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Ciência e cidadania

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Está escrito na contracapa do livro A longa marcha dos grilos canibais que “a ciência não é um assunto para sábios sisudos”. A narrativa científica é, antes, de acordo com Fernando Reinach, autor da obra, “uma maneira de ver e entender o mundo”. Não é a única, claro, mas tem características singulares e especiais. Reinach fala com a autoridade de quem é biólogo, foi professor do departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores do projeto que sequenciou o genoma da bactéria Xylella fastidiosa (causadora da praga do amarelinho), e atualmente é um dos diretores da Votorantim Novos Negócios.

Há cinco anos, o pesquisador escreve uma pequena coluna no jornal O Estado de S. Paulo, onde comenta artigos publicados em revistas de divulgação científica e procura traduzir, explicar e contextualizar conceitos e descobertas – às vezes até bem complexos – com uma linguagem que escapa do tradicional hermetismo acadêmico e apresenta os experimentos de forma sedutora e saborosa, quase como um convite para o desbravamento do mundo. O primeiro texto do livro – justamente uma compilação das colunas publicadas pelo Estadão – destaca o extermínio de cabritos em Galápagos, o arquipélago que no século XIX forneceu dados importantes para os estudos desenvolvidos pelo naturalista britânico Charles Darwin, pai da teoria da evolução das espécies. Ali no conjunto de ilhas, especialistas em Ecologia financiados pela Organização das Nações Unidas (ONU) mataram cabras e cabritos, em nome da manutenção da harmonia do ecossistema nativo. Esses animais, estranhos àquela região e registrados em grande quantidade, estavam acabando com o equilíbrio da cadeia alimentar de Ilha Isabela, por exemplo. A solução encontrada pelos estudiosos foi acabar com os “invasores”. São colunas como essa, baseada em artigo publicado em 2005 na renomada revista científica Science, que compõem o livro, preocupado em “contar menos sobre os resultados dos estudos selecionados e mais sobre o chamado método científico”, diz o autor, em entrevista exclusiva ao site do SINPRO-SP.

Modus operandi
Reinach, aliás, como um cientista rigoroso, retoma a todo instante a questão do método. Investigar o mundo a partir de um método é, por essência, o modus operandi da ciência. E é esse caminho que o escritor procura revelar para os leitores de sua coluna e, agora, também do livro. Para alcançar esse objetivo, o biólogo tem disponíveis apenas três mil caracteres, pouco mais de duas páginas escritas em um editor de texto qualquer. Nesse espaço pequeno, “como se falasse com o filho de dois anos”, ele apresenta a pesquisa que vai comentar, identifica o atual estágio de outros estudos relacionados ao tema em discussão, reflete sobre o experimento que foi feito, comenta os resultados alcançados e, por fim, indica a bibliografia de referência. Não estranhe o leitor se esta estrutura descrita acima soar familiar. “Essa receita é a mesma seguida pelos artigos acadêmicos, com a diferença de que os meus textos são feitos para o leigo, o público leitor do jornal”. Por serem curtas e saborosas, acessíveis e inteligíveis, muitas vezes as colunas são usadas por professores para despertar a atenção ou o interesse dos alunos para uma disciplina que vai ser trabalhada e discutida em sala de aula.

Se as colunas de Fernando Reinach não são artigos científicos, também não se pode classificá-las como matérias jornalísticas. “Em geral eu não falo sobre os mesmos assuntos que estão nas manchetes dos jornais. Esses já estão contemplados na imprensa. Os textos que faço são sobre os outros temas. Além disso, eles não destacam as conclusões e as descobertas, as novidades, como as matérias costumam fazer. O foco é o experimento, é o fazer científico propriamente dito”, diferencia. É assim, por exemplo, que o autor narra, com a tranquilidade de quem conta uma história bem interessante para uma criança bem curiosa, que existe uma espécie de grilo – os Anabrus – que percorre grandes distâncias, em velocidades surpreendentes. Essa história, que dá nome ao livro, fala de insetos que partem em busca de comida. O estranho é que o alimento desses grilos são os companheiros de marcha. Os que seguem atrás na coluna tentam devorar os que estão no início da fila. É o medo, portanto, que faz esses animais andarem tão rápido. E como despertar a vontade de perguntar é também uma das tarefas de um cientista, Reinach instiga o leitor de tal maneira que a indagação parece inevitável: por que então os grilos não se afastam dessa horda canibal? E é o próprio escritor quem responde ao longo do seu texto: “A resposta vem dos experimentos que demonstram que um grilo fora do bando se torna presa fácil para os pássaros, que adoram devorar grilos. Entre o medo dos pássaros e o medo dos que vêm atrás e a vontade de comer os da frente, a solução é caminhar cada vez mais rápido”.

