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Sobre as crônicas...

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Antonio Prata lançou recentemente o livro Meio intelectual, meio de esquerda, uma coletânea de crônicas que o escritor produziu e publicou nos últimos anos. Apesar de ser bastante jovem – tem apenas 33 anos –, acumulam-se evidências que sugerem que Prata entrou para um seleto time de autores que “têm história para contar porque ao relatar a história e a vida no Brasil misturam-se um pouco com essa própria história”. Estamos falando dos cronistas.

Não é de hoje que o Brasil produz cronistas de qualidade incontestável: Nelson Rodrigues, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, apenas para citar alguns, e já reconhecendo ausências e possíveis injustiças aos não aqui relacionados (a lista seria enorme). E se é verdade que esse gênero narrativo cheio de nuances e de especialidades não nasceu no país – embora sempre tenha gente reclamando a paternidade –, parece ter sido em terras brasileiras que a crônica encontrou terreno fértil para se consolidar, além de escritores de muita qualidade, dispostos a investir no gênero e a olhar uma faísca da realidade para transformá-la num texto travestido de despretensioso, mas que – no fundo – deseja mesmo é ser imortal.

Essas ideias deram o norte e a tônica de um bate-papo que aconteceu na Livraria Cultura, em São Paulo. Além de Prata, participaram da conversa o jornalista Humberto Werneck, cronista de longa data, autor e organizador de vários livros de crônicas, sendo o mais recente O espalhador de passarinhos & outras crônicas e o também jornalista Fernando Portela, autor e organizador de mais de 20 livros e que, embora escreva crônicas, jura que o que faz são contos. De frente para o trio, uma plateia de cerca de 20 pessoas, formada por professores, fotógrafos, estudantes, que interagiam, perguntavam e, principalmente, riam muito com os “causos” contados.

Num encontro com essas características, a primeira pergunta que em geral os escritores tentam responder é: o que é crônica? Werneck foi o primeiro a opinar e disse que nunca consegue definir bem o gênero. Para ele, o mais evidente é o que não é crônica. Talvez por aproximação seja mais fácil compreender esse raciocínio. Ao buscar inspiração e referência na fonte de grandes cronistas brasileiros e estrangeiros, o jornalista propõe que o ponto de partida para a crônica é o cotidiano, a vida real. Depois acrescenta que se trata de um texto artístico, e não de um comentário, um ensaio. “Para ser crônica, quando a gente conta falando, a história perde muito”, defende, porque a narrativa pretendida pelo autor precisa de cada palavra ali colocada, de cada frase, da ordem escolhida pelo cronista, num trabalho árduo e artesanal mesmo. Prata concorda: “Não é sofrimento, mas é uma angustiazinha necessária e, ao fim dela, o que a gente tem é um passeio literário. A crônica é esse passeio”.

Talvez por ser um passeio e um olhar para a vida cotidiana, como os dois sugerem, a crônica esteja de alguma maneira tão próxima do jornalismo. Portela, que editou o Jornal da Tarde nos primeiros anos de existência da publicação, trabalhando ainda no Estado de S. Paulo por anos e em algumas outras redações importantes, viu de perto o despertar de cronistas acidentais. “Foi exatamente o que aconteceu com o Humberto Werneck. Ele foi para a rua cobrir um buraco no bairro da Casa Verde e, em vez de voltar com uma matéria comum, produziu uma crônica sobre a mudança da vida dos moradores da região, em função da cratera”, contou, entre risos. Esse olhar para o singelo, para o diverso, para algo que ninguém mais vê alça alguns jornalistas à condição de cronistas. Nesse ponto, alguém na platéia lembra João do Rio. Portela reforça a importância dessa figura histórica [pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, jornalista carioca que trabalhou dos últimos anos do século 19 até o início dos anos 1920. Foi redator de jornais importantes, como O País e Gazeta de Notícias. Depois fundou o jornal A Pátria e dirigiu o periódico até o dia de sua morte]. “Foi um cronista genial e foi também o primeiro repórter, de ir para a rua mesmo. Antes dele, os jornalistas ficavam nas redações, com seus imensos bigodes, mas não iam para o mundo”, lembra Werneck. Prata e Portela concordam e reforçam essa noção do texto errático, que anda pela cidade, pelos personagens, pelas coisas da vida.

