Professor, há outros feitos científicos importantes comemorados em 2009, como os 150 anos da Teoria da Evolução das Espécies. Por que se decidiu fazer deste o Ano Internacional da Astronomia?
O Ano representa a comemoração de todo o conhecimento produzido pelas observações do céu feitas há quatrocentos anos, a partir da invenção do telescópio. Esse instrumento é um marco porque causou um grande impacto. A partir dele, novas e importantes descobertas foram feitas, não só em relação aos astros, mas em relação a avanços tecnológicos mesmo, na área da física, da mecânica, da fotografia e muito mais. Há 400 anos, muitos cientistas pesquisavam as estrelas, faziam suas observações. Mas é impossível não destacar os trabalhos de Galileu Galilei. O italiano revolucionou a astronomia, criou o método científico e fundou uma nova era no pensamento científico. Em geral, nenhuma grande descoberta da ciência é feita por um cientista isolado, vários estão ali debruçados sobre o mesmo assunto, chegando a novas conclusões. Mas, de repente, algum deles dá um passo tão grande que vira um símbolo, um ícone. É o caso de Galileu. Por isso é que também estamos comemorando os feitos dele.
E por que a ONU mais especificamente está preocupada com esse tema?
Para a ONU, o grande mote é uma única Terra e um só céu. Ou seja, no céu não há países, o céu não tem dono. O céu é um patrimônio da humanidade, é um elemento que unifica todas as nações do mundo e é um pensamento comum a todas as 140 nações que participam do Ano Internacional. A ideia de termos todos um grande bem comum, que vem sendo explorado conjuntamente, abre uma perspectiva única de colaboração internacional entre os países. Ou seja, a colaboração entre os diferentes e diversos é possível e traz avanços para a ciência, para a tecnologia e para a humanidade. A ONU entende que o pensamento científico promove melhorias e por isso resolveu investir na divulgação dos conhecimentos, nas trocas entre as nações por uma causa maior. Muitos países do planeta ainda carecem de mentalidade científica, de pensamento científico, de maior aproximação com essa forma de entender o mundo. A ONU acha, então, que a astronomia pode ser um bom convite para esse novo olhar, para esse novo entendimento, porque tem um apelo quase irresistível, porque acompanha toda a história da humanidade e porque levou a descobertas incríveis, como a navegação, a agricultura e tantos outros.
E a comunidade científica espera o que do Ano Internacional da Astronomia?
Temos uma enorme defasagem entre o que a ciência produziu e o conhecimento das pessoas. Para você ter ideia, o telescópio foi inventado e já é utilizado há quatro séculos e somente um percentual muito pequeno da população da Terra fez observações astronômicas com eles. Então, nosso primeiro grande intuito é reduzir essa defasagem e levar a ciência até as pessoas comuns. Além de apresentar as conquistas da ciência, também desejamos que as pessoas se apropriem desse conhecimento e das conquistas básicas, porque esse – afinal – deveria ser o resultado do fazer científico. A ciência não existe para gerar produtos que melhoram a vida, existe para produzir conhecimento. Mas acaba acontecendo desse conhecimento ser aplicado em coisas grandes e pequenas que ajudam a população a viver melhor. A sociedade financia a ciência, portanto nada mais justo que usufrua dos saberes produzidos, em todos os sentidos.
Há também uma aposta numa nova maneira de encarar o universo?
Certo. Olha só, para as pessoas comuns, o céu e a Terra são coisas separadas e até antagônicas. O céu é o lugar das maravilhas, é o paraíso, e a Terra é esse caos que a gente conhece. Acontece que há mais de 500 anos a ciência derrubou essa visão, ultrapassou essa polaridade e mostrou que céu e Terra são, na verdade, componentes de um grande e único sistema chamado Universo. Entender o mundo dessa maneira ajuda a lembrar que tudo tem, portanto, uma origem comum e que, por isso, nossas raízes estão lá nos astros. As pessoas nem se dão conta, mas as atividades e os objetos mais prosaicos do nosso cotidiano têm uma ligação muito íntima com os astros e com sua observação, dos alimentos desidratados à internet, passando por fraldas super-absorventes e chegando até a navegação e a agricultura. Agora é a hora de lembrar de todos esses avanços, de celebrar a astronomia e suas descobertas e mudar a forma de olhar para o mundo.
E mesmo sem a percepção científica, os astros nos acompanham desde os primórdios da humanidade, deixando diversos registros e marcas...
A astronomia tem uma fase pré-humana, que rege os seres vivos desde antes da civilização humana existir. Tudo o que é vivo, de um jeito ou de outro, sabe alguma coisa sobre o sol. As plantas se viram para o sol, os animais que migram entendem de estações do ano e se orientam pelo sol par ir de um lugar ao outro e até algumas aves se guiam pelas estrelas. Esse é um acordo que a natureza teve de fazer para continuar existindo. Há 50 mil anos surge a humanidade e também passa a observar o céu e passa a entender que ali está a chave para uma sobrevivência melhor. A agricultura provocou uma revolução, porque graças a ela, os homens puderam se fixar e fundar cidades, o que mudou complemente a maneira de estruturar a vida. O desenvolvimento da agricultura só foi possível por conta da observação do céu. Ainda naquele tempo, sem os equipamentos, sem o telescópio, mas já com o entendimento de que quando o Sol nascia perto da estrela Aldebaran, era hora de plantar. Era a primavera. Simbolicamente Aldebaran marcava o reinício de tudo, o portal onde a energia renascia e possibilitava a vida. Naquele tempo, o pensamento era circular e se fundava no nascimento, morte e renascimento de tudo. Para homenagear e garantir cada uma dessas etapas, o homem fazia festas, rituais. Existia uma comemoração muito antiga na Babilônia durante o solstício de inverno, no dia mais longo do período do frio. Os homens lançavam fogos de artifício e acendiam fogueiras para chamar o sol de novo. O sol organizava, portanto, a vida. Essa celebração deu na nossa Festa Junina. Outra festa representava o fim do mundo e seu reinício e ela deu no nosso Carnaval. Veja que além do calendário mesmo, que é todo pautado na astronomia, os símbolos, os ritos e as crenças se fundem com a ciência que nasce da observação dos astros.
