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Entrevista com a psicanalista Carmen Backes, professora da UFRGS

Professora, vivemos um momento de estabilidade econômica, apesar da crise mundial; conquistamos o direito de sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas; o país é destaque em vários eventos internacionais; muitos brasileiros saíram da linha de pobreza. E ainda assim, temos a sensação de que nos jornais, revistas, blogs e mesmo em conversas com amigos, é comum vislumbrar certa descrença em relação ao país. Essa percepção faz sentido?
Faz sentido. Meus estudos não foram comparativos com outros países. O que venho pesquisando é esse olhar sobre nós mesmos, as razões e as consequências dessa ação. O que posso dizer é que o brasileiro se coloca como um habitante de um país colonizado, sob a tutela de um suposto colonizador. Digo suposto porque não estou me referindo ao colonizador histórico que foi Portugal, mas sim a qualquer povo ou nação que exerça esse papel de dominador, colonizador. Pode ser, portanto, a Europa toda, ou os Estados Unidos mais recentemente. O fato é que esse olhar colonizado dá uma sensação de menos valor.

Mas já somos uma nação independente há quase 200 anos, com uma identidade que começa a ser construída há mais de cinco séculos. Por que essa percepção não mudou?
Nós não vamos colocar o Brasil no divã, mas é possível fazer um paralelo entre a trajetória histórica e a trajetória individual, social. E quando a gente estuda psicanálise, nossa atenção se volta para a História também, porque essa vivência histórica, mesmo que seja muito, muito longínqua, faz parte e está presente no psiquismo. Se a gente leva isso em conta, a gente começa a entender que os 500 anos não nos separam do nosso passado colonial, mas nos unem a ele. Essa lembrança está ainda muito forte e é um fator constitutivo da personalidade brasileira. Junto com isso, temos também a composição do nosso povo, formado por etnias bem diferentes e que – às vezes – foram obrigadas a se unir à força. Não é muito fácil lidar com essa origem.

E essa percepção que o brasileiro tem de si mesmo e de seu povo influencia cotidianamente no pensamento e na ação das pessoas?
Diretamente. A gente não separa o que vem das pessoas, diz até aqui veio do indivíduo, daqui para frente veio da sociedade. Os dois estímulos existem juntos e são de alta abrangência. Ou seja, se uma pessoa é descrente, o grau de investimento dela no trabalho, nas ações sociais e no voto irá revelar essa postura de descrença.

É essa postura, além de não reconhecer os avanços do país, ainda leva parte dos brasileiros a creditar todas as mazelas na conta do governo? De um buraco na rua, ao surto de dengue, passando pelo trânsito e chegando à corrupção?
Essa é uma postura bem comum mesmo. A população espera que o governo provenha tudo, como um filho, uma criança, que almeja que seu grande pai supra todas as suas necessidades. É uma postura bem infantil mesmo. Os adultos, ou as pessoas maduras, agem de maneira a solucionar os problemas elas mesmas, não esperam que a solução caia no colo. E ainda sobre essa postura podemos dizer que ela influencia diretamente o voto. Pessoas que esperam milagres dos governos votam nos candidatos que se apresentam como os grandes pais salvadores.

Votam em candidatos que prometem cuidar de seus filhos e prover o paraíso na terra. Mas, quando não cumprem o prometido...
Os eleitores voltam a se queixar. Muito disso que a gente identifica como insatisfação e descrença no país vem dessa postura que a gente chama em psicanálise de queixoso. Os queixosos são aqueles que reclamam de tudo, para quem nada está bom nunca, se sentem menores abandonados e têm certeza de que o outro, seja o governo, sejam as outras autoridades, lhes deve alguma coisa. Os queixosos também vêem nas autoridades a salvação para as mazelas. Veja como isso lembra a questão colonial. A metrópole devia nos prover de tudo. Não podíamos ser independentes nem autônomos. Um rei que fica lá longe é quem manda para o povo os produtos e serviços que vão saciar as necessidades. A gente vê muitos desses queixosos na imprensa, entre os formadores de opinião...

E mesmo com a reflexão que vem de fora, que diz que o país acertou em alguns pontos, teve vitórias importantes, nem assim a gente muda o que achamos de nós mesmos?
Muda sim, muda um pouco. Alguns desses jornalistas, formadores de opinião, relativizam suas críticas, escolhem melhor as palavras. Mas não vejo isso como uma conquista. Mudar de opinião sobre si mesmo só porque alguém de fora pensa assim é algo grave. É uma maneira de lidar com as coisas que só reforça a sensação de que o que vem de fora vale mais. Que a opinião do outro sobre mim tem mais valor do que minha própria percepção. Essa é também uma atitude colonizada.

E a senhora acha que é possível mudar essas posturas tão arraigadas?
Acho que não temos essa obrigação de mudar. Mudar significa deixar de ser quem somos e nos obrigar a inventar um novo predicado. E o Brasil já tem tantos: somo felizes, sensuais, bons de bola, sambistas natos. Menos do que buscar a mudança, acho que o ideal seria buscar a reflexão, o pensamento interrogativo. Um exercício mesmo de se conhecer, de entender a razão das coisas. Talvez brote algo novo dessa reflexão. Talvez não. Só entrando nisso para ver o que acontece. Ou seja não é uma dívida. Não temos nenhuma obrigação de sermos diferentes do que somos. Então a primeira providência é entendermos como somos e quem somos. A segunda é promover uma reflexão a partir de dentro, a partir de diretrizes brasileiras, para conhecer e analisar esses predicados que nos atribuem. E nesse ponto entram a imprensa e a escola, como fomentadores de um exercício de reflexão a partir de dentro. Imagine professores trabalhando isso com crianças e adolescentes, desconstruindo estereótipos, permitindo um pensamento novo, ventilado sobre quem somos. Trabalhar na mídia e na escola é uma ótima maneira de fazer chegar às crianças e aos pais e, assim, à sociedade toda, essa possibilidade de repensar quem somos, em que somos um fracasso, em que somos muito bons. É uma boa forma de debater, afinal, o que é hoje ser brasileiro.

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