Segundo a definição clássica, crônica é um estilo narrativo, baseado nos acontecimentos cotidianos, publicada em intervalos regulares (a origem da palavra é Chronos, o deus do tempo, de acordo com a mitologia grega). Embora foque a realidade, a crônica – ao contrário da notícia – busca o pitoresco numa situação corriqueira, o especial dentro da trivialidade. Daí a imagem que apareceu algumas vezes na exposição do trio de escritores: “cronista é o escritor que vai para o mundo e, em vez de olhar para o ringue onde está acontecendo a final do campeonato mundial de boxe, está de costas para a luta, observando o pipoqueiro”. Esse outro ângulo, esse jeito ventilado e original de ver o óbvio, essa subjetividade na objetividade é certamente uma das razões pelas quais tanto se admira a crônica no Brasil. E ainda falando de características nacionais, muitos autores de renome optaram pelo gênero, segundo os palestrantes, porque é difícil viver de venda de livros no Brasil. E vender crônicas para jornais e revistas é certamente um jeito prazeroso de ganhar a vida, sem se distanciar da escrita.

Crônica na escolas

“Por isso a crônica é tão usada na escola?”, alguém pergunta. Sim, mas por outros motivos também. Uma professora de literatura de ensino fundamental e médio que estava acompanhando a conversa lembra que crônicas são textos curtos, à prova da preguiça de alguns adolescentes, e por isso uma narrativa fácil de ser trabalhada em aula. Werneck reforça que a crônica é, muitas vezes, a porta de entrada, um convite, para o estudante conhecer determinado escritor. Por isso a coleção Para Gostar de Ler, da Editora Ática, fez tanto sucesso. E Prata completa: “O cronista é diferente de um romancista, porque ele é um funcionário de um jornal, ou uma revista, por isso ele tem de fazer um texto que agrade, que seja no mínimo saboroso, porque o leitor precisa gostar, querer mais”. Ou seja, quando o professor escolhe uma crônica para trabalhar com os alunos, está oferecendo uma narrativa, em princípio, gostosa de ler, o que facilita muito o trabalho em sala de aula.

“Mas as crônicas podem envelhecer”, refutou a professora de literatura. De fato, ponderou Werneck, certos costumes, certas palavras e até certos valores podem perecer. Mas nesse caso, ainda assim fica o documento histórico. O Rio de Janeiro narrado por João do Rio, ou um jogo de futebol contado por Nelson Rodrigues ficam como memórias. E há os textos que, embora as circunstâncias caduquem, a alma deles propriamente dita não morre, se mantém atual. “Por isso é que me irrita um pouco essa opinião de que crônica é um gênero menor, porque é mais fácil de escrever. Não é verdade. A grande crônica são verdadeiras porradas, exatamente como a grande poesia, ou o grande conto. Porque o que ela diz não está nas palavras, está entre elas”, garante Prata.

Difícil é não cair no saudosismo quando se fala desse gênero. Como o país já teve nomes de peso se aventurando nas crônicas, pode-se escorregar facilmente para o desgastado discurso do “antigamente é que era bom”. De fato, no passado o espaço, o valor e o significado dos suplementos literários eram maiores nos jornais. Mas há que se olhar a realidade com os olhos de hoje, sugerem os autores. Para Portela, o Suplemento Literário do jornal O Estado de Minas é ainda o melhor. Na plateia alguém lembra que a internet pode estar suprindo esse espaço deixado pela diminuição dos cadernos de literatura. Prata lança uma hipótese. Para o autor de Meio intelectual, meio de esquerda, há dois problemas: o primeiro foi a emergência, nos anos 1980 e 90 principalmente, dos “idiotas da objetividade”, que pregam a eficiência como o valor maior. Sob esse ponto de vista, as crônicas não são eficientes e, por isso, o primeiro gênero a ser cortado dos jornais. Mas como otimista declarado, o escritor acredita que “essas coisas são meio cíclicas mesmo, então em breve essa visão vai estar ultrapassada e o elogio da inutilidade vai voltar a ser bem visto”.

O segundo problema, segundo ele, é que existe atualmente uma distância grande entre o que os jornalistas dos cadernos de cultura escrevem e o que o público lê. Werneck faz o público rir quando define o Mais! ou o Sabático [cadernos de cultura e literatura da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo] dessa maneira: “Não joga fora esse pedaço do jornal porque eu preciso ler, tenho de ler. Mas nunca lê”. Quando o riso amaina, Prata conclui o raciocínio. “Quando a classe média chegar ao poder de fato, não só o econômico, mas também o poder cultural, isso vai mudar um pouco. O que se lê e o que se escreve vai ficar mais afinado. Vai acontecer um encontro entre a alta cultura e a baixa cultura. Tem uma parte ruim nisso tudo, mas vai ser saudável. Em outros países já é assim”. Por aqui, segundo ele, é uma questão de tempo.

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