E do passado mais remoto chegamos até os dias de hoje, onde vivemos os avanços da tecnologia.
Exatamente. Retomando tudo isso, as pessoas vão entendendo não só a importância da astronomia, mas também vão dando sentido à vida mesmo. Há 500 anos, os portugueses não teriam chegado ao Brasil sem o conhecimento da astronomia, sem se guiar pelas estrelas. O mapa da Terra não poderia ser feito sem esse conhecimento, sem as observações e hoje, num assunto super em voga, a supervisão dos recursos naturais e da poluição se faz a partir do espaço. Os chips que fazem sucesso em celulares, computadores e cartões de banco nasceram há 40 anos, durante a conquista da Lua. As telecomunicações avançaram imensamente com os conhecimentos sobre o espaço. E a internet é fruto da necessidade de comunicação on-line dos cientistas do Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear, o CERN, o mesmo do LHC, o Grande Acelerador de Hádrons, que fez sucesso no ano passado. Desde as décadas de 1950 e 1960 os cientistas queriam construir um acelerador de partículas para estudar o Big Bang, a origem de tudo. Era tanta informação e tanta gente envolvida que foi preciso criar uma rede virtual para trocar os milhares de dados e chegar a algumas conclusões. Assim nasce a internet. Veja que o objetivo não era fundar a rede, mas obter mais conhecimentos do céu. E a ciência acabou produzindo essa forma recente de comunicação, que com certeza veio para ficar. E hoje, a mesma ciência que nos afasta da natureza – quer dizer, você não precisa mais construir sua casa voltada para o sol, porque se esquentar você liga o ventilador e, se esfriar, liga o aquecedor – hoje está nos mostrando que esse negócio de extrair energia de tudo à força não dá muito certo. Todo o conhecimento que já se produziu e vem se produzindo sobre o aquecimento global ajuda a provar isso.
Para além do conhecimento e da vida cotidiana, o senhor também defende que olhar para o céu pode mudar o jeito como a sociedade encara a própria existência...
É verdade. Que nós estamos no céu, todo mundo sabe e nem discute mais, mas a ideia de que o céu também está em nós ainda assusta um pouco. Para começar do início mesmo, cada átomo que compõe toda a matéria (seu corpo, o meu, as flores, os bichos, tudo mesmo) nasceu no interior de uma estrela e chegou aqui à Terra depois que a estrela explodiu. Cada elemento químico nasceu numa estrela diferente e para chegar aqui e constituir cada músculo e cada osso levou muito tempo. Até a água que a gente bebe veio de Júpiter, trazida por cometas. A vida aqui na Terra não teria começado se os meteoros e cometas não tivessem trazido aminoácidos, e eles continuam trazendo essas substâncias. Ou seja, cada pedacinho da gente tem um tempo e uma história muito especiais e se dar conta disso pode fazer a gente entender como somos realmente parte desse sistema único. E tomar ciência disso pode ser um passo valoroso para cuidarmos de outro jeito do planeta e do que vive aqui.
Parece então que o Ano Internacional da Astronomia pode proporcionar um vasto conteúdo a ser trabalhado nas escolas.
E o melhor é que ninguém precisa ser físico, astrônomo ou cientista para isso. Os professores podem promover trabalhos e discussões muito significativos, cada um dentro da sua área, mas alinhados com o grande tema do Ano Internacional. Vão acontecer muitos eventos de todos os tipos, a maioria deles gratuitos, que podem interessar às escolas. Aqui em São Paulo, por exemplo, vão acontecer observações em muitos pontos da cidade. No site www.astronomia2009.org.br dá para acompanhar toda a programação. Aí, com todo esse conteúdo à disposição, os professores podem trabalhar na sala de aula. A área de artes e música tem um vasto material à disposição. São cantigas tradicionais e da música brasileira que falam de estrelas, do céu, dos astros e da conquista do espaço. A literatura e as línguas estrangeiras têm poesias, textos e relatos que aprofundam todas essas questões. E o mesmo acontece com filmes e programas de TV que, de um jeito ou de outro, tocam as estrelas. Para biologia tem toda essa questão da origem e perpetuação da vida que já falamos antes, além do efeito estufa, do equilíbrio ecológico e por aí vai. E para as ciências exatas chega a ser um banquete: será uma festa para a física, com as questões ligadas aos astros, à gravitação, às forças e energia. Para a química, a lembrança dos elementos que compõem a tabela periódica pode ser um bom começo. E para a matemática, os cálculos e a geometria. Ou seja, olhar para o céu pode trazer grandes benefícios para professores, alunos, escolas, sociedade e para a humanidade em geral.