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Entrevista com Aquilino Senra, professor da COPPE da UFRJ

Professor, o que muda no entendimento e na operação da energia nuclear depois do acidente na usina de Fukushima, no Japão?
Imediatamente, os parâmetros de segurança e os procedimentos operacionais em caso de acidentes. Hoje, no mundo, são 440 usinas nucleares, todas seguras, mas todas sujeitas a riscos. O que temos de fazer? Evitar que os erros se repitam. A gente tem de aprender com eles para que não aconteçam novamente nas outras usinas do mundo todo. As comissões de especialistas já estão trabalhando, apurando e em breve vão sugerir as novas recomendações de operação e de segurança. A maior parte dos reatores é da chamada segunda geração, que é um pouco menos segura do que a terceira geração de reatores, mas ainda assim, a probabilidade de acontecerem acidentes é baixa. Por isso, se a implantação e a gestão da usina se adequarem ao que aprendemos com o caso do Japão, a segurança vai aumentar ainda mais.

Esse cenário vale inclusive para o Brasil?
A rede de produção nuclear que existe no Brasil é similar àquela da França e parte dos Estados Unidos. Foram os norte-americanos e os franceses que projetaram e construíram Angra 1 e Angra 2. Portanto, o padrão é igual ao dos estrangeiros. A pergunta que temos de fazer sempre é se a operação de reverter uma situação acidental de qualquer natureza – o plano de evacuação; o treinamento atual das forças de atuação e da população; a informação e conscientização da população que mora próxima ao reator; tem pastilha de iodo; dá para remover as pessoas mesmo com desmoronamento nas estradas, dá para ir por mar? – está em dia, se funcionaria, se pouparia muitas vidas.

E funcionaria?
Não sabemos afirmar com 100% de segurança. Essas coisas a gente só sabe quando acontece mesmo, por isso vamos torcer para que nunca saibamos. Mas, em tese, no papel, os protocolos são similares àqueles usados por países como a França e os Estados Unidos. Então teria de funcionar sim. Aqui, um dos problemas que a gente enfrenta é de descrença, de menosprezo com o que é feito no Brasil, como se no Japão tudo funcionasse e aqui, nada funcionasse. Isso se chama preconceito. Podemos ter jeitos e comportamentos diferentes dos japoneses, mas poucos povos se ajudam tanto em tempo de comoção. Com os parâmetros técnicos sendo os mesmos, resta descobrir como a população agiria na prática. Tendo a achar que colaborando e respeitando as orientações das equipes de socorristas, mas repito que prefiro não saber.

Isso em termos de segurança. Mas e em relação à dúvida que emerge inevitavelmente sobre se vale realmente a pena investir em energia nuclear mesmo com as dificuldades que ela apresenta? A energia é limpa, mas pode poluir perigosamente o ambiente. Como fica isso?
Quando se discute o projeto energético de um país, múltiplos fatores e situações complexas precisam ser observados, não apenas a emissão de carbono, que é o gás mais associado ao efeito estufa, causador do aquecimento global. Pois bem. Se fosse só a emissão de CO2, as usinas hidrelétricas ocupariam o primeiro lugar; as nucleares, o segundo; a eólica, o terceiro e a solar, o quarto lugar, porque o processo industrial de construção das peças que captam e armazenam essas duas formas de energia emite muito carbono. Em termos de energia firme, que é a quantidade de energia real que cada processo gera, as usinas nucleares e as hidrelétricas empatam. Ou seja, você constrói um sistema para gerar 1000 unidades de energia e na ponta final você consegue exatamente isso. Já com as usinas de energia solar e eólica, você constrói um aparato para gerar 1000 e só consegue colher 300 unidades, porque nem sempre venta e nem sempre faz sol. Além disso, há que se levar em conta os custos de uma e de outra, os rejeitos radioativos ou não, o custo da manutenção, enfim. A gente precisa ser muito específico com cada caso e ver o que é melhor em cada região, para cada uma das finalidades. Porque o risco maior para o país não é produzir energia através da fonte A, ou B, ou C. O risco maior é não produzir, com medo de causar impacto ambiental. Se o Brasil, para não prejudicar o meio ambiente, deixar de investir em geração de energia, aí sim estaremos encrencados. Vale lembrar que qualquer obra de grande porte, nessa área de energia, leva de 3 a 5 anos para ficar pronta, então o planejamento tem de estar sempre à frente, nunca tampando buracos que ficaram para trás.

O senhor não acha que a construção de usinas nucleares e a geração de energia elétrica através de reatores nucleares seja um problema de fato?
Eu falei exatamente sobre isso no Senado no início da semana. Sou um especialista na área e tenho, claro, como dever de ofício defender que as pessoas tenham acesso à energia elétrica, seja oriunda de hidrelétricas, seja oriunda de usinas nucleares. O que não significa que não conheço os riscos que cada forma de obtenção de energia apresenta. Pelo contrário. Esses riscos têm que ser estudados, conhecidos, superados etc... A energia nuclear, como qualquer outra, tem uma porcentagem de risco consentido embutida. O mesmo vale para um automóvel. Todos os anos, 25 mil brasileiros morrem vítimas de acidentes de trânsito. Portanto, se opto por ter um carro, estou assumindo esse risco. O que podemos fazer é reduzir as chances de acontecerem os acidentes, criar protocolos de resgate e evacuação de área, estar preparados para contornar as eventuais catástrofes. Agora vamos olhar para os acidentes nucleares. O pior de todos, sem nenhuma dúvida, foi o vazamento na Usina de Chernobyl, na Rússia. Ali morreram 50 pessoas, seja por acidentes, pelos incêndios que aconteceram, ou por contaminação com radioatividade mesmo. A Organização Mundial de Saúde divulgou um relatório mostrando que naquela população, estavam previstos 4 mil casos de câncer a mais que o normal num grupo de cerca de 200 mil habitantes. Esse número é bem menor que os quase 10 mil japoneses que morreram vítimas do terremoto e do tsunami. Os números não minimizam a tragédia que foi Chernobyl, mas ajuda a pensar nas proporções dos acontecimentos. Em Fukushima, a mesma coisa: uma morte confirmada, três operários hospitalizados e 19 contaminados em níveis ainda desconhecidos por nós.

