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Vacina contra a Aids diminui risco de contaminação em 31%

Francisco Bicudo e Elisa Marconi

O fracasso dos testes feitos pelo laboratório norte-americano Merck, em 2007, arrefeceu a procura por uma vacina que tivesse a capacidade de impedir a infecção pelo HIV (o vírus da Aids) e colocou a comunidade científica internacional diante de um dilema: valeria a pena continuar insistindo nesses estudos? A vacina seria de fato algo viável, ainda que em um futuro distante? “Criou-se naquele momento certo consenso que defendia que era preciso retornar às bancadas dos laboratórios para entender o que estava acontecendo e refinar o conhecimento básico sobre a estrutura molecular e as formas de atuação do vírus”, lembra Ricardo Diaz, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Mas para surpresa do infectologista brasileiro – e de boa parte dos pesquisadores da área –, foi anunciada no final de setembro uma vacina desenvolvida e testada na Tailândia por um consórcio que reuniu o Ministério da Saúde do país asiático e o Programa de HIV do Exército Americano, em um investimento de mais de cem milhões de dólares, e que conseguiu diminuir em 31% a contaminação pelo vírus, manifestando significativo efeito protetor. Apesar da cautela diante da novidade, as esperanças dos cientistas foram reanimadas.

“É preciso destacar que esse índice de proteção ainda é modesto e muito inferior aos padrões de segurança definidos pela Organização Mundial de Saúde, que estabelece um mínimo de 70% a 80% de eficácia. Será portanto preciso replicar e aperfeiçoar a experiência até que se possa pensar de fato na comercialização da vacina”, avalia Esper Kallás, médico infectologista e professor da Universidade de São Paulo (USP). “Mas foi a primeira vez que um trabalho sobre a vacina conseguiu alcançar esse impacto”, completa o especialista.

Diaz também reconhece a relevância do estudo – “uma luz no fim do túnel” – e sugere que a principal contribuição do grupo responsável pela pesquisa foi ter idealizado uma vacina desenvolvida a partir de fragmentos do subtipo E do HIV, o mais comum na população asiática, para depois testá-la justamente em pouco mais de 16 mil tailandeses. Para o professor da Unifesp, a preocupação em associar o subtipo mais frequente na Ásia com um dos grupos étnicos e genéticos que ele mais afeta provavelmente representa a chave para o sucesso e a eficácia do procedimento. “Indica que talvez tenhamos que pensar não em uma, mas em várias vacinas, com condições de enfrentar especificamente cada um dos subtipos existentes do vírus”, diz.

Resultado significante
O estudo desenvolvido na Tailândia envolveu aproximadamente 16 mil voluntários, não portadores do HIV. Foram avaliados clinicamente e divididos em dois grupos. O primeiro recebeu doses de placebo. O segundo foi imunizado com duas vacinas combinadas, que já vinham sendo testadas isoladamente, sem sucesso: a Alvac, que aproveita um vírus que infecta apenas canários (o canarypox) e que, manipulado geneticamente, pode carregar minúsculos fragmentos do HIV, sem representar qualquer tipo de risco de contaminação para os humanos; e a AidsVax, que é produzida em laboratório a partir da capa de proteção que envolve o HIV. Foi nesse momento que os pesquisadores decidiram incluir o subtipo E – o mais tradicional até então era avaliar vacinas à base do subtipo B, mais encontrado nos Estados Unidos e na Europa. Todos os voluntários participantes do trabalho, sexualmente ativos, receberam expressas recomendações e orientações para que mantivessem comportamentos sexuais seguros. Depois de três anos, as avaliações feitas revelaram que, no chamado grupo controle (placebo), havia 74 pessoas contaminadas pelo vírus, contra 51 infectados entre aqueles que tinham recebido as vacinas – uma redução de 31,2%.

“É um resultado estatisticamente significante”, confirma Diaz. Ele explica que, para chegar aos 16 mil voluntários, com perfis e histórias de vida semelhantes, provavelmente o estudo teve de lidar inicialmente com um universo de mais de trinta mil pessoas. Além disso, lembra Kallás, as equipes eram quantitativamente semelhantes (oito mil para cada lado), adotando-se por fim o procedimento conhecido como duplo cego – nenhum dos grupos sabia se o que estavam tomando era vacina ou uma substância qualquer, sem efeito médico, ou seja, ninguém sabia de fato se estaria potencialmente protegido contra o HIV. “Matematicamente, em função do método adotado e da grandeza da amostra que foi usada, a chance de o resultado ser aleatório ou casual é mínima”, confirma o professor da USP. “É praticamente inequívoco que o efeito de proteção se deu por conta da ação da vacina”, completa Diaz.

