Professor, acordos entre partidos já estão sendo estabelecidos, o prazo para mudança de legenda está encerrado, a candidatura oficial está colocada, a oposição tenta acelerar o processo de escolha de seu candidato e o debate começa a tomar corpo. Diante desse cenário, e apesar de ainda termos praticamente um ano até a disputa, qual a fotografia que se anuncia? Qual sua análise sobre a atual conjuntura política?
Em primeiro lugar, creio que está se consolidando de fato um quadro de grande disputa e enfrentamento entre o PT e o PSDB. Aparentemente, a candidatura do deputado federal Ciro Gomes, do PSB, não deve vingar, pois pertence a um partido pequeno, isolado, sem tempo de TV. A ex-ministra Marina Silva, do PV, também parece mais disposta a semear futuras candidaturas e a colocar na agenda da eleição a questão ambiental, o que deve mesmo acontecer. Mas o que nós já estamos vivendo concretamente é uma grande articulação e aglutinação de forças em torno dos dois pólos da disputa. O PT seguirá com o PMDB e os demais representantes da base governista, e o PSDB terá apoio do DEM e do PPS. Essa é a fotografia do momento. O que indica que caminhamos para uma eleição plebiscitária, como o governo federal sempre desejou.
Por que o presidente Lula insiste na perspectiva de uma disputa plebiscitária e polarizada já no primeiro turno? Não seria uma estratégia arriscada, principalmente se o adversário for o governador paulista José Serra, que sai de um patamar de pelo menos 30% dos votos, segundo indicam as pesquisas mais recentes?
O presidente Lula avalia que seria uma grande vantagem poder comparar o governo dele com o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pois a administração petista teria mais realizações sociais, econômicas e internacionais, por exemplo, a apresentar. O Brasil cresceu bastante nesses últimos oito anos, conseguiu superar a crise econômica internacional antes dos outros países, consolidou-se como potência energética, obteve significativos avanços na área social, com o aumento do salário mínimo e os programas de transferência de renda. No plano simbólico, até o Obama diz que o Lula “é o cara” e os dois presidentes aparecem sempre no mesmo patamar, em eventos internacionais. Portanto, é todo esse legado, em vários campos, que o governo Lula deseja comparar com a herança que foi deixada pela administração tucana. É algo como dizer ao eleitor ‘vejam o que fizemos, vejam o que eles fizeram, comparem’. Obviamente que essa estratégia está sustentada por pesquisas de opinião e ancorada nos altíssimos índices de popularidade do governo e do presidente. Seria uma espécie de julgamento dos dois últimos presidentes brasileiros.
A capacidade de transferência de votos do presidente Lula será mesmo tão contundente? As últimas eleições municipais revelaram um cenário mais complexo.
De fato é sempre complicado tentar transferir popularidade. Certamente o presidente tem um cacife e um carisma que são dele. Mas a estratégia plebiscitária caminha nesse sentido e constrói o seguinte raciocínio: como o Lula não pode mais se candidatar, faria a sucessora e manteria as linhas mestras da administração petista, em um governo de continuidade, uma espécie de terceiro mandato, mas com a dimensão da novidade, que é a Dilma. Para tanto, será preciso, em termos de publicidade, conseguir colar a imagem da ministra Dilma aos avanços obtidos no governo Lula, o que exige ter um tempo significativo de propaganda na TV, no horário eleitoral gratuito.
A eleição presidencial de 2010 terá ainda um fato novo: pela primeira vez desde a redemocratização não aparecerá na cédula, ou na urna eletrônica, o nome de Luis Inácio Lula da Silva.
Trata-se de uma figura política e popular muito forte, que não pode se candidatar novamente. Nesse sentido, ele parece usar a estratégia do Pelé: parar no auge da carreira para assim permanecer no imaginário popular e na história, evitando um provável desgaste de um terceiro mandato, que poderia abalar a carreira bem sucedida do presidente.
O senhor citou os avanços do governo Lula. A agenda internacional e a participação mais evidente e intensa do Brasil nesse cenário mundial serão temas dominantes e diferenciais da campanha do próximo ano?
Certamente. Trazer a Copa do Mundo e as Olimpíadas para o Brasil revela que de fato o Brasil é atualmente um país respeitado internacionalmente e significa ainda vitórias do governo Lula, que teve a capacidade política de desenvolver os projetos, de articular. Com a administração Lula, muito por conta da atuação do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o Brasil sai do eixo Estados Unidos-Europa e busca uma política externa mais complexa, com presença marcante na América Latina, na África, no Oriente Médio, na China, no Japão. Esses movimentos fazem do Brasil um país cada vez mais reconhecido. O país tem hoje uma agenda econômica internacional importante, ocupa espaços na área energética e ambiental, participa da solução de conflitos na Venezuela, na Colômbia, no Haiti e em Honduras. Todos esses aspectos serão temas evidentes da campanha.
Quais as virtudes e os pontos fracos que o senhor considera para as três principais candidaturas que estão colocadas, a da ministra Dilma, a do governador Serra e a do governador Aecio Neves, de Minas Gerais?
