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Para entender a corrupção

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Na quinta-feira, 11 de fevereiro, véspera do Carnaval, quando os brasileiros já se preparavam para aproveitar o feriadão e se esbaldar com a folia, um fato inédito na história política brasileira surpreendeu e abalou o país. O então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (agora sem partido, mas até recentemente filiado ao Democratas), teve sua prisão decretada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Seus advogados entraram logo em seguida com pedido de habeas corpus, que lhe foi negado na sexta-feira, dia 12, pelo ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Arruda viu-se obrigado a passar a festa de Momo na prisão, em um prédio da Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília.

A prisão de figura tão ilustre e importante da República chamou a atenção por pelo menos duas razões principais. A detenção de um governador em tempos de democracia é a primeira delas. Isso nunca tinha sido visto no Brasil. Na ditadura militar, sim, chegou-se a prender governadores, arbitrariamente. Miguel Arraes – de Pernambuco –, por exemplo, foi uma dessas vítimas dos desmandos dos generais. Mas – e é relevante repetir, por conta da força simbólica da situação – foi a primeira vez que a medida foi adotada em plena vigência de regime democrático. Em segundo lugar, há certo assombro que se manifesta por conta da justificativa apresentada pela justiça para determinar a prisão. Arruda é acusado de tentativa de suborno. Disposto a abafar e obstruir as investigações sobre um amplo esquema de corrupção e de pagamento de propinas que teria ajudado a instalar na capital federal, e dos quais seria um dos líderes, o ex-governador teria oferecido, por meio de mensageiro, duzentos mil reais ao jornalista Edmilson Edson dos Santos, uma das principais testemunhas a denunciar o “panetonegate”, como ficou popularmente conhecido o caso. Em uma das imagens mais emblemáticas do escândalo, que se fixa no imaginário popular como um dos símbolos da terra de ninguém em que se transformou Brasília, Leonardo Prudente, deputado distrital (também do DEM) e então presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, aparece em um vídeo escondendo na meia o dinheiro sujo recebido.

“O episódio todo surpreende porque a gente acompanha duas percepções muito fortes arraigadas entre os brasileiros: a de que a política é um mar de lama, e a de que os casos de corrupção nunca são punidos por aqui. O que esse acontecimento mostra é que a corrupção está presente sim no jogo político do Brasil, mas que as instituições de combate a essa prática estão trabalhando. E muito”, avalia o coordenador do Centro de Referência do Interesse Público (CRIP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leonardo Avritzer. Ele organizou, junto com os também professores da federal mineira Newton Bignotto, Juarez Guimarães e Heloísa Starling, o livro “Corrupção: ensaios e críticas”, que foi lançado no final de 2009 pela editora da UFMG. A obra se propõe a ser um marco na análise das raízes e dos efeitos da corrupção no Brasil e se apoiou em pesquisas que o CRIP vem desenvolvendo desde 2005. O ponto de partida para os trabalhos foi o diagnóstico que os pesquisadores do Centro fizeram a respeito da percepção da corrupção no país. “Analisando as respostas dos surveys [amplas pesquisas de opinião da população, neste caso feitas em parceria com o Instituto Vox Populi] que realizamos em 2006 e 2007, o que notamos é que há um esgotamento no tratamento que é dado à corrupção. É como se a cada tempo aparecesse um caso novo, e outro e outro, e os anteriores vão sendo esquecidos”, explica o autor. O livro pretende assim contribuir para aprofundar o entendimento que se tem desse fenômeno, antes que ele caia de vez na vala comum da banalização, o que faria da corrupção uma prática “natural”.

É fácil perceber que os pesquisadores mineiros delegam aos meios de comunicação um papel crucial nessa percepção construída sobre a corrupção. Segundo Avritzer, “é um ponto muito positivo a exposição dos casos de suborno, propina e abusos. Acontece que há também uma estagnação na cobertura e no relato. A imprensa para por aí e, na cabeça dos brasileiros, tudo fica por isso mesmo”. Muitos artigos do livro mostram exatamente essa sensação de que nada acontece aos políticos corruptos. O professor da UFMG completa: “porque falta teoria para o trabalho da imprensa. Ninguém conta para o público de onde vem essa prática, porque ela está tão arraigada assim, quem investigou e denunciou e por que e que fim têm aqueles que lesam o bem público”. Ou seja, as narrativas são superficiais, fragmentadas, e as histórias não se completam. O objetivo do livro recém-lançado é, então, exatamente preencher essa lacuna e assim ajudar a ampliar o entendimento da população sobre a corrupção.