Os especialistas admitem que ainda não conhecem como a vacina age no organismo humano – se ela criaria barreiras e impediria a chegada do HIV às células de defesa ou se, por outro lado, seria capaz de literalmente atacar e destruir o vírus da Aids. “O estudo indica um grau de proteção significativo e mostra que a vacina funciona, ainda que não na escala desejada, mas ainda não se tem a precisa demonstração de como e por que isso acontece”, diz Kallás. “A partir de agora, os autores devem começar a detalhar as perspectivas de imunologia e de biologia celular, e a tendência é que essas hipóteses se tornem mais claras e definidas”, continua Diaz.

Por conta de ter sido testada apenas em tailandeses, com características étnicas, sociais e genéticas muito específicas, Kallás acha difícil que a vacina alcance os mesmos resultados quando for aplicada em ocidentais. “Não dá para simplesmente transpor, são condições diferentes”, diz. A análise reforça o argumento de Diaz, que aproveita para mais uma vez destacar que o estudo sugere fortemente que é preciso começar a pensar em várias e diferentes vacinas, associando o subtipo do HIV aos grupos populacionais que atingem, e não em uma vacina universal. Para ele, essa é a linha de investigação a ser perseguida. “Talvez porque atuaram dessa maneira os pesquisadores conseguiram chegar a um índice de proteção que superou os 30%, na Tailândia”, insiste. “Esse foi o insight, um provável momento de virada importante”.

A evolução da epidemia
No livro “Ciências”, da editora Salesiana, o jornalista Claudio Angelo conta que a Aids nasceu na África e escreve que “a hipótese mais aceita hoje em dia é que o vírus tenha entrado em contato com os humanos pela primeira vez na década de 1960. O HIV seria parente próximo de outro vírus, o da imunodeficiência símia (SIV), que afeta chimpanzés das florestas tropicais de Camarões sem que eles morram da doença. Ele teria saltado de espécie e passado a infectar um outro primata – nós – possivelmente devido ao consumo de carne de chimpanzés soropositivos em regiões de floresta da África subsaariana”.

Relatório divulgado pela Unaids – entidade ligada à Organização das Nações Unidas – mostra que havia no mundo, em 2007, 33 milhões de pessoas contaminadas pelo HIV – destas, aproximadamente 25 milhões viviam na África. No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, foram oficialmente notificados quase 500 mil casos da doença, entre 1980 e 2007. Entre os adolescentes brasileiros (13 a 19 anos), há dez meninas infectadas, para cada seis meninos portadores do HIV, segundo números de 2005, o que revela preocupante tendência de feminilização da doença, ao menos entre os jovens.

Durante os mais de 25 anos da epidemia, que teve início no começo dos anos 1980, nos Estados Unidos, quando ainda era errônea e preconceituosamente chamada de “a peste gay”, a ciência já conseguiu identificar nove subtipos do vírus, classificados por letras. No Brasil, o mais comum é o subtipo B (assim como ocorre na Europa e nos Estados Unidos), embora existam registros da presença do C (mais comum em países africanos) e também do F. Segundo reportagem publicada pela revista Pesquisa Fapesp em março de 2006, “todos (os subtipos) agem destruindo o sistema imunológico da pessoa infectada, e os sintomas e problemas que provocam, como as infecções oportunistas, também são os mesmos. A diferença fundamental é que as variações são formadas por sequências de genes distintas. Por essa razão, os subtipos podem ser mais ou menos agressivos, ter maior ou menor capacidade de resistência aos medicamentos anti-retrovirais, replicar-se rapidamente ou de maneira mais lenta, além de atingir grupos sociais (usuários de drogas e heterossexuais, por exemplo) e regiões diferentes”.

Para a ciência, a dificuldade em encontrar uma vacina capaz de evitar a infecção reside nas habilidades desenvolvidas pelo HIV: além de ser um vírus que se reproduz aceleradamente (cerca de 1 bilhão de cópias por dia), tem sofisticada capacidade de mutação (ganha ou perde facilmente características genéticas ou moleculares), além de conseguir se recombinar (dois subtipos podem se juntar, para dar origem a um terceiro, diferente). Com tantas artimanhas, o HIV consegue enganar o sistema imunológico humano, que fica completamente perdido, sem saber quais respostas de defesa viabilizar, o que permite a multiplicação do vírus, que vai justamente atacar e destruir essas atônitas células de defesa, deixando o organismo vulnerável.

Por conta da gravidade do problema, os especialistas lembram que, mesmo com o alento que a vacina tailandesa pode trazer para o combate à doença, não se pode em hipótese alguma abandonar os já clássicos instrumentos de prevenção, como o uso de camisinha e de seringas descartáveis. “Nas salas de aula, o professor deve mostrar que a ciência está avançando muito e que existe de fato um esforço mundial para encontrar novas estratégias de combate à Aids. Mas não há nada mais eficaz do que informação, conscientização, prevenção e recusa a comportamentos de risco para evitar a doença”, define Diaz.

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