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Como fazer bom uso dos documentários

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Embora nem sempre números representem a melhor maneira de explicar uma situação, neste caso eles têm muito a dizer: no ano de 1996, apenas um documentário brasileiro foi lançado comercialmente nos cinemas do país. Era Todos os corações do mundo, de Murillo Sales. Onze anos depois, em 2007, o número chegava a 28. Não bastasse esse crescimento vertiginoso das produções documentais do Brasil, o gênero vem ampliando também o número de fãs, de espectadores fiéis e de mostras e festivais específicos, como o caso de É tudo verdade, organizado pelo crítico Amir Labaki, e que este ano viveu sua 13ª edição. Por isso não é exagero dizer que o documentário já começa a fazer parte da cultura nacional, com um espaço garantido. Para ajudar o público a conhecer com mais detalhes o gênero, a entender seus movimentos e sutilezas, o professor do Departamento de Cinema da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernão Pessoa Ramos, escreveu e lançou há poucas semanas Mas, afinal... o que é mesmo documentário?, pela editora Senac.

A obra pode ser considerada referência para os estudiosos e os amantes de cinema, além de admiradores em geral que querem conhecer um pouco mais a fundo os elementos, características e desafios de um documentário. Ramos é um dos grandes especialistas no assunto. Nesse livro mais recente – ele também é autor de Teoria Contemporânea do Cinema; Documentário e Narratividade Ficcional ; Enciclopédia do Cinema Brasileiro ; História do Cinema Brasileiro e Cinema Marginal: a representação em seu limite –, o pesquisador consegue, além de contar a história do documentário no país, discutir de maneira aprofundada, porém de fácil compreensão, a teoria sobre o gênero. Em outras palavras, estão ali textos sobre linguagem, ética, aproximações e afastamentos do documentário com outras narrativas, como as reportagens, e a influência da tecnologia no processo de produção.

E para que serve saber tanto sobre documentário? Já faz um bom tempo também que professores de ensino fundamental, médio e da graduação não raro recorrem às exibições de documentários para seus alunos com objetivo pedagógico de aprofundar as reflexões sobre um episódio ou um personagem, sobre temas variados discutidos em sala de aula. Esses filmes são, por natureza, obras que tratam das questões da vida e do mundo, segundo Ramos. Por isso combinam tanto com educação escolar. Mas para que o documentário não seja um mero coadjuvante, apenas uma ilustração ingênua do tema que está sendo desenvolvido, o professor da Unicamp sugere: “Há documentários sobre todos os assuntos e para variadas finalidades, mas é preciso saber ler o filme”. Ou seja, para que os filmes tenham verdadeira serventia, o professor deve ter um bom repertório e fazer uma boa análise. A boa notícia é que para criar essa bagagem cultural, a grande saída é assistir a muitos documentários e ler um também um tanto sobre o tema. É aí que o livro de Ramos se encaixa.

O que é um documentário?
Nas suas 450 páginas, a obra explica, primeiro, o que é documentário, para que ninguém mais confunda esse gênero com docudramas, etnoficções, ficções históricas e outros nomes difíceis que, embora bebam na mesma fonte, não são documentários propriamente ditos. Para ser classificado de tal maneira, segundo o autor, o filme deve nascer de uma motivação artística e não noticiosa de seu realizador. Para ele, o jornalista busca a notícia, a verdade, de forma mais ampla e plural, com suas diferentes nuances, vertentes e vozes. O documentarista busca a expressão da realidade através de uma história real, vivida por personagens reais. Não é portanto nenhum crime ou deslize ético que o realizador do documentário escolha um único olhar, uma única versão para relatar um acontecimento. Ele está ali, afinal, para defender uma verdade. Já o repórter não pode brincar assim, e deve sempre ouvir as mais diferentes partes envolvidas no mesmo acontecimento, buscando a chamada apuração objetiva dos fatos. Afinal, ele faz notícia, enquanto seu colega documentarista busca fazer arte. “Nas artes e nas humanidades não dá para fazer diferenciações como dá para fazer na biologia ou nas exatas. Não dá para diferenciar documentário de reportagem como se faz entre um réptil e um mamífero”, admite o professor da Unicamp. Mas, segundo ele, dá sim para sentir a diferença nas duas formas de expressão, a começar pela finalidade de cada uma. Reportagem de telejornal é um programa feito para a TV, apresentado por âncoras e que contam com a figura do repórter, uma espécie de mediador entre a notícia e seu público. Um documentário não conta com nada disso. Ele é livre, não tem regras e não é feito para ser um programa de televisão.

