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Pesquisadores alertam: consumo de álcool e tabaco entre jovens é elevado

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Nem crack, nem ecstasy. Quando o assunto é drogas, meninos e meninas de 12 a 18 anos, estudantes da rede privada de ensino da cidade de São Paulo, consomem fundamentalmente álcool e tabaco. Essa foi a principal conclusão a que chegou um estudo coordenado pela psicóloga Ana Regina Noto, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid).

Trabalhos similares a esse vêm sendo realizados com alunos das redes públicas de ensino de todo o país há muitos anos, mas não havia até então uma iniciativa semelhante em relação aos adolescentes das escolas particulares. “Tradicionalmente as públicas são mais abertas a estudos como esse, talvez porque façam parte de um sistema municipal ou estadual. As privadas se mostravam mais fechadas, mas nessa pesquisa conseguimos parcerias muito ricas. Os resultados mostram isso”, conta Ana Regina.

O levantamento ouviu mais de 5 mil alunos de 8º e 9º anos do ensino fundamental e de todas as séries do ensino médio, de 37 escolas da capital paulista, numa amostra cuidadosamente construída e bastante representativa, porque preocupada em respeitar as características do perfil da população paulistana, como classe socioeconômica, idade e gênero. A primeira informação que saltou aos olhos da equipe do Cebrid foi a proporção de estudantes que haviam consumido álcool: 40% deles tinha bebido no mês anterior à pesquisa. Mais alarmante que esse número já bastante alto foi a constatação que 33% haviam bebido num padrão conhecido cientificamente como binge drinking, que significa consumir doses elevadas de álcool, esporadicamente. “Dose elevada é algo como cinco latas de cerveja, o suficiente para deixar um adulto embriagado. Imagine então o que essa mesma quantidade provoca num adolescente de 14 ou 15 anos”, alerta a pesquisadora.

O espanto em relação aos resultados não se deve à diferença em relação ao que é encontrado entre os alunos da rede pública. Aliás, muitas situações são similares nos dois grupos. “O que chama nossa atenção é a grandeza dos números mesmo. Um terço dos adolescentes ter se embriagado pelo menos uma vez no mês anterior ao levantamento é um dado muito significativo”, explica a professora da Unifesp. Embora esse comportamento seja mais frequente entre os estudantes do ensino médio, pode-se encontrar a mesma prática entre os mais jovens, do ensino fundamental. Consumir álcool, além de trazer uma série de prejuízos físicos (cirroses hepáticas, doenças do coração e tumores), expõe os jovens a muitas situações de vulnerabilidade em relação a brigas, acidentes de trânsito e sexo sem proteção, entre outros, segundo a coordenadora do estudo.

A pesquisa mostra ainda que a droga que ocupa o segundo lugar nos hábitos de consumo dos adolescentes do 8º ano do fundamental ao 3º ano do ensino médio é o tabaco, também responsável por doenças pulmonares e cardíacas. Cerca de 10% dos adolescentes tinha fumado no mês que antecedera o levantamento, e o primeiro contato com o cigarro aconteceu em média aos 13 anos e meio. Meninos e meninas fumam na mesma proporção, o que é um diferencial em relação às outras drogas. Os garotos consomem mais álcool; as meninas tomam mais calmantes e ansiolíticos. Em geral, o tabaco chega um ano mais tarde que o álcool, que – eis aqui o dado que preocupou os pesquisadores – não raro é oferecido pela primeira vez por alguém da família. “Nas festas de aniversário, de 15 anos, ou em outras festas familiares, algum parente puxa um brinde e o adolescente acaba consumindo a bebida”, lembra Ana Regina. “Os pais esquecem que, no Brasil, dar bebida alcoólica para menores de 18 anos é crime, seja para seu filho,ou para um amigo de seus filhos”. O mesmo vale para venda ou oferta de cigarros a jovens.

