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Acelerador de partículas do CERN pode empurrar para mais longe fronteira do conhecimento humano

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

O Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) da Organização Européia para Pesquisa Nuclear (CERN) é um equipamento superlativo, em todos os sentidos. É o maior acelerador de partículas do mundo, foi construído em um túnel circular subterrâneo de 27 quilômetros, a 100 metros de profundidade, na fronteira da França com a Suíça. Custou cerca de 10 bilhões de dólares, levou 15 anos para ser finalizado, em um projeto que envolveu mais de 10 mil pesquisadores de 181 institutos de pesquisa de 80 países diferentes. Contudo, ainda maiores são as expectativas depositadas nessa máquina, capaz de fazer partículas minúsculas colidirem e que, a partir desses choques, poderá sistematizar informações importantes para a Física. Justamente por poder lançar um feixe de elétrons à energia mais alta já produzida pelo homem – é possível atingir os 362 megajoules, o que daria para derreter uma tonelada de cobre –, o LHC representa uma chance fantástica que os cientistas têm de poder obter informações mais precisas sobre fenômenos como a origem do universo, o famoso Big Bang, e a matéria escura que forma, por exemplo, os enigmáticos buracos negros.

“Fica fácil entender o que é e como funciona o LHC se pensamos nele como um grande microscópio”, explica o professor de Física Matemática da Universidade de São Paulo, Gustavo Burdman. “O LHC é uma acelerador de partículas, que lança dois feixes de prótons, que colidem em quatro pontos do anel circular. Essas colisões são captadas por detectores supersensíveis, e os dados ali colhidos é que podem trazer explicações sobre os fenômenos investigados”. Existem em funcionamento no mundo outros aceleradores de partículas que captam os resultados dos choques de prótons. Mas nenhum deles alcança a energia máxima do LHC: para se ter uma idéia, o feixe produzido pelo equipamento idealizado pelo CERN pode atingir 99% da velocidade da luz. E, segundo Burdman, quanto maior a energia em ação, menor é a distância que o homem pode enxergar; por esse motivo, ter um super microscópio pode ajudar bastante.

Até hoje, o que se imagina que aconteça nessas situações que envolvem altas energias é algo ainda sustentado por teorias, não totalmente comprovadas (ou desmentidas) experimentalmente, como exige o pensamento científico. Por isso os físicos andam tão entusiasmados com o início do funcionamento do acelerador do CERN. “Do choque [dos prótons] saem partículas já conhecidas, além de outras novas, que interessam sobremaneira para os cientistas”, explica o físico Alberto Santoro, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do grupo da UERJ no Compact Muon Solenoid do LHC/CERN.

Em tempo: o que aconteceu na última quarta feira, 10 de setembro, foi apenas o primeiro teste de funcionamento do equipamento, mas os cientistas já comemoraram. "Fizeram um feixe da espessura de um fio de cabelo viajar à velocidade da luz perfeitamente alinhado. Não há nada mais complexo que isso", contou para o jornal Folha de S.Paulo o físico brasileiro Sérgio Novaes, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (UNESP), que estava na platéia, junto com outros 69 pesquisadores do país. Esse foi o primeiro passo de uma longa caminhada que deve durar mais uns dois anos, dando conta de uma etapa fundamental, que Gustavo Burdman chama de “afinação e calibração do equipamento”. Por isso, a previsão é que dados concretos só comecem a ser gerados pelo LHC em meados de 2010. Até lá, aquelas informações desconhecidas que ajudarão a entender melhor o funcionamento da natureza seguirão sendo estudadas pela física teórica.

