Em um país com as características do Brasil, onde os índices de analfabetismo e exclusão social são ainda extremamente altos, qual o papel que a educação a distância pode cumprir?
O Brasil é um dos países que melhores condições apresenta para o sucesso dos projetos ligados ao ensino a distância. Em primeiro lugar, porque somos um país de proporções continentais, e poder estudar sem se deslocar e sem percorrer distâncias enormes é uma vantagem significativa. Além disso, a rede pública de ensino superior ofereceu, em 2003, 250 mil vagas em todo território nacional, para um contingente total de quatro milhões e duzentos mil candidatos. Mesmo que fosse feito um esforço inimaginável e sem precedentes de alocação de recursos para a área, seria impossível absorver todo esse excedente. Na outra ponta, as instituições particulares, apesar de terem aberto um milhão de vagas em 2003, deixaram de preencher 300 mil delas. A população não consegue pagar as mensalidades. Há, portanto, uma exclusão educacional e social enormes, e a educação a distância é um dos melhores instrumentos de combate a essa realidade, pois já temos condições de atender a grande parte dessa demanda e desse déficit com qualidade. Já temos experiência acumulada para fazer ensino a distância com muita competência.
Essa situação não guarda um paradoxo, já que um país que ainda não conseguiu resolver problemas básicos como infra-estrutura escolar, formação de professores e o próprio analfabetismo, passa a fazer da educação a distancia e de tecnologias como a internet, ainda não acessível a grande parte da população, uma das prioridades de sua política educacional?
A educação a distancia pode ser feita com tecnologias simples, e ainda assim obter extremo sucesso. O mais importante é que o projeto pedagógico seja desenvolvido de maneira adequada, do começo ao fim. A Secretaria tem investido com muito vigor em um curso de magistério, chamado Pró-Formação, que tem duração de dois anos, para qualificação de professores que não têm o segundo grau, nos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Já formamos 27 mil professores, e a meta é formar mais dez mil até o final do ano. Para isso, trabalhamos basicamente com material pedagógico impresso produzido por docentes da mais alta competência. Juntamos a isso material em vídeo, o sistema de tutorias e os encontros presenciais quinzenais, para tirar dúvidas e fazer exames. É simples e funcional. É claro que a tecnologia sofisticada pode ajudar e agregar valor, mas o mais importante é o processo, que coloca o estudante como objeto principal e centro do sistema. Um bom tutor, por exemplo, é fundamental para manter a motivação do estudante e também para apoiá-lo em momentos de dificuldades.
O ensino a distância deve atuar de maneira a complementar o que acontece em sala de aula ou ele é capaz de substituir totalmente a dinâmica presencial?
Depende. No ensino médio e na graduação, quando aparecem a habilitação e a certificação, a parte presencial é obrigatória, inclusive por conta da legislação. Esses momentos são importantes para a sociabilização, as discussões em grupo, a realização dos exames. Mas, por exemplo, no caso de cursos de extensão, eles podem ser feitos totalmente a distância. Eu posso fazer um curso de História da Arte oferecido pelo Louvre ou pelo Museu de Londres usando a internet, a vídeo-conferência, e ele pode ser extremamente bem feito. Aos poucos, essa dicotomia tem sido inclusive superada, e o conceito mais moderno fala em educação combinada, deixando de lado a oposição entre ensino a distância e presencial para tratá-los como etapas complementares que dialogam.
Apesar de apresentar elementos comuns e que devem formar um núcleo básico referencial, esse recurso não pode ser sempre utilizado da mesma maneira, como se fosse mais uma fórmula mágica. O que fazer para que o ensino a distância possa dar conta das diferentes demandas e situações representadas pelas diversas áreas, níveis de ensino, levando em consideração também as disparidades regionais vividas pelo Brasil?
Estabelecendo princípios, objetivos e ferramentas diferenciadas, e adaptadas a cada caso. Um curso a distância de Letras será muito diferente de um na área de Física, na área de Exatas, que deverá inclusive fazer uso de laboratórios, em algum momento do percurso. É importante compreender que a educação a distância é um sistema, onde devem ser pensados, em cada caso, o projeto, os materiais didáticos, os recursos humanos, a gestão, a tutoria, as avaliações e a certificação. O mesmo vale para as regiões: é preciso idealizar metodologias adequadas para cada uma delas, tanto do ponto de vista material quanto dos recursos humanos. Eu acho importante lembrar que o Brasil está chegando a essa área com pelo menos trinta anos de atraso em relação a países como Inglaterra, Espanha, França, Alemanha, Canadá e Estados Unidos. Ainda assim, temos uma situação bastante privilegiada, mas muitas vezes ficamos discutindo problemas que são menores.
Mesmo com todas as vantagens que o senhor está apresentando, ainda existem muitos professores, alunos e especialistas que fazem muitas ressalvas e enxergam a educação a distância com muita resistência.
Eu não nego que essa resistência e esse preconceito existam. É fato. Mas me parece que eles vêm muito mais de pessoas que não conhecem os princípios e o sistema, e confundem educação a distância com ensino por correspondência. Há muita falta de informação. E se adota a postura do “não vi e não gostei”. Não raro, essas pessoas adotam dois pesos e duas medidas, pois são muito mais rigorosas na avaliação do ensino a distâcia do que no presencial, que também tem suas mazelas. Tem uma colega minha da universidade que diz que é muito mais fácil enganar uma sala de quarenta alunos, recorrendo inclusive a posturas autoritárias, do que enganar quatro mil estudantes a distância.