Entender a corrupção
Para cumprir a meta, Avritzer conta que os organizadores dividiram a obra em três grandes eixos temáticos. O primeiro se debruça sobre o(s) conceito(s) de corrupção e descarta de cara a noção de que ser corrupto está na natureza do brasileiro. “Para nós, essa afirmação está totalmente equivocada. A corrupção não está na identidade dos brasileiros. Está sim associada ao funcionamento da cultura política no país”, afirma. Assim, a cada artigo dessa primeira parte, os pensadores vão apresentar como esse jogo se dá e onde, nele, estão as brechas que permitem a prevaricação. “Uma das formas mais recorrentes está no dinheiro do financiamento de campanhas. Grande parte dos casos que chega ao conhecimento do público nasce da forma pouco transparente como as campanhas políticas são patrocinadas no país e, enquanto esse sistema não mudar, a corrupção terá um campo fértil”, lembra. E embora o funcionamento do sistema político tenha alcançado novos contornos depois da redemocratização, os casos de desvio de dinheiro e auto-favorecimento continuam aparecendo. Ou seja, as reformas no campo político seriam um meio de reduzir as chances de a corrupção acontecer, segundo o organizador.

A segunda etapa de discussão diz respeito ao debate sobre a presença da corrupção na cultura brasileira. Em outras palavras, fala sobre como o brasileiro encara o fenômeno. Nas pesquisas realizadas pelo CRIP, os resultados mostraram que os entrevistados acham que a corrupção é algo grave e não recente. Percepção acertada, segundo os pesquisadores, já que há relatos de corrupção desde a chegada dos portugueses ao Brasil. Mas os entrevistados também afirmam que prevaricar é inerente ao jogo político. Eis aqui um equívoco importante que reside na cultura. Embora via de regra tenha sido assim no Brasil, corrupção e política não precisam andar juntas. E para desligar uma da outra, é preciso investir naqueles mecanismos de transparência já mencionados e na mudança da postura dos cidadãos do país. Há alguns pontos aí que o livro estuda com mais profundidade. O pouco caso com o que é público é um deles. “É muito comum os brasileiros darem pouco valor ao que é público, como se os aparatos não pertencessem a cada um, ou como se fosse problema dos outros e não de cada um”, explica Leonardo Avritzer. Segundo o professor, isso se reflete na destruição dos bens públicos, na crença de que o Estado é quem deve prover tudo e até no voto. “Existe um desejo grande de renovação. Nas casas legislativas, a cada eleição, o plenário muda bastante, como se os eleitores não quisessem repetir os mesmos erros e reeleger os corruptos. Mas, apesar disso, as pessoas não sabem como se combate a corrupção, não conhecem os caminhos e acham que não está nas mãos delas”, completa.

Mas está. E isso é o que mostra a terceira parte do livro “Corrupção: ensaios e críticas”, dedicada a refletir sobre os mecanismos e às instituições de controle das práticas corruptas. Para os idealizadores da obra, existe no país um aparato sofisticado e eficiente de órgãos e redes que trabalham justamente para impedir, investigar e até punir os prevaricadores. A Polícia Federal e o Ministério Público seriam os dois principais expoentes nessa luta. Boa parcela do que chega às páginas dos veículos jornalísticos quando o assunto é suborno, propina e favorecimento ilícito foi denunciado pelas duas instituições. Ao lado delas estão as ONGs, as outras polícias, as auditorias e tantas outras instituições da democracia. Para os autores, o Poder Judiciário é a parte integrante do sistema que em geral não funciona. Não faltam denúncias, autuações e investigações, mas a finalização dos casos costuma ser ineficaz, porque os corruptos no mais das vezes não são punidos. E a percepção social majoritária que se consolida é a da impunidade, ou seja, a falsa ideia de que vale a pena ser corrupto. E, se esses mecanismos todos de combate existem e até trabalham bem, por que as pessoas não sabem? Por duas razões, de acordo com Avritzer: “A cobertura da mídia poderia sim mudar de caminho e, em vez de carregar as tintas no crime e no criminoso, deveria dedicar-se a relatar como foi o caminho até aquela denúncia, ou até aquele flagra. E depois acompanhar o que foi acontecendo ao corrupto, exigindo que ele seja punido”, explica. Resumindo: é preciso apostar menos no pontual e no factual para buscar antecedentes e desdobramentos. O próprio pesquisador completa: “outra maneira é a educação bem básica mesmo. Os brasileiros precisam ser educados em relação a questões elementares, como o que é aceitável e o que não é”.

O coordenador do CRIP se refere mais especificamente a um traço – esse sim cultural – que manifesta certa leniência com práticas incorretas. “Abuso de autoridade é totalmente rechaçado pelos entrevistados do survey, mas invasão de terras do Estado por grupos pobres é até bem tolerado. Ou seja, os limites são pouco claros aqui”, explica. Para essa falha, a explicação de Avritzer não podia ser mais simples. Ele e os outros autores do livro destacam a necessidade premente de educação para o espírito público. Na sala de aula? “Também nas escolas e nas aulas sim. Nossa percepção é de que em nível fundamental e médio, os estudantes precisam ser bem preparados para dar importância ao público, ao que é de todos e de cada um, ao que depende do outro, mas de mim também”, reforça.

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