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Entrevista com Sebastião Velasco pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea

Professor, os estrangeiros têm sido mais generosos com o Brasil do que os próprios brasileiros? Existe mesmo essa diferença de olhares?
Velasco – Existe, claro, e não poderia deixar de existir. Essa diferença de visão se dá inclusive em termos individuais. Cada pessoa, dependendo de sua história e orientação, enxerga as coisas de uma determinada maneira. E não poderia ser diferente entre países. O problema que enxergo não é a diferença em si, mas a qualidade dessa diferença. Posso começar dizendo que, no exterior, a visão que se tem do Brasil é mais positiva. Ou seja, eles reconhecem nossos esforços e a importância do país em várias áreas. E esse é um olhar que, para uma parcela dos brasileiros, que não é a maioria, parece estranho.

E por que existe essa diferença de percepção?
É até natural que os estrangeiros vejam sob outras perspectivas. Mas, em geral, eles reconhecem algumas realizações das quais nem sempre nos damos conta. Um país com essas dimensões mantém historicamente a unidade nacional. Veja o caso da Europa, que passa – de tempos em tempos – por uma fragmentação e uma reorganização, às vezes dolorosa, de suas nações e seus povos. Se você olhar o passado do Brasil e o que somos hoje, preservamos a unidade territorial, linguística, cultural. É possível dizer que foi um processo sem paralelos no mundo. E a identidade nacional se mantém presente e forte esse tempo todo. Uma nação assim inspira respeito para quem atravessou crises se fragmentando. Por essa primeira razão, é super natural que eles enxerguem o país de forma positiva. Um professor estrangeiro me perguntou lá no país dele: como explicar um país assim? E ainda mais se pensamos numa America Latina fragmentada como a que vemos hoje... E tem mais um ingrediente. Se isso é espantoso hoje, imagine como era o país nos anos 1930 e 1940. De lá para cá foi um salto gigantesco. O observador estrangeiro destaca essas realizações e ainda outras que chamam atenção, como as grandes crises que o país enfrentou nos anos 1980. O Brasil saiu da ditadura militar e entrou na democracia e vem aprofundando isso. E saiu da hiperinflação e não voltou mais. Hoje é um lugar seguro para se investir, mesmo em tempos de crise.

E como então entender esse acanhamento brasileiro em reconhecer suas próprias conquistas?
É um sentimento de diminuição que habita os brasileiros, de fato. Mas insisto que não é a maior parte da população. É uma minoria, porém uma minoria com força de expressão. A primeira razão para esse sentimento, eu acredito, é conjuntural. Uma parcela da população não gosta, não aceita e não reconhece as realizações dos últimos anos. A maior razão para essa postura é uma antipatia ao governo federal. Esse grupo ou não reconhece, ou tem um sentimento dúbio na hora de reconhecer os saltos. E esses avanços se chocam com as aspirações desse grupo.

O senhor acredita que se trata então de uma orientação política.
Sim, um fator conjuntural de cunho político. Se fosse o governo que eles elegeram, estariam comemorando com entusiasmo. Estou falando do mesmo grupo que em 1994 e 1995 estava batendo palmas porque, finalmente, tínhamos saído da hiperinflação. Eu diria também que esse negativismo vem de uma oposição sem causa e sem programa. Uma oposição que tem se limitado a implicar. Ser representado por uma oposição assim provoca nesse grupo um sentimento de exasperação, que leva mesmo a um olhar bem negativo. Eles são as viúvas de uma ideia de país que nunca foi e nunca será. Mas, embora sejam numericamente poucos, têm suas idéias amplificadas pela mídia, instância com quem têm muita afinidade e trânsito.

Para além dessa questão conjuntural política, há outras razões para o olhar que não reconhece os avanços?
Há os mais sérios e mais arraigados que os conjunturais. A segunda razão para alguns brasileiros não reconhecerem a importância do país no contexto internacional tem a raiz na enorme desigualdade social e econômica que se abate sobre a população. A desigualdade leva a questões muito profundas, como a miséria, a falta de segurança. Nesse contexto, o grupo daqueles que está em melhores condições de vida simplesmente não se identifica com a massa. A massa é uma população trabalhadora, muito séria, mas pobre. E parcelas da classe média e alta olham com distância, ou melhor, com desprezo, para os mais pobres. O modo de vida desigual produziu um olhar que não reconhece o pobre como igual e, portanto, o despreza. Essa população tem mais dinheiro e mira o exterior, tem como exemplo países estrangeiros e aí não dá mesmo para aceitar e comemorar as conquistas do Brasil.

E o reverso também acontece, ou seja, essa população miserável, em função das próprias condições de vida, não é muito otimista em relação à situação brasileira.
É verdade, a situação de privação leva alguns brasileiros a achar que, mesmo com melhoras, ainda falta muito para que eles alcancem os direitos sociais, políticos e econômicos, a cidadania plena, os direitos civis a que têm direito. A opressão social impede que essa população seja como pobres ingleses e franceses que, mesmo desabonados, seguem identificados com o país, porque têm os direitos civis atendidos.

O Brasil conta também com um histórico de atuação significativa na área de política externa. As relações do país com outras nações ajudaram a fortalecer o olhar positivo dos estrangeiros?
Sem dúvida nenhuma. A diplomacia brasileira variou nas orientações de conduta, mas desde o final do século XIX deu provas irrefutáveis de competência. Especificamente de 1950 para cá, o país está na linha de frente de causas reconhecidas como importantes, fundamentais. Há insucessos, claro, mas ainda assim é uma diplomacia reconhecida. O caso do assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, embora alguns críticos sejam bem duros nas acusações, eu não considero um fracasso não. Trata-se de um cartel que nunca foi mexido e que deixa de fora não só o Brasil, mas países como Japão, Alemanha, Índia e outros grandes. E no Conselho, o Brasil não está de braços dados com pequenas nações, está alinhado com potências mundiais.

Ou seja, estamos bem longe da máxima que prega que, lá fora, somos vistos apenas como o país do carnaval e do futebol.
O Brasil projeta uma presença muito simpática no exterior com essas manifestações da identidade nacional que são o samba, o carnaval, a Bossa Nova e muito mais. Mas faz muito tempo, muito tempo mesmo, que o país não é visto mais assim. De 1960 em diante, o Brasil está na linha de frente, junto com os grandes países, na defesa de causas importantes, como as mudanças nos órgãos internacionais, no ajuste de demandas ligadas aos países em desenvolvimento. E por essa postura – que se manteve independentemente do governo em curso – garante respeito ao país.

E será que essa visão externa positiva e respeitosa não muda em nada a visão dos brasileiros, daqueles que em um primeiro momento não reconhecem os avanços?
Muda sim e recentemente temos várias provas dessa mudança. Na campanha eleitoral de 2006, por exemplo, pela primeira vez a política externa foi objeto de debate e tema dos programas presidenciais. O sucesso de Lula na eleição se deveu em parte – claro que não foi o único fator – à boa avaliação de sua política externa. E tenho certeza de que em 2010 a parcela da crítica rançosa vai bater na tecla das relações internacionais, vai falar de Honduras, da Venezuela e vai ser um tema mais destacado ainda. Mas também serão críticas que não vão encontrar eco na maioria da população, que aparentemente está de acordo com a atual política externa.

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