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Teoria da Evolução, 150 anos

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Quando tornou públicos os conceitos de evolução e de seleção natural, com a publicação de seu livro A Origem das Espécies, em 1859, o naturalista inglês Charles Darwin sabia que estava mexendo em terreno pantanoso e cheio de espinhos e tinha consciência dos impactos intensos e das profundas transformações que seus estudos provocariam não apenas no pensamento científico ocidental, mas principalmente na história da humanidade. Não por acaso, embora tenha começado a escrever o livro em 1838, logo depois de ter retornado de sua viagem ao redor do mundo a bordo do navio Beagle, quando passou inclusive pelo Brasil, “só publicou a obra depois de 21 anos. Ele sabia do potencial explosivo de suas ideias na ultraconservadora Inglaterra do século XIX – da qual, ele próprio era um legítimo representante”, como lembra reportagem de Gabriela Carelli publicada pela revista Veja.

Darwin demonstrou que todos os grupos de seres vivos, animais e plantas, descendem de ancestrais comuns, formando as árvores da vida. Revelou ainda a existência de um processo de diferenciação natural e aleatório que, movido pela luta pela sobrevivência, permite aos seres mais aptos conquistarem características que os permitam lidar de maneira mais adequada com o meio ambiente, transmitindo em seguida essas especificidades para as gerações futuras. Essas constatações implodiram a tese da criação divina e revelaram que o homem não havia sido feito à imagem e semelhança de Deus, como registram os textos bíblicos. “Darwin enxergou algo fundamental e revolucionário sobre o funcionamento da natureza: um mecanismo pelo qual espécies podem evoluir, diferenciar-se e originar novas espécies por meio de forças exclusivamente biológicas, sem necessidade de intervenção divina ou atos sobrenaturais”, reforça Herton Escobar, em texto publicado no jornal O Estado de S. Paulo.

Depois do polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) e do italiano Galileu Galilei (1564-1642) terem retirado definitivamente a Terra do centro do Universo, ainda entre os séculos XV e XVII, o naturalista inglês aparecia para desmontar a referência do ser humano como alguém superior, em relação às demais espécies da natureza. Afinal, de acordo com o pensamento darwinista, das bactérias ao Homo sapiens, surgimos todos da mesma maneira, e evoluímos através das eras em função das mesmas dinâmicas. “Darwin foi um destronador dos homens, ao sustentar que as formas de vida se originaram de formas anteriores e menos aptas, atingindo assim a idéia do homem como uma criatura perfeita. Além disso, colocou em cheque os escritos sagrados e confirmou que a ciência é a forma de conhecimento mais apropriada para fazer o relato da natureza, da história da vida e do Universo”, afirmou Ulisses Capozzoli, editor da revista Scientific American Brasil, em palestra realizada na Livraria Cultura e acompanhada pela reportagem do SINPRO-SP. “O universo darwinista destituiu o homem como epicentro do mundo natural”, confirma o jornalista Gary Stix, em texto também publicado pela Sciam Brasil.

As reações foram imediatas – e violentas. Darwin foi acusado de incentivar o ateísmo e a descrença na Bíblia, ao propagar mentiras e doutrinas infames. Em 1860, apenas um ano após o lançamento de A Origem das Espécies, em debate realizado na Real Academia Britânica de Ciências, o bispo de Oxford, Samuel Wilberforce, ironizou a teoria da evolução ao perguntar a um de seus defensores, o cientista Thomas Henry Huxley, se este descendia do macaco por parte de avô ou de avó. O próprio Darwin, com sólida formação religiosa, sofria com os constantes dramas de consciência e preocupava-se com o fato de poder implodir uma época, manifestando ao longo do tempo de produção de seus trabalhos o temor de abalar a história do mundo narrada pela Bíblia – essa é também uma das razões que ajudam a explicar o fato de o naturalista ter postergado a divulgação de suas ideias. “A obra não é de fato um ataque contra a religião, mas a superação de um estágio de descrição mitológica do mundo que aparece não apenas nos livros sagrados”, avaliou Capozzoli, durante a palestra.

Mesmo ao completar 150 anos, a teoria darwinista continua a enfrentar acirrados ataques por parte de setores religiosos fundamentalistas, que procuram contrapor o criacionismo à perspectiva da evolução natural. “Os criacionistas vêm empregando simultaneamente três temas retóricos principais para atacar a evolução, por vezes chamados de os três pilares do criacionismo: que de fato não está consoante ou até mesmo está em conflito com os fatos da ciência; que o ensino da evolução ameaça a religião, a moralidade e a sociedade; e que a imparcialidade dita a necessidade de ensinar o criacionismo juntamente com a evolução”, destacam Glenn Branch, diretor-adjunto do Centro Nacional para a Educação Científica em Oakland, na Califórnia, e Eugenie Scott, diretora-executiva da mesma instituição, em artigo publicado pela Sciam Brasil.