Ciência para examinar o mundo
A ideia por trás das colunas de O Estado de S. Paulo não é apenas, segundo o diretor da Votorantim Novos Negócios, aproximar os leitores do universo da ciência. O intuito primeiro é apresentar a ciência como uma maneira de examinar o mundo, que tem critérios próprios, como as hipóteses, os experimentos exaustivos e as conclusões que, compartilhadas com outros estudiosos, possibilitam a construção do conhecimento. Parece interessante, não? Então por que parcela dos leitores que escrevem para Reinach relata que entende muito pouco ou quase nada de ciência? Ou, ainda, por que boa parte dos alunos apresenta dificuldades com as disciplinas científicas, como química e física?

O problema, segundo o autor, é que uma narrativa que poderia ser uma estrada sedutora, cheia de investigações e mistérios solucionados, muitas vezes flerta com o discurso religioso, e é ensinada de maneira dogmática para as pessoas, algo como “decore porque é assim”, sem as devidas explicações e discussões sobre processos, o que faz a ciência perder a maior parte do seu sentido – e de seu charme. “Muitas vezes o professor de ciências tem muita coisa para ensinar em pouco tempo. Diante da impossibilidade de explicar o método e os experimentos que levaram àquelas conclusões, a ciência é transformada em lei, que o aluno tem de engolir. O professor vira então um pregador, e o aluno, um fiel. Torna-se uma questão de acreditar ou não no que o professor está falando”, avalia o biólogo.

Certamente não é esse o caminho defendido pelo autor – nem a estrada que ele pretende construir em sua produção. “Quando você ensina às pessoas que existe um método por trás da conclusão, que experimentos foram feitos, que os resultados são fruto de pensamento e esforço paciente e persistente dos cientistas, elas passam a olhar para o mundo de um jeito diferente”, conta. E completa: “e quando essa maneira de explicar os fenômenos é repetida, enfatizada, você ajuda a formar cidadãos mais críticos, que não aceitam uma verdade revelada, ou imposta. Se é verdade, me prove com argumentos e experimentos”. Ciência é, então, ferramenta para a cidadania, na opinião de Reinach. E o autor de A longa marcha dos grilos canibais vai além. Há situações em que o debate baseado na ciência pode render avanços na condição e na qualidade de vida das pessoas, porque quando as discussões – políticas e econômicas inclusive – saem do nível do achismo e entram no nível da verdade sustentada com argumentos, todos têm a ganhar. “Da medição do grau de absorção de água da chuva de uma calçada supostamente ecológica, nos Estados Unidos, à liberação do uso de células-tronco embrionárias no Brasil, o teor da discussão fica muito mais rico e complexo, menos simplista e reducionista, e também as decisões podem ser tomadas a partir de outro patamar de consciência”, exemplifica. Ao comentar o peso e o estatuto que as verdades idealizadas pela narrativa científica assumem – talvez mais elevados e respeitados –, Reinach diz que “uma das vantagens da ciência é a possibilidade de outra pessoa testar o experimento e comprovar ou não a veracidade da conclusão”. Além disso, a narrativa científica trabalha com o princípio da refutação, e se constrói a partir de uma sucessão de verdades provisórias.

Mas há ainda outras razões para estudar e ensinar ciência, de acordo com o biólogo. Todo ser humano – mesmo que diga que não gosta da área – tem um quê de cientista. “Quando você passeia pela rua e tenta entender por que as árvores são plantadas numa distância regular em relação à próxima árvore, aí você liga para a prefeitura e eles dão uma explicação qualquer, você já agiu um pouquinho como cientista, ou seja, você buscou entender como as coisas são feitas, ou criadas”, explica Reinach. Para ele, as crianças têm muito forte essa faceta que busca entender o funcionamento de tudo e, se a escola fizer seu papel, muitas crianças-cientistas virarão jovens cientistas, porque fazer experimentos é prazeroso, e descobrir coisas é ainda mais prazeroso.

E essa noção não pode ser suplantada por outra, da qual aliás Reinach não gosta nem um pouco – a visão utilitarista da ciência. Obviamente, parte representativa do conhecimento acaba se transformando em algum benefício concreto para a sociedade, e os avanços tecnológicos e os novos medicamentos e tratamentos clínicos são um bom exemplo dessa dinâmica. Esse desenvolvimento é fundamental para o progresso das nações. Mas ele não deve ser a única razão do fazer científico. “Existem milhares de estudos sendo feitos no mundo todo e que servem apenas para matar a curiosidade humana. Saber quais eram as cores das penas dos dinossauros não vai levar à fabricação de nenhum produto, mas sacia uma grande curiosidade humana, responde a dúvidas e, certamente, rende novas perguntas a serem respondidas”, defende.

Esse jogo de pergunta-resposta e de estímulo à investigação, ao desejo de saber, é que deve ser trabalhado nas escolas. Afinal, perguntar é a melhor maneira, segundo Reinach, de formar cidadãos com visão crítica da realidade.

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