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O encontro da ciência, da educação e da internet

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Já faz algum tempo que o biólogo Gabriel Cunha se dedica à divulgação científica, esforço realizado por jornalistas, cientistas e formadores de opinião para traduzir, explicar e contextualizar para a sociedade o andamento e o resultado das pesquisas científicas e o caminho que seguem até se transformar em inovações tecnológicas. Cunha, que é doutorando pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), atua mais diretamente nesse movimento escrevendo textos para o blog RNAm, que por sua vez faz parte do Scienceblogs, um condomínio de blogs científicos que segue normas e padrões internacionais.

Desde fevereiro último, no entanto, o pesquisador resolveu aprofundar sua participação e conjugar divulgação científica – ou melhor, a parte mais saborosa dela, que seleciona o que há de mais interessante nesse universo para contar para o público – e a educação científica. “Eu não queria apenas fazer mais um blog de educação, porque esses já existem em boa quantidade e com boa qualidade. Minha vontade era fazer divulgação científica especificamente voltada para o professor”, diz o biólogo. E assim nasceu o Ciensinando (www.ciensinando.com.br), que tem a preocupação de em primeiro lugar trabalhar com o que há de novo e palatável na ciência e paralelamente explicar os conceitos básicos dessa narrativa de mundo, porque nem sempre o leitor é especialista no tema. “Esse cuidado em esmiuçar os conceitos é uma das grandes diferenças do Ciensinando. Boa parte dos blogs de divulgação fala de ciência para públicos iniciados, que sabe bem o que é nanopartícula, célula-tronco embrionária ou a conjectura de Poincaré, por exemplo”, explica Cunha, lembrando ainda que seu blog é voltado para estudantes e professores de todos os níveis e não somente para graduados e pós-graduados.

Fomentar a crítica

Outra intenção de Cunha é fomentar a crítica ao que é divulgado na imprensa em relação à ciência. Segundo o autor, nem sempre o jornalista que escreve a matéria, ou que entrevista um cientista, domina o assunto, então deixa escapar a parte mais importante da pesquisa, ou transmite informações equivocadas e alarmistas, exageradas. Assim, a ideia é chamar a atenção do leitor não para o erro propriamente dito, mas para o cuidado com o qual se deve tratar a ciência, seus conceitos, processos, significados e impactos. “Quando a gente explica em linguagem acessível, até as expressões mais cabeludas são bem compreendidas e aí passam a fazer parte do repertório de cada aluno e de cada professor, como, por exemplo, a diferença que há entre gene, genoma e DNA, um engano clássico”.

Foi pensando assim que o autor postou, em 27 de maio, um texto sobre a célula sintética produzida pela equipe do Instituto Craig Venter, que é até agora o campeão de audiência e comentários no blog. O post explicava o feito dos cientistas norte-americanos e ia além, propondo uma visão crítica do feito e alertando que “esse texto sai um pouco da temática do Ciensinando pois trata de um assunto complexo sem antes discutir o conceito por trás da notícia. Apesar disso, é mais um exemplo de como devemos encarar de modo crítico toda a informação a que temos acesso”. Em seguida, no decorrer dos parágrafos, vai mostrando como os jornalistas foram alterando a essência da experiência feita com o genoma sintético, a ponto de chegarem a afirmar, sem meias palavras, que havia sido criada a primeira forma de vida totalmente artificial. “Algo bem distante do que foi feito de fato, que no blog eu explico assim: “Resumidamente, o que o trabalho publicado comunica é o resultado de vários estudos realizados para se conseguir sintetizar um genoma completo e transplantá-lo para uma célula “recipiente” de outra espécie de bactéria”, esclarece Cunha.

Em tempo, o engano começa no próprio artigo original em que a pesquisa foi descrita. Os cientistas cometem aquele erro clássico ao qual o blogueiro se referiu: confundem código genético e genoma. “Por isso a gente precisa sempre explicar bem as estruturas fundamentais das ciências. No popular, temos de dar nome aos bois”, defende.