Os especialistas lembram que há várias teorias a respeito do comportamento das partículas. A mais conhecida e aceita é chamada de Modelo Padrão. Acontece que esse modelo não dá conta de uma série de fenômenos relativos àquelas partículas desconhecidas apontadas por Santoro. Burdman explica que há ainda teorias alternativas que foram desenvolvidas, mas que elas só serão, ou não, provadas dependendo do que sair dos supercomputadores (20 mil) aptos a processar as informações colhidas pelos detectores. Entre esses dados, a maior parte é o que se chama de ruído, algo que atrapalha a compreensão e não significa nada de novo. “Para obtermos informações novas, vamos ter que filtrar um evento em 1 bilhão, isso é estatístico, por isso o trabalho no LHC será demorado”, alerta o professor do Instituto de Física da USP. Mas afinal, o que é mesmo que os cientistas estão buscando quando fazem dois prótons se chocarem um contra o outro? O que essas partículas já conhecidas e as potenciais novas partículas podem oferecer?

Resultados importantes para os rumos da física teórica
“As descobertas principais que são esperadas são a partícula HIGGS, também chamada de bóson de Higgs, que seria a partícula que daria massa para todas as outras partículas elementares”, conta Alberto Santoro. Ele explica por que ela é tão procurada: “Se ela não aparecer, então teremos que arranjar um outro mecanismo para a origem das massas”. Outra grande possibilidade de descoberta são as partículas superssimétricas (uma daquelas alternativas ao Modelo Padrão), que, segundo o professor da UERJ, seriam mais importantes que os quarks – um dos dois elementos que constituem a matéria (o outro seria o lépton). Ainda sobre as pistas que poderiam surgir nos experimentos do LHC, Burdman destaca questões ligadas ao Big Bang e aos buracos negros. O choque entre as partículas, com o grau de energia já descrito, não é uma simulação de Big Bang, mas uma reprodução de um estágio bem primitivo dessa grande explosão que teria dado origem a tudo que existe no universo. Poderíamos dizer que o que se pretende simular são os primeiros instantes de vida do universo, algo bem inicial, já que a energia alcançada no evento original seria impossível de ser reproduzida em laboratório. Portanto, “podemos começar a entender o que aconteceu mais cedo na explosão”, confirma o pesquisador.

E reproduzir um fenômeno como esse não traz algum risco para o planeta ou para a humanidade? O professor da USP garante que não e ri ao lembrar que muito tem se falado sobre a criação de buracos negros no Acelerador e que isso poderia até engolir a Terra. Evidentemente isso não passa de fantasia. Primeiro porque raios milhares de vezes mais energéticos que os feixes criados no LHC caem freqüentemente sobre o globo, são os chamados raios cósmicos. “Eles caem o tempo todo sobre nossas cabeças e não formam buracos negros, caso contrário não estaríamos aqui para contar. Se fossem poderosos assim, já teriam engolido a lua, ou outros astros, e nós teríamos percebido”, pontua Burdman. Contudo, é possível sim que no interior do acelerador, no meio de alguma colisão, surja um minúsculo buraco negro, “que decairia para partículas menos energéticas imediatamente”, de acordo com o professor da USP. Mas se os detectores forem capazes de registrar esse evento, com certeza os cientistas poderão conhecer um pouco melhor a matéria escura que compõe os buracos negros, entidades cósmicas ainda muito pouco compreendidas. Quaisquer que sejam os dados ali coletados, a comunidade científica acredita firmemente que haverá resultados importantes para os rumos da física teórica e para a compreensão do mundo em que vivemos.