Possíveis fatores
As informações sistematizadas pelos pesquisadores levam à seguinte pergunta: o que incentiva 40% dos meninos e meninas a consumir álcool, 33% deles a se embriagar e 10% a fumar cigarros? A professora da Unifesp defende que não é possível estabelecer tais fatores de forma tão impositiva. “Não dá para afirmar que comportamentos são determinados por essa ou aquela razão. O que podemos fazer é listar os fatores de risco que aumentam a vulnerabilidade ao álcool, ao tabaco e às drogas ilícitas”, diz. O primeiro ponto é o sexo. Garotos bebem mais, fumam mais maconha e usam mais outras drogas mais pesadas. Quando o assunto é tabaco, o risco é igual para ambos os gêneros. E as meninas ganham no uso de calmantes. “Aqui vale a pena alertar pais e professores que o uso desses medicamentos controlados costuma acontecer por volta dos 14 anos e, em geral, se dá porque alguém da família oferece para a adolescente”, alerta Ana Regina.

Aliás, repetidas vezes, o que acontece em casa faz a vulnerabilidade aumentar. A pesquisadora exemplifica contando que “pais separados – embora a gente tenha muito cuidado em divulgar esse dado – e membros da família que se embriagam fazem crescer o risco de um jovem se expor ao álcool”. O cuidado que a professora faz questão de reforçar se deve ao perigo de se estabelecer uma associação simplória, construindo a falsa equação “casamento desfeito é igual a filho viciado em droga”. “Não é assim. Encontramos meninos e meninas que consumiram tabaco, bebida alcoólica e drogas ilícitas tanto em famílias com pais casados quanto divorciados”, explica.

Além do sexo e do exemplo familiar, as saídas noturnas também aumentam significativamente a vulnerabilidade dos adolescentes. De acordo com Ana Regina, estudantes que saem demais à noite têm mais chance de se envolver com álcool, tabaco e os riscos que esse consumo oferece. “O problema é quantificar e impor limites. O que a gente já sabe – não está neste estudo, mas outros mostram bem – é que adolescentes que ficam tempo demais sozinhos, sem apoio e supervisão de adultos, ficam expostos a mais riscos”. Condição financeira e religião parecem ser os dois últimos fatores de proteção ou fragilidade em relação ao consumo de drogas. Se confiar em Deus em geral protege da exposição ao álcool, ao tabaco e aos outros entorpecentes, ter uma mesada gorda e um padrão de vida familiar elevado está diretamente ligado a um consumo exagerado das substâncias. Ou seja, quanto mais dinheiro a pessoa tem, mais ela tende a beber e a fumar. “A relação é claríssima na pesquisa”.

Drogas lícitas e ilícitas
Embora não tenha sido objeto específico desse estudo do Cebrid, o levantamento sugere que a relação entre as drogas lícitas e as ilícitas pode até existir, embora essa não seja uma ponte direta e obrigatória. “A gente sabe que quem não consome álcool e cigarro em geral também não consome as outras drogas”, explica a pesquisadora. Os números apurados pelo trabalho caminham nesse sentido. Maconha, por exemplo, tinha sido consumida por cerca de 5% dos meninos e 2,5% das meninas no mês anterior ao levantamento. Acetona, gasolina, lança perfume, loló e outros inalantes, além de cocaína, ecstasy, crack e LSD, também foram citados pelos entrevistados, mas representaram frações muito pequenas. “O que a gente está dizendo é que 80% dos estudantes do fundamental e 70% dos alunos do ensino médio jamais consumiu qualquer outra droga que não tabaco ou álcool”, sinaliza a coordenadora do estudo.

Essa informação leva a outra conclusão da pesquisa: é possível cuidar dos adolescentes, educá-los, protegê-los e oferecer a eles uma vida mais saudável e com menos riscos relacionados ao consumo de drogas. Ana Regina cita alguns dos caminhos para conseguir essa realidade. Segundo ela, a família que deixa o jovem sozinho demais e exposto demais está promovendo a vulnerabilidade. Muitos pais ficam indecisos na hora do brinde, se oferecem champanhe ou não aos amigos do filho aniversariante. “Para facilitar, basta pensar que a lei não permite. Limite a gente pode até negociar com o adolescente, mas não dá para abrir mão do aspecto legal. Se a lei não permite, por que vamos infringi-la em casa?”, reflete. Conversar muito, não desistir jamais de estar ao lado do adolescente, por mais que ele pareça querer se afastar dos pais e da família. “Os pais não sabem, mas ainda são – e serão sempre – as figuras de referência dos meninos e meninas. O que eles fazem, o que pensam e as conversas que têm com os filhos têm a maior importância”, reforça a coordenadora. Por isso mesmo, ressaltar as habilidades, mostrar para o adolescente que ele está num período de transição, que ele tem um futuro pela frente, que ele é ou pode ser muito bom em muitas coisas seria a melhor forma de prevenção, de acordo com a pesquisadora.

