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Tranquilidade na hiperatividade

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Na edição do último dia 3 de agosto, o jornal O Estado de S. Paulo publicou reportagem que revelava o aumento espantoso na venda de caixas de um medicamento conhecido como Ritalina ou Concerta – de 71 mil unidades, em 2000, para 1,147 milhão, em 2008, o que representaria um salto gigantesco de mais de 1.600%. Essa droga é normalmente usada para tratar a hiperatividade, transtorno que de acordo com a literatura científica internacional acomete entre 5% e 10% das crianças e adolescentes do mundo e prejudica a atenção e a concentração delas, muitas vezes criando obstáculos para o aprendizado escolar.

Os números apresentados chegam de fato a assustar; contudo, a reportagem não indica ou menciona quantas pessoas seriam medicadas em termos absolutos. A informação não é um preciosismo. Representa, segundo a psiquiatra Bacy Fleitlich Bilyk, especialista em infância e adolescência, a medida para que se possa afirmar se existe ou não exagero na indicação da medicação para crianças diagnosticadas com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, a TDAH. “A conta seria simples se a gente tivesse o número de pacientes medicados”, explica Bacy, que também é pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisa do Desenvolvimento, o INPD, ligado ao Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC/USP).

De acordo com o censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no Brasil cerca de 50 milhões de crianças entre 0 e 14 anos. “Agora basta calcular quanto dá 5% a 10% desse total. Esse seria o número potencial de crianças e adolescentes com hiperatividade no país”, sugere Bacy. Seriam, portanto de 2,5 a 5 milhões de indivíduos. “Compare agora com o número de medicados. Aí a gente tem um panorama mais preciso e real”, completa.

A pesquisadora vai além: apesar de os dados não serem completos, Bacy diz ter segurança de que a quantidade de pacientes que tomam os medicamentos receitados é significativamente menor do que o número que deveria receber os remédios. Nem toda criança com hiperatividade consegue ter um diagnóstico preciso e tratamento adequado. Muitas delas passam pela fonoaudióloga, pela psicóloga, pelo neurologista e só aí chegam ao psiquiatra. E, sempre segundo a pesquisadora do INPD, ainda é uma parcela pequena da população que consegue alcançar a ponta do final do processo, o que reduz ainda mais a chance de uma medicação abusiva.

Diagnóstico da hiperatividade

O nó dessa saga nasce do diagnóstico da hiperatividade e da confusão que poderia existir entre simples desatenção e excesso de energia, por exemplo, com a TDAH genuína. “A conclusão de que uma pessoa tem TDAH é baseada em um diagnóstico clínico, não há exames laboratoriais que comprovem a presença ou não do transtorno. Por isso, existe sim um grau de subjetividade nisso”, lembra o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Apesar da falta de testes patológicos que comprovem os transtornos de atenção, Bacy garante que os critérios de avaliação dessa condição são hoje bem precisos. E se o médico conhece bem o transtorno, dificilmente erra no diagnóstico, e pode ou não pedir o uso de medicamentos.

Silveira conta que, nos Estados Unidos, o alerta para o uso indevido de drogas para a TDAH acontece porque há lugares naquele país que, de fato, apresentam dados alarmantes. “Tem escolas norte-americanas que têm 50% dos alunos diagnosticados com transtorno de atenção. Isso é impossível, aí é mesmo um exagero”. Situações extremadas assim não ajudam em nada os procedimentos apropriados com a hiperatividade, de acordo com o psiquiatra da Unifesp. “Porque dividem os profissionais entre os que medicam sempre e os que são contra medicar. Assume contornos maniqueístas. E é preciso avaliar a necessidade de cada criança”. O medicamento, aliás, pode até servir como uma espécie de contraprova. O paciente que toma o remédio tem de melhorar significativamente. “A criança nota a melhora, a família nota, os professores notam. Se não melhorar, não é TDAH. Se demorar demais para aparecerem os resultados, é outra coisa. E aí a droga deve ser suspensa”, alerta.

Para a psiquiatra Bacy, mais sério do que precisar usar remédio para tratar uma criança é não tratá-la e deixar que os comportamentos típicos da hiperatividade sejam nefastos ao desenvolvimento saudável. A criança com TDAH que não é acompanhada passa por dificuldades na escola, com os amigos e com a família, cenários que acabam afastando esse indivíduo em formação dos círculos sociais. Talvez seja na escola que os comportamentos hiperativos chamem mais atenção e que esse processo de isolamento torne-se mais evidente e cruel. “Ela não espera a vez, não entra nas brincadeiras, fica muito dispersa e chega a atrapalhar o andamento das atividades. Essa criança, no futuro breve, pode ter o desenvolvimento atrapalhado e só aí os pais e a escola pedem ajuda”, diz Bacy.

Segundo os especialistas, o tratamento dos transtornos de atenção (psicoterapia comportamental específica e Ritalina) pode surtir efeito a qualquer momento do processo. Mas, destacam, quando a condição é identificada precocemente, nem chega a comprometer o andamento normal da vida da criança. O olhar atento dos pais e dos professores é, portanto, fundamental. “Os educadores são muito interessados no assunto, mas ainda não são ensinados na faculdade a desconfiar da hiperatividade. Não é obrigação deles diagnosticar, claro, mas o olhar dos educadores é de grande ajuda”, avisa Bacy. Se o professor for bem treinado, consegue – a partir dos jogos e das atividades – perceber se há dislexia, dificuldade para aceitar regras ou para se concentrar e outras características que prejudicam o aprendizado. Somando a percepção dos pais, do professor, do psicopedagogo e do psiquiatra, o perfil da criança fica mais completo e o tratamento pode ser mais personalizado.

Ajuda da escola

Paralelamente à atenção do professor, a escola também deve estar aberta para ajudar os alunos com problemas de atenção. “Em 90% dos casos, os hiperativos não têm comprometimento da inteligência, mas às vezes precisam de uma ajuda para entrar no ritmo”, diz a especialista. Quando acompanhados de perto, os alunos não entram no ciclo de exclusão, repetência e atraso, que pode desembocar em uso de drogas, experimentação de situações arriscadas como direção imprudente, além de envolvimento com brigas e abandono dos estudos. Na maior parte dos casos, os colégios tentam integrar a criança com TDAH e colaborar para o aprendizado dela. “Mas algumas ainda têm resistências. Criam as condições especiais para ajudar um aluno que quebrou a perna, mas têm dificuldade para facilitar a vida de um estudante com a concentração quebrada”, completa Bacy.

Apesar de ainda enfrentarem barreiras sociais em relação à compreensão dos transtornos de atenção, Bacy e Silveira são otimistas no que diz respeito à situação atual. “O estigma está diminuindo, o preconceito também. Um hiperativo tratado leva uma vida absolutamente normal, a psicoterapia específica age nos comportamentos e a criança, a família, os amigos e os professores podem conviver bem com a TDAH”, afirma o professor da Unifesp. A pesquisadora do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento completa explicando que o aumento no número e na qualidade das pesquisas e o crescimento do conhecimento de o que é a TDAH ajudam a garantir diagnósticos mais acertados e tratamentos mais eficazes – talvez isso explique o 1600% de aumento no consumo de caixas de Ritalina e Concerta. O que também, segundo ela, reduz a carga negativa – e às vezes até vergonhosa – que o transtorno ainda tem. “As crianças que eu atendo têm um acompanhamento global, que envolve a família, a escola, a psicopedagoga, o pediatra. Essa turma toda junta tem ajudado muitas crianças a se desenvolverem plenamente”.

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