Expectativas à parte, o renomado cientista britânico Stephen Hawkings, especialista em buracos negros, deu uma declaração aos jornais dizendo que havia apostado 100 dólares como não se registraria no LHC a presença do bóson de Higgs. Outros pesquisadores também disseram que nem imaginam o que pode sair do túnel de 27 km do colisor. Mas longe de ser um desalento, essa incógnita sobre o que se conseguirá encontrar tem animado os físicos. O coordenador do grupo da UERJ no Cern, Alberto Santoro, afirma que não será frustrante se, no decorrer das experiências, os pesquisadores perceberem que tudo que havia sido proposto antes não condiz com a realidade. “Será bastante excitante, pois significa que precisaremos repensar tudo”, defende. Burdman, professor do Instituto de Física da USP, concorda: “Será ótimo, porque teremos mais trabalho e seria muito divertido, porque precisaríamos gerar muito mais conhecimentos sobre tudo isso. E seria sinal de que os físicos do futuro teriam um bom chão pela frente”. Ele explica que hoje, a bola está com os físicos experimentais, mas que logo, logo, no futuro, a bola voltará para os físicos teóricos, independentemente das surpresas vindas do LHC. Os físicos são unânimes em afirmar que o conhecimento, nessa área da ciência, normalmente caminha assim mesmo. Algumas teorias se comprovam, outras caem por terra, mas que de um modo geral “supera-se um conhecimento sem anular o outro. A relatividade restrita não acabou com a mecânica clássica. São áreas diferentes de atuação e até mesmo a partir de uma pode-se obter a outra”, explica Santoro.

Do discurso dos dois, que está bem afinado com o da comunidade científica mundial, há um fator muito relevante em relação aos trabalhos que serão feitos com o Grande Colisor de Hádrons. “Sempre me perguntam o que essa física toda vai trazer. Vai trazer cura para doenças? Vai propor uma forma de barrar o aquecimento global? Vai inventar um novo combustível? E a resposta para tudo isso é não e, apesar de tudo isso, esse é um dos projetos científicos mais ambiciosos que já se teve notícia”, coloca Burdman, abrindo espaço para a discussão que talvez mais interesse a sociedade como um todo. O grande objetivo dos 10 mil pesquisadores envolvidos com o LHC não é apenas descobrir a origem do mundo ou de que são formados os buracos negros. “A meta é expandir, empurrar para mais longe a fronteira do conhecimento humano”, resume o professor do Instituto de Física da USP. Ele acredita que passos como esse sempre trazem conseqüências secundárias, aplicações práticas, mas que o alvo é ampliar o conhecimento sobre o funcionamento da natureza no que diz respeito ao comportamento das partículas. É, portanto, conhecer mais e mais a física do universo.

E, embora a imprensa brasileira e a mundial dêem grande destaque ao Big Bang e aos buracos negros, Burdman acha preciosa a participação dos jornalistas. “É a melhor maneira de levar à população aquilo que a ciência produz”, sugere. E o fato de a imprensa ter feito uma cobertura colossal parece dar provas de que a sociedade vem entendendo mais o papel da ciência também como buscadora e geradora de conhecimento, e não apenas como um instrumento para gerar tecnologias e ferramentas. No LHC tudo que foi pensado até hoje poderá ser comprovado ou refutado, e esse é o elogio da ciência: a busca por responder perguntas gerando, naturalmente, novos questionamentos. E o Brasil está incluso nessa maneira de encarar a ciência, por isso está envolvido com o Grande Colisor desde 1990 – seja com uma atuação mais direta, seja defendendo a importância do equipamento e de toda a sua superlativa estrutura. “A participação brasileira se dá por intermédio de fabricação de pequenas peças dos grandes detectores, com o desenvolvimento de softwares e com inteligência que se dedica à análise de dados”, explica o professor Santoro.

Gustavo Burdman destaca ainda uma última importância do LHC. Segundo o professor da USP, a quantidade de informações que se gerou nos últimos dias sobre o colisor pode ser a desculpa perfeita para os educadores da área de física, principalmente os do ensino médio, levarem o que há de mais recente na ciência para a sala de aula. “Se as escolas ensinam uma física limitada, que não acompanha o grande desenvolvimento que a ciência passou nos últimos 10 ou 15 anos, a maior culpa é dos cientistas”, propõe. Um trabalho coletivo de criação de materiais acessíveis e de qualidade seria um caminho para a academia começar a saldar essa dívida com o ensino médio, segundo Burdman. E dá a dica final: “os jornais e os outros meios de comunicação trazem todas as informações e notícias sobre o LHC, mas trazem pouca física e é aí que entram os docentes da área”. Então que venham os dados da maior máquina que a ciência jamais produziu!

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