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Triste São Paulo

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Uma pesquisa divulgada em agosto último mostrou que a região metropolitana de São Paulo apresenta uma taxa significativa de pessoas deprimidas, quando comparada com outros países do mundo. O estudo, coordenado pela psiquiatra Laura Helena Guerra de Andrade, pesquisadora do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC/USP), entrevistou mais de cinco mil moradores da região considerada e constatou que 10,9% das pessoas avaliadas tinham manifestado ao menos um episódio de depressão, no ano anterior à conversa. Esse percentual coloca o Brasil em primeiro lugar no ranking mundial da doença.

O número, embora bem elevado, não chegou a assustar a equipe de Laura, que foi a responsável pela São Paulo Megacity, a etapa brasileira de uma pesquisa internacional capitaneada pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e chamada “Levantamento Mundial de Saúde Mental” (WMHS, na sigla em inglês). Já os pesquisadores dos Estados Unidos, Alemanha, Colômbia, Inglaterra, Ucrânia e Nova Zelândia, ao contrário, não tiveram essa percepção e se surpreenderam muito com os 11% de brasileiros com depressão. “Nos poucos levantamentos que tínhamos aqui no país, a gente já identificava que o número seria alto”, explica a psiquiatra. “Mas, fora daqui, a ideia de que os brasileiros são alegres e não têm grandes problemas ainda é muito presente, Daí a surpresa das equipes estrangeiras”.

Descobrir que os nativos do Brasil – ou pelo menos da Grande São Paulo – podem não ser assim tão contentes, ou que por vezes são vencidos pela depressão, já foi uma contribuição relevante do levantamento. Mas há ainda outras questões que merecem ser discutidas, como lembra a pesquisadora do HC. As 5.037 pessoas que responderam o questionário da pesquisa tinham mais de 18 anos e, embora o recorte estabelecido fosse fiel às características gerais da população total do país (“a parte pelo todo”, ou seja, o universo respeitava a proporção nacional entre mulheres e homens; entre crianças, jovens e velhos; obedecia à distribuição social e econômica do país e assim por diante), eram todas moradoras de um mesmo espaço geográfico, a chamada região metropolitana de São Paulo. Trata-se de um conjunto de 39 municípios – incluindo a capital – onde moram quase 20 milhões de habitantes. É um espaço bem especial, densamente habitado, importante economicamente.

“Acontece que é uma região cheia de dificuldades também, de locomoção, de emprego, de violência urbana, de relações sociais. E isso pode ter contribuído para a discrepância dos números brasileiros em relação aos dos outros países”, lembra Laura. A pesquisadora destaca que as áreas que serviram de base para o estudo em terras estrangeiras por vezes eram rurais, um pouco menores ou mais afastadas dos grandes centros urbanos. E essa metodologia pode sim ter feito a diferença.

E, se o Brasil está no topo do ranking, quem ocupa o segundo lugar na lista é a Ucrânia, com 8,4% da população com casos de depressão; os Estados Unidos estão em terceiro, apresentando 8,3% de pessoas com episódios da doença. Os dois valores estão bem próximos – e ao mesmo tempo quase três pontos percentuais distantes do índice brasileiro. A psiquiatra conta que há ainda outra possibilidade que pode ajudar a explicar a distância e esse número nacional tão elevado. Ela conta que o Brasil entrou depois dos outros países na relação dos que fizeram parte do Levantamento Mundial de Saúde Mental. Isso pode ter permitido que o questionário – chamado pelos pesquisadores de instrumento – aplicado aos entrevistados daqui já tivesse passado por alguns ajustes, correções e pequenas mudanças, para alcançar ainda mais precisão.

Outra contribuição do trabalho internacional foi constatar que já não são os idosos quem sofrem mais com a depressão. Na década de 1990, quando outros levantamentos parecidos foram realizados, os resultados mostravam que a terceira idade estava mais vulnerável. Atualmente, tanto no exterior quanto aqui no país, os jovens despontam como a parcela da população mais sujeita a quadros depressivos. No grupo dos indivíduos que têm entre 35 e 49, há 12% de deprimidos. A faixa de 18 a 34 anos tem 10% de jovens com casos de depressão. Os maiores de 65 anos são apenas 4% dos deprimidos.

Razões para depressão

Diante desses dados, a questão que vem à tona é: por que, afinal, os brasileiros estão mais deprimidos? A resposta da pesquisadora – vale lembrar – está baseada na condição de vida dos moradores da região metropolitana de São Paulo. “As causas são múltiplas, mas encontramos alguns fatores em comum, como o processo de urbanização; pouco suporte social; uma cultura bastante individualista; a cobrança pelo sucesso na profissão; e a crise de valores”, reforça.

E surge então um ponto fundamental de conexão com os professores, de acordo com a pesquisadora. A educação, a escola, o educador, os ensinamentos, tudo isso perdeu importância na sociedade contemporânea, cenário que deixa as pessoas muito desamparadas. Some-se a isso a difícil situação do jovem hoje, sem muitos paradigmas, sem causas pelas quais lutar, sem sonhos ou utopias e sem a noção de hierarquia ou muito horizonte de crescimento. A consequência é inevitável: terreno fértil para que parcela considerável da população manifeste a depressão, ou revele tendência a desenvolver a doença.

A boa notícia, se é que se pode falar isso, é que, sustentados por resultados preciosos como os que foram obtidos, os profissionais da saúde podem começar a cobrar das autoridades e dos governos que estabeleçam políticas de saúde pública que contemplem a depressão, seu tratamento e seu acompanhamento. “A depressão é uma das condições de saúde que mais incapacitam as pessoas e isso precisa ser levada a sério”, alerta Laura. Foi apenas recentemente que a psiquiatria e o tratamento das doenças mentais passaram a ser encarados como elementos constituintes dos programas mais amplos de saúde. Por isso é que, de acordo com a pesquisadora do Hospital das Clínicas, o sistema de saúde ainda não tem um aparato apropriado para cuidar de portadores das enfermidades mentais mais comuns, como depressão, transtorno bipolar, bulimia, anorexia e transtorno obsessivo compulsivo. “A percepção de que essa área é merece a mesma atenção da infectologia, da pediatria, da saúde da mulher é muito nova. Por isso fazemos força para que o sistema público e os programas de saúde da família atentem para a saúde mental”, finaliza.

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