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Documentário apresenta questões cruciais para entender o Brasil de ontem e hoje

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

A estreia oficial do filme Uma noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil, uma co-produção da VideoFilmes e da Record Entretenimento, aconteceu em abril último, na abertura do festival de documentários É tudo verdade, organizado pelo crítico de cinema Amir Labaki. No entanto, foi apenas após ter entrado em cartaz em circuito comercial, em 30 de julho, que o documentário assumiu a condição de referência para uma série de debates e reflexões, alcançando visibilidade e espaço significativo em grandes jornais, emissoras de rádio e TV e também na internet. A presença do público nas salas surpreendeu e certamente ajudou a fomentar essas discussões. Uma noite em 67 foi o 8º filme mais visto no Brasil durante o final de semana seguinte à chegada aos cinemas – um feito notável para esse tipo de obra cinematográfica.

O documentário narra a história da final do Festival Nacional da Música Popular Brasileira de 1967, realizado pela TV Record. Aquela era a terceira edição do evento que, a cada ano, conquistava mais fãs e revelava artistas e canções que permanecem como referências e trilhas sonoras das vidas de muitos brasileiros, que viveram ou não aquele período da história do país. Entre imagens de cantores e de bandas, intercaladas por manifestações da plateia beirando a histeria e por depoimentos dos protagonistas daquele espetáculo, o filme vai tecendo um cenário efervescente e pujante, passeando pelo que aconteceu e relembrando como um programa de TV pode alcançar a relevância que os festivais alcançaram – e que a edição de 1967, em especial, consagrou.

O publicitário Renato Terra garante, em entrevista exclusiva ao site do Sindicato, que “nossa vontade era proporcionar para o público uma experiência de o que foi aquela final. Nosso foco, portanto, não eram as causas e nem as conseqüências do movimento. Olhamos para aquela noite”. Mas o público sai das salas de cinema com a percepção de que há muito mais em jogo. Todas as questões de fundo dos incomparáveis anos 1960 – que permitiram um “antes e depois” na história recente do país – estão ali colocadas, de maneira mais ou menos evidente. Mas certamente estão ali.

Terra explica que o Festival de 67 foi o escolhido, em primeiro lugar, pela qualidade musical apresentada. De fato, decidir o ganhador numa final que confrontava clássicos e ícones da nossa música, como Edu Lobo, com Ponteio; Gilberto Gil, com Domingo no Parque; Caetano Veloso, com Alegria Alegria; Chico Buarque, com Roda Viva e Roberto Carlos, com o samba Maria, Carnavais e Cinzas não deve ter sido um trabalho muito fácil para os jurados. Nomes como Sergio Cabral, Nelson Motta, Chico Anysio e outros tiveram a tarefa de escolher os vencedores daquela noite. Alguns deles aparecem no filme contando como era o processo de funcionamento do júri e revelando – às vezes entre risos – os bastidores da disputa. O jornalista e escritor Ricardo Cravo Albin, autor do Dicionário Cravo Albin de Música Brasileira, defende em artigo publicado no jornal O Dia em 5 de agosto que “os concorrentes de 67 são até hoje nossas estrelas”.

A segunda razão principal para os documentaristas se debruçarem especificamente sobre o Festival de 1967 é a perspectiva de que aquela edição foi capaz de sintetizar “todas as transformações sociais, políticas, culturais e musicais daquele tempo no país”, conta Terra. De fato, as imagens mostram, as músicas cantam e os entrevistados comentam que, desde as roupas espalhafatosas e cheias de significado dos Mutantes, aos rachas no que já se convencionava chamar de MPB, passando pela emblemática passeata contra o uso de guitarras elétricas, tudo indicava que mudanças profundas estavam acontecendo e seguiriam ocorrendo no Brasil nos anos seguintes. Merece destaque aqui a participação da plateia. Sérgio Ricardo, que ficou conhecido por tomar uma das maiores vaias já registradas num programa de TV e por quebrar e atirar seu violão no público, ao apresentar a canção “Beto bom de bola”, defende em determinado momento da narrativa que talvez, em 1967, o público tivesse virado personagem principal e que provavelmente uma das razões a explicar esse protagonismo fosse a opressão que o regime ditatorial impunha à sociedade naquele tempo. Posicionar-se, manifestar-se, apoiar e até vaiar era, então, uma oportunidade de exercer direitos que a ditadura tirava. Em outras palavras, o que os autores e os personagens do filme sugerem é que a história recente do país pode ser entendida, sob alguns prismas, a partir daquela final de festival.