Aliás, o documentário nasce antes da invenção da televisão. “Não dá para falar em um documentário, dá para falar no documentário dos anos 1930, dos anos 1960 e de hoje, por exemplo”, comenta o autor, semeando a idéia de que esse é um gênero com fortes marcas temporais. Contudo deve haver algo que una as narrativas documentais de todos os tempos. Fernão Ramos entende que sim, que o fato de ser uma narrativa organizada e pensada para ser documentário já une os filmes documentais de 80, 50 e 10 anos atrás. Mas há mais que isso: “o que muda de uma fase para outra é a forma pela qual se conta a história. E o que não muda nunca é que o documentário é a arte narrativa em áudio, ou audiovisual, que se propõe a encarar as questões do mundo”. E sob essa perspectiva é que o professor deve começar a considerar os documentários como escudeiros dos conteúdos a serem ensinados.

Até a década de 1990, segundo Ramos, se entendia que documentário era aquele filme chato, arrastado, pesado e de linguagem bem tradicional (com narrador, imagens de arquivo, musiquinhas de época, ou que não diziam nada) de instrução, de como fazer algo, ou “tudo que preciso saber sobre algo e que o professor passava quando não queria dar aula”. De lá para cá essa situação mudou muito, garante o autor de Mas, afinal... o que é documentário?. Ele lembra que os filmes documentais mais recentes começaram a ousar na forma, no conteúdo e nas maneiras de encontrar seus públicos. O documentário também passou a ser o grande inspirador de obras de ficção que, ao se apoiar na realidade, ganham a confiança e a entrega do público. É por isso que a linguagem do documentário – tão característica – começa a ficar mais popular e a ser mais aceita.

Apesar desse avanço em direção à população comum – aqui cabe lembrar os depoimentos dados por habitantes comuns do Rio de Janeiro bem ao estilo documental que entravam no final de cada capítulo da novela Páginas da Vida, de Manoel Carlos, exibida pela rede Globo em 2005 –, documentários ainda não são programas de auditório. Embora sejam bem badalados nos festivais do gênero, não são filmes que costumam alcançar uma grande bilheteria. “Historicamente eles falam a um público segmentado, bem qualificado, mas não chegam a formar fila na bilheteria, embora a popularização venha acontecendo”, conta Fernão Ramos. O professor da Unicamp se refere, por exemplo, à multiplicação de canais (vá lá, de TV a Cabo) que passam essas obras. “Se antes só tínhamos a TV Cultura, hoje temos o Futura, Canal Brasil, todos os canais do Discovery, National Geografic, History Channel e por aí vai”, explica. E junto com isso, numa fusão de linguagens e estilos, despontam programas de TV, como Globo Reporter (TV Globo), Realidade (SBT), Profissão Repórter (TV Globo) e outros que bebem na fonte do documentário, aumentando a popularização do gênero.

Por fim, Fernão Pessoa Ramos defende que essa ampliação do público traz vantagens para o cinema e para a sociedade como um todo. “Não só pela garantia de que o gênero vai continuar sendo feito e haverá público para ele, mas também porque documentário é o cinema que trata das questões da vida, da atualidade, neles é que há esse espaço para discutir e aprofundar”. E isso pode ser absolutamente valoroso na escola. “Pode ser um elemento de grande riqueza, porque fugindo dos livros, dá para ler cada personagem, cada entrevista, cada imagem de arquivo de uma maneira nova, com mais emoção talvez”, sugere. E aqui, pedimos desculpas se contaremos o final do filme – ou melhor, do livro –, abre-se o grande segredo dessa história: documentários contam histórias reais, com tensão dramática, um nome complicado para explicar uma das razões pelas quais o público fica vidrado numa história que está sendo narrada. Que subam os créditos.

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