“Alguém já disse que se os jornais dissessem a verdade .... não teriam o mesmo tamanho todo dia. O caso da cobertura do soterramento dos mineiros chilenos pode entrar nessa suspeita geral. Aliás, o jornalismo tem sido objeto da suspeita de muitos, desde que existe. O escritor francês Honorè de Balzac tem um livro pouco conhecido sobre o assunto, chamado Os Jornalistas, em que faz um diagnóstico cruel desse meio que se volta, desde o começo do século XIX, para o leitor comum, ou o homem inculto. No livro, Balzac – que escrevia, ele próprio, para os jornais, e então pode falar de dentro – chama o periodista de "nadólogo", o generalista, o especialista em nada. Trata-se de algo paradoxal, já que os melhores homens de letras do século 19, como também o Gustave Flaubert e o nosso Machado de Assis, se fizeram nos rodapés dos jornais, o que mostra sua força... e como são capazes de veicular o melhor e o pior. Voltando aos mineiros soterrados, acho que podemos pensar que é nas condições da nadologia que nasce esse tipo de cobertura. Mesmo porque, se passarmos ao século XX, vamos encontrar o crítico francês Roland Barthes notando, no seu livro Mitologias, que as manchetes de jornais retomam o modelo do folhetinismo, são pequenos folhetins, com pequenas histórias comoventes completas. E exatamente o caso, aqui.
Outro nome que me ocorre é o do sociólogo Pierre Bourdieu, que é tão severo com o jornalismo como estes seus críticos anteriores. Para Bourdieu, os assuntos que vingam nos jornais são o que ele chama de “assuntos ônibus”, que servem para todos, por serem gerais, superficiais, inespecíficos, anestesiantes.
Você me pergunta se haveria uma vacina para isso tudo? Tem sim. Os livros, no lugar dos jornais, a arte no lugar da televisão. A gente não pode fechar os olhos para a mídia, mas a gente pode ter distanciamento. A literatura, o grande cinema, as artes plásticas, ter contato com as obras permite que a gente seja a parte do público que foge do apedrejamento. Aliás, para ser mais cruel ainda, isso que a gente chama de grande público – e que existe desde que existem jornais, justamente, já que eles são os primeiros meios de comunicação de massas, vendendo anúncios e chegando às massas urbanas desde o início do século retrasado – isso é uma espécie de prolongamento daquele outro público que assistia às execuções públicas. O público que se aglomera para pedir o linchamento dos Nardoni é uma transformação disso.
A mídia sempre propagandeia, sempre vende alguma coisa, mesmo que seja um discurso. Conhecer esse discurso e não engolir sem crítica e distanciamento é o único caminho. Agora, é bem difícil conseguir que o grande público alcance essa postura. É factível, não é impossível, mas é bem difícil. O caminho é a educação ampla e de qualidade. Sou favorável do ensino público de qualidade em todos os níveis, às cotas para as minorias, à difusão mais ampla possível do ensino universitário e medidas assim são uma maneira de garantir que os meios de comunicação não sejam tão dominantes, que sejam apenas uma forma de entretenimento e não a única. Se tem cinema bom e acessível no domingo à noite, as pessoas podem optar por não ver o Fantástico. E, nesse contexto, o Fantástico assumiria outro papel, outro lugar. Porque aí vira um círculo virtuoso: um público que conhece arte e que tem distanciamento em relação aos meios de comunicação de massa provoca uma mudança nesses meios, que passariam a oferecer mais qualidade”.