Ana Regina lembra que mesmo que os estudantes de 8º, 9º ano e das séries do ensino médio pareçam muito maduros e donos dos próprios destinos, eles ainda são facilmente manipuláveis por propagandas, por exemplo. “Sou contra, totalmente contra propaganda de qualquer bebida alcoólica. Essa não é uma sugestão da pesquisa, é a opinião de quem trabalha há muitos anos com o estudo de entorpecentes. Eles não têm noção do que está envolvido quando são convidados a beber”.

Além disso, a mensagem que o País passa em relação a esse tema é dúbia, provocando uma brecha no posicionamento individual em relação às drogas. Por um lado, a polícia prende e age com a maior violência com quem vende drogas, mas o governo permite comerciais que associam cerveja a esportes e à sedução. Uma contradição. E exatamente aqui entra a escola, que funcionaria como mais uma instância de alerta e prevenção dos riscos que as drogas representam.

Realidade das escolas particulares
E os colégios da rede particular parecem estar ávidos por companhia nessa toada. Quando foram dar o retorno e contar as conclusões nas 37 escolas que participaram do levantamento, os pesquisadores se depararam com professores e diretores que diziam se sentir muito sozinhos. “As escolas públicas, bem ou mal, fazem parte de um sistema educacional, com políticas e diretrizes mais bem definidas. As particulares, não. Por isso mesmo elas sentem falta dessa troca com os pares e com as autoridades educacionais”, conta Ana Regina. Essa situação se agrava quando o foco muda para as famílias. “Sempre no relato dos professores e corpo diretivo, ou a família entrega o adolescente para ser educado pela escola, ou não aceita dividir com a escola a educação do estudante. Os pais que topam essa parceria, em geral, têm filhos menos expostos a riscos de todos os tipos”, completa.

Os pesquisadores sugerem assim que os educadores negociem com as famílias como vai ser a administração dos riscos. “O que percebemos é que a escola quer sim ajudar, participar, ser uma boa influência, mas quando se comunica com os pais, acaba acusando, apontando que o filho deles – e não o nosso aluno – está abusando. Coisas assim afastam os pais do colégio e isso não ajuda ninguém”. Ter uma postura educativa, ao contrário, funciona. “Vamos lembrar das proibições todas relacionadas ao tabaco. Esse estudo de agora não mostra, mas outros já apontaram que o consumo de cigarro já caiu entre os jovens. Então dá certo sim”. Segundo os pesquisadores, se o País adotasse a mesma postura em relação ao álcool também seria um grande avanço, pelo menos para esse grupo de estudantes de escolas particulares. Ana Regina cita a campanha do governo federal para o combate ao crack e explica que evidentemente é uma questão séria a ser resolvida, mas para esse público de estudantes, o problema é outro. “Crack é incompatível com escola. A dependência acontece muito rapidamente e o consumidor acaba largando os estudos. É, portanto, um mal que atinge outros grupos sociais e não os adolescentes que vão à escola, seja pública ou particular”.

Por fim, a psicóloga lembra que quando os personagens principais de qualquer história são os adolescentes, há que se levar em conta as peculiaridades dessa fase da vida para se tomar qualquer medida. Entre os 12 e os 18 anos, meninos e meninas ficam sim mais distantes da família, mais irritadiços, têm oscilações de humor e podem sofrer de baixa auto-estima. Tudo isso favorece o contato com drogas que causam bem estar, que dão prazer e minimizam o desconforto que é virar adulto. Por isso, qualquer campanha preventiva do uso de drogas deve levar em conta que crescer dói mesmo, mas que quando os adultos e as instituições apontam as qualidades, lembram aos jovens que eles têm habilidades e que devem desenvolver projetos de vida e, por outro lado dão exemplo e cobram disciplina e determinação, essa etapa tende a ser menos sofrida e, portanto, tende a poupar o adolescente de situações de risco.

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