Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Para arrepio de muitos especialistas, a Química é em geral associada pelo senso comum e imaginário popular a três significados principais nada inspiradores. O primeiro: é aquela disciplina escolar responsável por reprovações e notas baixas ao longo do ensino médio. O segundo explica a razão pela qual algumas substâncias são prejudiciais à saúde e é usado mais ou menos assim: “não uso esse xampu porque ele tem muita química”. A terceira referência e lembrança – e que até poderia soar simpática – na verdade termina por reduzir a busca de perpetuação da espécie a um fator molecular rasteiro: “terminamos o namoro porque não havia química entre nós”. Entre risos, o que mostra o espírito do projeto que coordena, a professora de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cláudia Rezende, conta que é precisamente esse cenário que deve ser mudado. A pesquisadora é a responsável pelo Ano Internacional da Química no Brasil, comemoração promovida pela Organização das Nações Unidas e pela Unesco, o braço educacional da entidade.
Da mesma forma como aconteceu com a Física em 2005 e com a Astronomia em 2009, chegou o momento de resgatar, ressaltar e popularizar a ciência que estuda as moléculas e os elementos que constituem toda a matéria existente no universo, contemplando essa área do conhecimento com uma iniciativa de caráter mundial. “A idéia é chamar a atenção para a Química, para a importância dessa ciência que é base da vida, e tentar mostrar para as pessoas que a Química também pode ser interessante, suave e mais próxima do cotidiano de cada um e de todos nós”, explica a professora da UFRJ.
Para conseguir o feito de tirar a Química do rol das matérias mais assustadoras da escola e colocá-la num lugar merecido e de direito, os organizadores do Ano Internacional optaram por levantar três bandeiras principais: repensar a educação da disciplina, transformando as aulas num tempo de curiosidade, conhecimento e descoberta do mundo; divulgar os grandes feitos dos químicos nos últimos tempos, inclusive dos cientistas brasileiros; e refletir sobre como desenvolver uma Química mais afinada com a sustentabilidade do planeta.
O primeiro desafio, segundo Cláudia, exige combater a herança que se mantém geração após geração e que diz que é impossível entender Química e aprender os conceitos que carrega. “Que dirá gostar dela e se divertir!”, brinca a especialista. De fato, trata-se de uma área de saber profundo, que requer um grau de abstração elevado. “E quando a gente lembra que o aluno cai de pára-quedas naquele universo do infinitamente minúsculo, onde nem as regras do mundo que ele conhece valem, dá para entender o desespero”, admite a coordenadora. A boa notícia é que não precisa ser assim.
Cláudia garante que, a partir de experimentos até engraçados e cheios de conceitos científicos, é possível convidar os estudantes a se aproximar do mundo da Química com menos resistência e percebendo a beleza daquela ciência. Por isso mesmo, uma das preocupações dos organizadores do Ano foi desenvolver livros, materiais de referência e guias bem explicados de experimentos para serem feitos em sala de aula ou nos laboratórios das escolas e – detalhe relevante – em português. “Quem quiser, basta baixar lá do site do Ano Internacional da Química. É de graça e é bem rápido”.
Outro cuidado é com o visual das peças e da comunicação. “Quando crianças e adolescentes pensam em químicos fazendo ciência, imaginam alguém de jaleco branco, óculos de proteção e trabalhando sobre uma capela – aquele vidro de segurança”, provoca a professora da UFRJ. “Mas não tem que ser assim. Por isso o visual do site, dos livros, das imagens, da agenda de eventos, tudo é bem descontraído, lúdico, como a Química também pode ser”.
Além do livro A Química perto de você, que traz as propostas de experiências que podem ser feitas por alunos do ensino fundamental e médio, a coleção Química do cotidiano já está em desenvolvimento. “Esse conjunto será o material base para trabalhar a idéia de que a disciplina está no dia a dia – muito além da escola, do amor e dos produtos de cabelo – e pode ser compreendida por todos”.
A iniciativa faz parte do segundo esforço dos realizadores do Ano Internacional da Química. De acordo com a coordenadora, o Brasil produz pesquisas e propõe avanços respeitáveis na área. Temos muita tradição, os químicos daqui e a ciência produzida no país são levados a sério no exterior. Infelizmente, apenas uma pequena parte dessa produção chega às escolas, nem sempre os professores atualizam os alunos em relação a esses avanços. Essa lacuna acaba piorando a sensação de que a Química é algo distante, que mora no passado, que não continua se desenvolvendo. O mesmo vale para as pesquisas internacionais. O que se discute lá fora também pode fomentar o ensino e a percepção que se tem da Química.
Junto com isso, os organizadores pretendem reforçar bem que ações simples, como desengordurar a panela usando detergente, é pura Química. Por fim, a própria figura do cientista e do trabalho diário dele precisam ser renovados. “Aquele pesquisador louco, com óculos fundo-de-garrafa e descabelado não existe na vida real”, lembra Cláudia. Os alunos precisam conhecer os pesquisadores e os lugares de trabalho para ver que o extraordinário acontece dentro do tubo de ensaio, que a experiência pode não raro ser realizada por gente comum.
A importância do professor
Cláudia aposta no professor como elo entre a sala de aula escolar e o laboratório acadêmico, porque quem mais, se não o educador, conhece as duas realidades e tem os meios para convidar alunos a entrar num projeto? Cabe lembrar que, entre as proposições dos organizadores do Ano, estão melhor remuneração para o professor e formação contínua. “Porque, de fato, o químico estuda muito, precisa compreender questões muito profundas e abstratas ligadas à matéria e à vida. Aí, ao se formar, o salário precisa ser atraente, para que ele tenha interesse em se tornar educador e passar para frente tudo que aprendeu”, defende Cláudia.
E como professores e escolas estão reagindo às iniciativas? “Ainda estamos no início das comemorações, mas pelo movimento registrado no portal e pelas mensagens que recebemos, os professores estão adorando”. E os colégios também não ficam atrás. A coordenadora conta, por exemplo, que até instituições africanas procuraram a organização para obter materiais e pedir que as exposições viagem até lá. Uma mostra com 20 paineis lúdicos e explicativos vai rodar o país no primeiro semestre. E no segundo semestre os materiais produzidos pelo Ano Internacional da Química no Brasil vão chegar às escolas públicas e particulares.
Enquanto isso, professores, coordenadores de área e diretores podem ter acesso a tudo que está no Portal, como entrevistas, sites de passatempos e brincadeiras – como um inusitado Karaoquímica – e sugestões de outros sites que contam os trabalhos de notáveis da Química no Brasil e no mundo.
A terceira bandeira da iniciativa é a sustentabilidade. Cláudia conta que a Química é sempre fortemente associada à poluição. “De fato, os produtos químicos podem poluir e devastar, mas a Química também pode ser decisiva na preservação do meio ambiente”, defende a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo ela, sem sair das atividades características da carreira, o químico pode desenvolver outros produtos, outras moléculas que sejam compatíveis com o meio ambiente, ou ainda, que ajudem a recuperar ambientes comprometidos.
“Para isso a gente vai ter de recriar a Química e, dessa vez, a sustentável, que não perde em nada para a antiga Química – nem em jeito de trabalhar, nem em objetos de pesquisa – mas se coloca como uma peça importante num mundo menos consumista e menos poluidor”, conclui a educadora, relembrando o slogan do Ano Internacional: “Química por um mundo melhor”, antes de completar: “e mais divertido também”.
Serviço:
» Site do Ano Internacional da Química no Brasil: http://quimica2011.org.br/
» Sociedade Brasileira de Química: http://www.sbq.org.br/