A estratégia de confundir ciência e religião parece dar resultados: pesquisa recentemente divulgada na Inglaterra mostra que 51% dos britânicos continuam acreditando na tese do design inteligente, que defende que o mundo é tão perfeito e harmônico que só poderia ter sido organizado por uma força divina superior. “Essa oposição religiosa e a tentativa de apresentar uma teoria alternativa é um absurdo. Questões de fé não devem se misturar com estudos científicos. A fé é uma questão individual, existencial. Portanto, é possível ter fé e ser um evolucionista ardente”, afirma César Ades, professor da Universidade de São Paulo e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, em entrevista concedida ao programa Pesquisa Brasil, produzido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e transmitido pela rádio Eldorado. Na palestra realizada na Livraria Cultura, Capozzoli reforçou esse raciocínio ao dizer que “se trata de equívoco elementar tentar opor ciência e religião, já que são sistemas de valores com fundamentos e propósitos distintos”. Trocando em miúdos, a ciência deve preocupar-se com o material, o mundo concreto, os fenômenos da natureza e as relações humanas, sendo sustentada pelo método experimental e pela razão; a religião está associada a crenças e espiritualidades. Tentar contrapor evolução e criacionismo representa não apenas uma confusão conceitual, mas um comportamento irresponsável e até mesmo leviano.

Quando se comemora os 200 anos de nascimento de Darwin e os 150 anos de publicação de sua obra referencial, é preciso avaliar ainda os desdobramentos futuros de suas idéias – aquilo que Capozzoli chamou de a “evolução da evolução”. Com o avanço da genética e da biotecnologia, parece cada vez mais próximo o tempo em que pais poderão escolher as características de seus filhos, montando em laboratório as crianças que pretendem gerar. A seleção natural seria dessa maneira substituída pela seleção artificial, com todos os riscos, éticos inclusive, envolvidos nessa possibilidade. Estamos sendo chamados a fazer uma profunda reflexão. “A pressão para mudar genes provavelmente virá de pais que desejam garantir que seu filho seja um menino ou uma menina; para dotar seus filhos com beleza, inteligência, talento musical ou uma natureza doce; ou para tentar garantir que não terão tendência a se tornarem desonestos, depressivos, hiperativos ou mesmo criminosos (...) Um dia, então, teremos em nosso poder a possibilidade de produzir uma nova espécie humana. A decisão de enveredarmos por esse caminho ou não será tomada por nossos descendentes”, alerta Peter Ward, especialista nas áreas de paleontologia, biologia e astrobiologia, na Sciam Brasil. E será que de fato a humanidade estaria preparada para suportar as consequências desses novos procedimentos? Em sua palestra, Capozzoli acrescentou outra indagação a esse questionamento: “seria o início de uma era promissora ou o começo do fim?”.

O jornalista brasileiro ressaltou durante o evento que, apesar de sua genialidade, Darwin não deve ser alçado à condição de semi-deus inquestionável, uma entidade olimpiana e a quem não se pode questionar. “A obra dele representa a síntese de uma produção coletiva, construída em sociedade, e não um passo isolado ou colocado para além do contexto histórico. O darwinismo não é uma teoria acabada, mas, como todas as outras, está aí para ser ampliada e sofisticada”. Merece ser destacada em Darwin sua capacidade de observação – sem a parafernália tecnológica de que dispomos atualmente, teve de fazer uso essencialmente de seu olhar apurado e rigoroso para analisar as mais de cinco mil espécies coletadas durante sua expedição a bordo do Beagle e produzir as mais de duas mil páginas de anotações diversas, que resultaram posteriormente na Origem das Espécies. Por isso tudo, para César Ades, da USP, Darwin continuará sendo uma figura de primeira grandeza da ciência, mesmo que algumas de suas idéias originais sejam transformadas. “Ele conseguiu sistematizar uma matriz conceitual que hoje pode ser aplicada a diferentes áreas do conhecimento, como comportamento humano, biologia molecular e paleontologia. Forneceu dados e métodos para levar adiante o conhecimento. Mas não se pode esperar ou exigir que essa matriz seja absoluta e nos dê todas as respostas”, concluiu, na entrevista ao Pesquisa Brasil.

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