O grande problema é que explicar conceitos e propor reflexão crítica para as informações do cotidiano pode parecer algo enfadonho e até sem sentido. “Mas não é, desde que a gente apresente essas tarefas de uma maneira atraente e comece a prestar atenção nos detalhes”, garante Cunha. Sugerimos que o biólogo ilustrasse como isso é possível e ele foi buscar o post do dia 16 de junho (CSI: Sala de aula – aprendendo Ciência e resolvendo crimes!). A partir de uma das séries de TV mais vistas no Brasil e nos Estados Unidos, Cunha discute os métodos de investigação da polícia científica e ensina a fazer uma experiência que transforma qualquer estudante em detetive.

Vontade de fazer ciência

Essa interface com o que acontece no dia a dia a partir do método científico (a pesquisa, o experimento propriamente dito) leva, segundo o pesquisador da Unifesp, a um desejo de conhecer como as coisas são, como as coisas acontecem, o que está por trás de cada transformação. Em outras palavras, o aluno e o professor se deparam com a vontade de fazer ciência. E isso muda tudo na relação com as disciplinas da área científica. O Ciensinando é cheio de propostas e métodos de investigação que estimulam essa postura em relação à biologia, à química, à física, à matemática e às humanidades também. A bem da verdade, essa maneira de encarar as áreas do saber não é nova. Aliás, é a forma pela qual as crianças se colocam frente ao que é desconhecido no mundo. O desencantamento acontece quando a ciência deixa de ser um caminho para conhecer a vida e o mundo e passa a ser mais uma disciplina burocrática no currículo escolar. Os antídotos para esse envenenamento o resgate da curiosidade que marca o fazer científico: jogos, perguntas, tempo no laboratório, investigação e pensamento crítico. Cunha assegura que dá bons resultados.

“Pensar o mundo de forma crítica é não aceitar goela abaixo as explicações que são dadas como ‘naturais’. Querer saber o por que dos acontecimentos, dos valores, dos postulados é a maneira pela qual a ciência busca entender o que está a nossa volta”, defende o biólogo. E completa: “e é certamente uma boa maneira de formar cidadãos que não aceitam passivamente o que é imposto”. Cunha está no fundo falando de cidadania. Quando os divulgadores de ciência, como os blogueiros e jornalistas científicos, convidam a sociedade a conhecer o universo da pesquisa, da ciência e da tecnologia, estão na verdade fomentando essa forma de compreensão do mundo que, quando bem orientada, termina por criar cidadãos que perguntam e que têm uma visão crítica da vida.

Se a criança é ensinada desde cedo a trilhar esse caminho, certamente vai apreciar as ciências e, mesmo que não siga a carreira acadêmica, vai aproveitar o método científico para construir conhecimento. Mas e se o professor se deparar com uma classe de ensino médio – ou seja, já no fim da vida escolar – totalmente desmotivada para fazer ciência? Ainda dá tempo de reverter o processo? Para Cunha, é possível, e a mudança começa com o professor. “Ele precisa ser um entusiasta da disciplina, precisa ser a ponte entre a vida real e cotidiana e a ciência e isso não é tão difícil quanto há algumas décadas”.

De fato, a cada semana os jornais estampam manchetes sobre mapeamento de DNA, clonagem de célula, novas vacinas, novos componentes de computadores, modelos climáticos, entre outros. Se o professor souber cruzar essas notícias com o conteúdo dado em aula, já será interessante para o aluno. “Se o professor fugir do padrão livro, lousa, datashow e fizer rodadas de perguntas, debates, jogos e muitos experimentos, o aluno vai ter a atenção despertada, com certeza”, diz o blogueiro.

O passo seguinte está nas mãos dos pensadores do sistema educacional do país. Quem desenvolve divulgação científica com objetivo de – mais do que justificar o investimento feito pelo Estado – fazer florescer a cultura científica, de acordo com Cunha, defende que o pensamento crítico, a postura questionadora e a curiosidade deviam ser ensinados e incentivados em todas as disciplinas e em todos os anos, da pré-escola à pós-graduação. Porque, finaliza e reforça o autor do Ciensinando, é perguntando que se faz ciência – e é perguntando que se constroi a cidadania.

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