Bom , eu não tenho muitas dúvidas de que o candidato do PSDB será o Serra. Vou partir dessa premissa. A Dilma não tem muita experiência em disputas eleitorais. Por outro lado, é mulher, uma novidade no Brasil, disputando a eleição por um partido forte e representando um governo que é muito bem avaliado pela população. É um dado novo, portanto, nessa perspectiva de continuidade. Já o Serra é muito bem avaliado no estado de São Paulo, mas é ainda muito localizado, muito paulista, além de muitas vezes ter sua imagem associada ao governo de Fernando Henrique Cardoso. Não teria portanto esse caráter de novidade, como tem a Dilma. A questão da corrupção não deve colar nela, pelo menos se considerarmos o cidadão comum, as classes menos favorecidas. Deve colar se pensarmos na classe média. O Serra terá também o apoio majoritário da mídia, fator que precisa ser levado em conta. A Dilma teria a sustentação das políticas públicas do governo Lula. Um último aspecto que acho que deve ser avaliado é se de fato essa perspectiva plebiscitária vai vingar, ou seja, se de fato a identificação dela com o governo Lula fará sentido e terá importância para o eleitor. Se a leitura política for outra, se o Serra for visto como um ministro bem avaliado, como um governador bem avaliado, como um bom gestor, se ele conseguir se desgarrar da era FHC, então teremos outra disputa.
A demora do PSDB em definir o candidato é benéfica ou prejudicial para a oposição?
Acho que eles estão avaliando que é mais sensato apresentar esse nome no começo de 2010, para evitar desgaste desde já. Há ainda uma disputa interna difícil, que precisa ser bem resolvida e equacionada, para não deixar rusgas e mágoas políticas. É preciso costurar acertos regionais, aparar arestas. Não dá para simplesmente ignorar toda essa realidade e atropelar. Por outro lado, é fato que a ministra Dilma tem oposição, mas não tem adversário, o que é positivo para ela, principalmente se considerarmos novamente a estratégia plebiscitária, pois permite que a candidata caminhe sozinha e ocupe espaços importantes.
O PMDB vai cumprir o acordo que estabeleceu com o PT?
É preciso lembrar que dessa vez o acordo foi fechado pela executiva nacional do PMDB, quase que colocando o deputado federal Michel Temer como vice. Figuras como o ex-governador Orestes Quércia acabaram ficando isoladas. É verdade que o PMDB é um partido de poder, que está no poder desde o fim da ditadura militar e que vai continuar no governo, independentemente do vencedor da eleição. Mas veja só: uma coisa é chegar ao governo participando da coligação vitoriosa e elegendo o vice-presidente. Daria uma força danada ao partido. Outro cenário bem diferente é participar como subalterno e coadjuvante em uma administração do PSDB. É outro peso, outro espaço. O PMDB vai continuar sendo o fiel da balança, mas parece menos dividido dessa vez e disposto majoritariamente a caminhar com a ministra Dilma.
A esquerda clássica e tradicional seria representada nesse processo pela chamada anti-candidatura do ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL?
É extremamente importante que existam candidatos que apresentem projetos ideológicos mais enraizados, historicamente construídos, coerentes, que mostrem que há ainda outra vida e dinâmica política no país. A disputa no Brasil está caminhando cada vez mais para um grande centro, que ora pende à esquerda, ora se movimenta à direita, dependendo do contexto histórico e da correlação de forças, embora esse centro não mantenha preocupação muito intensa com coerência política, a ponto de Marta Suplicy e Paulo Maluf se sentirem à vontade para fazer acordos políticos em São Paulo, como se fosse a coisa mais natural do mundo. É importante ter um pensamento que exponha de fato e com clareza a necessidade de ideologias, que denuncie essa tendência despolitizante de movimentos ao centro. Acho equivocado chamar essas forças políticas contra-hegemônicas de radicais, embora reconheça que não têm qualquer viabilidade eleitoral, pois não dispõem de base parlamentar, de tempo de TV e sofrem obstrução dessas forças de centro. O fato é que é muito difícil aceitar que, para chegar ao poder e construir governabilidade e hegemonia, um partido tenha que abrir mão de sua história e bandeiras de luta. O PSDB foi o partido das privatizações, papel que não cabe à social-democracia. O PT fez acordos e pactos com partidos que não fazem parte de sua trajetória de lutas por transformações. É esse o movimento nefasto ao centro que destaco.
Há 20 anos, quando o Brasil voltou a votar para presidente, depois da ditadura militar, o presidente era José Sarney, que fazia um dos governos mais mal avaliados da nossa história, e que tinha a oposição dos dois candidatos que naquele ano chegaram ao segundo turno, Fernando Collor de Melo e Luis Inácio Lula da Silva, que por sua vez representavam projetos antagônicos e se transformaram em ferrenhos adversários. Em 2009, os três estão no mesmo barco, apoiando a candidatura da ministra Dilma. Como explicar ao cidadão a política brasileira?
Eu acho que para o eleitor médio, aquele que recebe até dois salários mínimos, ou seja, para 80% dos brasileiros, esse cenário é batido, faz parte da realidade, não faz muita diferença, pois a política funcionaria assim mesmo. Essas incongruências causam espanto para as classes médias intelectualizadas e para a militância política. É um fenômeno que está associado à construção daquele grande centro desideologizante que citei. É algo típico na história brasileira, marcada pela ausência de rupturas em nome da governabilidade e de alguns avanços, que no caso do governo Lula seriam as políticas sociais. É inegável que a administração petista avança no social, mas é absolutamente conservadora nos aspectos político, bancário, financeiro, não enfrentou a concentração da mídia. São as contradições que se manifestam nesses blocos, que procuram o centro político, e que permitem, por exemplo, que o atual Ministério do Desenvolvimento Agrário tenha fortes ligações com o Movimento dos Sem Terra, enquanto o Ministério da Agricultura defende os interesses do agronegócio. A diferença é que o governo FHC moveu-se do centro à direita, enquanto Lula vai da direita à esquerda, passando pelo centro. De fato, a administração petista traz uma inovação histórica, uma revolução, que é incorporar os pobres, os sindicatos, os movimentos sociais ao poder, o que é positivo para reformar o sistema, mas por outro lado não se dispõe a enfrentar grandes e arraigados interesses. É um cenário complexo, que ainda precisa ser mais bem estudado.