Na outra ponta, me parece que existe um ufanismo, um otimismo exagerado, uma espécie de crença desmedida e inquestionável nas novas tecnologias, que poderiam representar entidades mágicas e divinas, capazes de solucionar qualquer problema.
Também não é a postura que nós adotamos. Ensino a distância não existe para apressar a formação das pessoas. Existem regras, conceitos, projetos. E não é uma dinâmica barata. Montar um processo bem feito, capaz de produzir bons resultados, com investimentos em material de qualidade e em profissionais competentes, não é algo barato. A vantagem dela em termos de custos é que você ganha na escala. O uso de tecnologias hoje já é visto como indispensável e, se ainda não temos condições de ter a internet em todo território nacional, não significa que não iremos perseguir isso. Ensino a distância não é uma força milagrosa, mas uma ferramenta pedagógica que tem vida própria e que pode complementar as atividades presenciais.
Quando o aluno não vê o professor, não tem colegas de classe, não ocupa um espaço físico onde possa interagir, debater e estabelecer o contraditório com outras pessoas, o processo de aprendizagem não se torna muito mais frio, impessoal e mecânico?
Uma das finalidades principais do ensino a distância é diminuir a necessidade de deslocamento. Você prevê e fornece alternativas para que se possa fazer um acompanhamento personalizado. Há depoimentos de alunos que, ao contrário do que se pensa, revelam que se sentem muito mais apoiados do que no ensino tradicional. Essa história de um relacionamento mais frio é um mito.
A formação e a qualificação dos professores para lidar com a ferramenta é também estratégica para que se possa alcançar bons resultados. Ainda que as aulas não sejam presenciais, os educadores continuam sendo protagonistas do processo de aprendizagem. De que maneira essa vertente tem sido contemplada pela Secretaria? Quais os programas em andamento?
Existem diversos cursos preparatórios para os professores em andamento em todo país. Há várias instituições públicas e algumas privadas que vêm cumprindo esse papel com muita competência. No momento, estamos trabalhando com uma proposta apresentada pela Universidade Virtual Pública do Brasil (UniRede), que reúne 80 instituições públicas. Ela pretende estimular a criação de consórcios regionais para fomentar cursos de formação para professores de educação a distância. É uma idéia ainda em fase de implantação, devem ser criados nove consórcios nas diversas regiões, embora esse número ainda não esteja fechado. O importante é que, em cada um deles, exista uma universidade já com experiência e tradição na área, uma espécie de cabeça da rede. Pretendemos também fazer discussões sobre as diversas realidades regionais, para promover as devidas adequações culturais e metodológicas. No futuro, a intenção é compartilhar materiais e ferramentas entre os diversos consórcios, que poderiam atuar de maneira complementar e sempre em parceria. Com isso, experiências bem-sucedidas seriam capilarizadas pelo Brasil.
A Secretaria tem também trabalhado bastante com os recursos audiovisuais.
Sim, a TV Escola pretende ser um passo inicial no auxílio e qualificação do professor para uso do vídeo. É um curso já consolidado, feito em parceria com instituições públicas. O programa TV Escola atinge 57 mil escolas em todo Brasil, e, por meio da troca das antenas parabólicas de sinal analógico por digital, pretendemos ampliar esse número. O projeto de rádio é mais recente e desenvolvido em parceria com a equipe de Educomunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP. O projeto-piloto deverá envolver setenta escolas do Centro-Oeste, espalhando-se depois para o Norte e Nordeste. A intenção é utilizar o rádio como mais uma ferramenta pedagógica.
O senhor participou recentemente do Congresso Internacional promovido pela Associação Brasileira de Educação a Distância. Além do espaço para a apresentação de trabalhos e da troca de experiências acadêmicas e pedagógicas, o que tem sido discutido com mais intensidade? Quais são as dúvidas, angústias e ansiedades que mais aparecem nesses encontros?
A educação a distância no Brasil tem linhas de pesquisa bastante adiantadas e consolidadas. Isso acontece tanto nas empresas quanto nas universidades. Temos ocupado esses espaços para apresentar as propostas do MEC em relação aos programas já em andamento e também sobre outros que pretendemos implementar. É preciso enfatizar que, pela primeira vez, a educação a distância é prioridade da política educacional do governo federal. E o destaque maior nos Congressos, claro, vai sempre para a formação dos professores, até porque, a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no entendimento do Conselho Nacional de Educação (CNE), exige que, para lecionar no antigo ginásio e no ensino médio, os professores devem ter curso superior. Há pelo menos 70 mil professores no Brasil que ainda não atendem a essa exigência.
A área que o senhor assumiu é bastante complexa e nela os caminhos parecem nem sempre ser tão tranqüilos. Por que aceitou o convite do Ministro Cristovam Buarque para chefiar a Secretaria de Educação a Distância?
É um desafio contemporâneo. Eu sou professor há quase trinta anos e acho que chegou a hora de efetivamente, e não apenas no discurso, democratizar o acesso à educação no Brasil. E o ensino a distância é a ferramenta mais adequada para dar conta desse desafio.