podem ajudar nas aulas.
Outra maneira de trazer a Física mais para perto dos estudantes é aproximá-la da Filosofia e de outras áreas das humanidades. Pode parecer impossível, mas algumas escolas vêm fazendo isso, e com bons resultados. Vale lembrar por exemplo que as duas disciplinas citadas são muito afeitas a questionamentos, à tentativa de compreender o mundo em profundidade, de forma que não se chegue a uma única resposta definitiva, mas que algumas dúvidas se aplaquem e muitas outras surjam. Adolescentes têm certo fascínio por essas indagações a respeito da vida, do funcionamento do mundo, e nesse ponto as duas áreas do conhecimento podem sim andar juntas. Contudo, Studart faz uma advertência e diz que é preciso tomar cuidado para que a Física não deixe de ser uma ciência, com conceitos claros e diversos dos princípios fundadores de outras ciências. “A relação da Física com outras áreas pode ajudar, mas pode também fazer os conceitos da ciência física desaparecerem. Essa última dinâmica não é boa nem ajuda em nada. O professor tem que tomar cuidado para não descaracterizar os conteúdos da Física”, alerta.
Por fim, o professor da UFSCar aponta a necessidade urgente de mostrar aos alunos que a Física pode ser um dos grandes motores para um mundo melhor. Ao conhecer o funcionamento de um forno de microondas, saber o que faz uma geladeira ser mais econômica, defender a energia nuclear, ou a solar, ou a hidrelétrica, entendendo quem polui mais ou menos e por que, o aluno vai poder se posicionar, atuar, ter opinião e ação sobre a vida. Studart garante que os conteúdos da Física se prestam também a esse papel. Para o coordenador do portal Píon, só conhecendo esses conceitos é que o aluno aprenderá que a melhor tradução para Física é aquela que a define como uma ciência básica que leva à cidadania.