Experiência nostálgica

Na sessão de exibição de Uma noite em 67 acompanhada pela reportagem do site, o público se manifestou algumas vezes, fez comentários, cantou junto e até bateu palmas. Havia certa alegria e leveza no ar, durante o filme e na saída dele. Para alguns, era também momento de nostalgia, de relembrar e de trabalhar as memórias. “Nós nos preocupamos em oferecer não só informação do que aconteceu, mas uma experiência do clima, dos sentimentos, das emoções presentes no festival”, diz Terra, concordando que – olhando para as sessões que acompanhou e os relatos que ouviu – o público sai animado, conversando, discutindo. Para conseguir esse efeito – embora um documentário não seja de fato uma experiência científica com resultados projetáveis –, o autor conta que todos os elementos do filme trabalham para que o público possa criar significados para cada uma das canções ali exibidas. Aliás, outro ponto alto da obra é mostrar as apresentações praticamente na íntegra, dando outros contornos e sentidos aos trechinhos de imagens que os brasileiros geralmente estão acostumados a ver na TV, quando o assunto é a Era dos Festivais. Conseguir as imagens oficiais e as de bastidores foi possível porque a Record Entretenimento é co-produtora de Uma noite em 67 e cedeu as cenas para os documentaristas recontarem de forma mais detalhada a história daquela noite de 21 de outubro de 1967.

Por falar em História, o produtor musical Solano Ribeiro, um dos organizadores do Festival, publicou artigo no jornal O Estado de S. Paulo de 3 de agosto destacando justamente a consciência dos envolvidos naquele evento a respeito do processo histórico que estavam ajudando a promover. O testemunho de Ribeiro é o primeiro a aparecer no documentário. É a partir da fala dele que o público fica sabendo que o festival era, antes de tudo, um programa de TV, que tinha de ser muito bem feito – até para disputar audiência com as outras emissoras. A partir dessa fala, pode ser questionada a noção que se tinha do fazer e viver a História. No texto do Estadão, o produtor critica a opção dos autores do filme de não levar às telas, na versão final do documentário, a parte do depoimento em que ele garante que essa dimensão existia de fato e era percebida – aqueles protagonistas estavam dispostos a mudar as estruturas vigentes. “O filme mostra o momento e o depois. Falta um antes, cujo teor, embora sido registrado nas quase 12 horas gravadas na minha casa, não foi utilizado na versão final. Falta o relato dos meus papos com Caetano Veloso e Guilherme Araújo (...) das tardes onde Chico de Assis, Rogério Duprat e eu tentávamos fazer com que os The Six Sided Rockers, em seguida Mutantes, tocassem moda de viola em suas guitarras”, ressalta o produtor, sempre no Estadão.

Terra explica que ele e Ricardo Calil tentaram ouvir todas as vozes, porque afinal os protagonistas estão todos vivos, e montar uma história que fizesse o público vivenciar o Festival de 1967. “Fugimos da nossa própria opinião, porque acreditamos que aquilo que os personagens principais têm a dizer é muito mais valoroso. Ouvimos os depoimentos de cada um, temos 70 horas de gravação. Mas a história nunca tem uma versão definitiva. Ela pode ser recontada a partir dos olhares pessoais, a partir do filtro de cada um”, contrapõe. Haveria, segundo ele, vários filmes possíveis a serem feitos, com outros entrevistados e outras leituras inclusive, e que uma das idéias do filme é justamente provocar uma revisão daquele momento, dos significados sociais, culturais e políticos dos festivais, em especial da edição de 1967.

Fomentar o debate é, aliás, a maior contribuição que Uma noite em 67 pode oferecer às escolas, aos professores e aos alunos. “Levar para a sala de aula e propor que o filme seja o início de discussões e de reflexões sobre o período é um dos nossos objetivos mesmo, tanto assim que muitas perguntas levantadas não são respondidas, ficam no ar, permitindo que o público discuta, defenda ideias. E isso é muito bom”

O filme está em cartaz em várias capitais do Brasil e não tem data para sair do circuito. Quem não puder assistir no cinema, pode esperar o lançamento do DVD, em novembro. Renato Terra promete que a versão digital terá vários extras e entrevistas mais extensas, além da execução completa das canções.

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