Mas é que as pessoas têm medo da radiação, professor.
Pronto. Aí você chegou num fator importantíssimo. A energia nuclear nasceu, ou melhor, a notícia do nascimento da energia nuclear chegou às pessoas da pior maneira possível, que foi a explosão das bombas de Hiroshima e Nagasaki. Junto com as bombas atômicas vieram todas as informações sobre as armas nucleares, que no imaginário das pessoas são o passaporte para o fim do mundo. Nesse sentido, a energia nuclear vira o vilão da humanidade. O que as pessoas esquecem de contabilizar é que a radioatividade tem inúmeras aplicações na agricultura, na indústria – em processos que a gente nem imagina – e na medicina. De uma radiografia de dedo quebrado ao tratamento do câncer mais complicado, usa-se a radiação. Já pensou ficar sem isso? É por isso que a gente não pode abrir mão da produção de energia nuclear, ela promove confortos para a vida moderna. O trabalho tem sempre de ser conhecer os riscos, minimizar suas chances e estar a postos para atender as vítimas de acidentes de qualquer natureza. E se trata de medo mesmo, porque ninguém se perguntou até agora o que aconteceu com os produtos químicos que foram levados pelas águas do mar. O Japão tem muita indústria química e esse material se espalhou por aí também.

Como o Brasil está posicionado em relação à pesquisa e a inovação nessa área de energia nuclear?
Antes de eu dar os dados sobre essa pergunta, quero de novo protestar contra o que tenho ouvido muito mais desde o dia 11, dia do terremoto. As pessoas ficam repetindo que se o terremoto, ou o tsunami, ou o acidente nuclear fosse aqui, ia ser uma catástrofe sem proporções. Porque se os japoneses, que são japoneses, deixaram acontecer isso, imagine os brasileiros. Isso é uma falácia porque, para começar, toda a tecnologia de implantação e operação da usina japonesa veio dos Estados Unidos. A gente tem de tirar o chapéu para os salvamentos, a evacuação e a rapidez com que as medidas foram tomadas no meio do colapso de energia, estradas e comunicações. Mas em termos tecnológicos não é bem assim. Achar que o Brasil está sempre por baixo é o que Nelson Rodrigues – que muitos citam e poucos leram – chamava de “síndrome de vira-lata”. Agora, para responder: o Brasil é um dos únicos três países do mundo que possuem minério de urânio, tecnologia para enriquecer o urânio e aplicação desse urânio em reatores nucleares para geração de energia elétrica. Estamos ao lado de Estados Unidos e Rússia. O resto dos países que produzem energia nuclear, ou não tem um dos fatores, ou não tem dois. E veja, enriquecer urânio e transformá-lo em energia foi uma conquista e um mérito totalmente nosso. Ninguém passou essa tecnologia para nossos pesquisadores de mão beijada ou por pena. A gente dominou. É uma conquista e tanto. Além disso, tradicionalmente, o país é referência em pesquisa na área de energia. Somos requisitados para ensinar os outros povos a prospectar petróleo e produzir etanol como a gente já faz há décadas e com excelência. O que impede a população de saber isso é o alto grau de preconceito contra nós mesmos e uma discussão de baixo nível.

E aí entram a imprensa e a escola.
Exatamente. Divulgação científica bem feita – que não seja a serviço da alimentação do pânico – é fundamental. A imprensa precisa acreditar e divulgar que produzimos avanços importantes nessa área de energia, temos nível mundial. E a escola precisa, primeiro, resolver o déficit de professores da área científica. Faltam 200 mil professores de matemática, física, química e biologia. E parte dos que estão atuantes talvez não tenham a formação mais adequada. Cabe ao Estado e às Universidades garantir a formação de bons professores de ensino fundamental e médio. Quando o estudante chega à graduação bem formado, a discussão, a pesquisa, a produção acadêmica dão um salto de qualidade. Por isso tem de resolver lá na base primeiro. Depois, o professor precisa motivar o aluno o tempo todo. Uma fórmula de Física no quadro negro não quer dizer muita coisa, já uma discussão sobre a medição de radioatividade, os efeitos das pastilhas de carbono no combate aos efeitos da contaminação talvez falem muito mais ao aluno. Os pesquisadores do Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro abrem as instalações duas vezes por semana para alunos de escolas públicas. Esses são os melhores dias de trabalho aqui, é muito gratificante ver as crianças e adolescentes descobrindo como se extrai petróleo, como funciona uma usina nuclear e como o ser humano interage com tudo isso. Se a escola pudesse ser assim todo dia seria o ideal.

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