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Medindo qualidade de vida

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

A equação parece simples, mas o resultado causou certo alvoroço. A divulgação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2004 pela Organização das Unidas (ONU) mostrou que, de acordo com os números e informações analisadas, o Brasil caiu da 65a para a 72a posição no ranking de 177 países e territórios pesquisados. Mas é preciso olhar com um pouco mais de atenção antes de tirar conclusões rápidas a respeito do caminho ladeira abaixo que o Brasil estaria trilhando em relação à qualidade de vida.

Antes de entrar na discussão sobre o caso brasileiro, vale lembrar que o IDH leva em consideração os dados de três grandes áreas: as Nações Unidas comparam informações sobre educação (alfabetização e taxa de matrícula), longevidade (esperança de vida ao nascer) e renda (PIB per capita). O resultado varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) a um (desenvolvimento humano total). Países com IDH até 0,499 têm desenvolvimento humano considerado baixo, os países com índices entre 0,500 e 0,799 são considerados de médio desenvolvimento, e nações com o IDH superior a 0,800 têm desenvolvimento humano considerado alto. “Esse índice representa uma evolução. A partir de 1990, a ONU decidiu incluir educação e saúde como indicadores de qualidade de vida nos países. Ou seja, muda um pouco a visão dos economistas de que bastaria medir a renda per capita para entender a situação social de um país”, explica o economista e professor da pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Ladislau Dowbor.

Neste ano, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), órgão da ONU que calcula os indíces, atribuiu ao Brasil nota 0,775. A saúde é a área de pior desempenho: o Brasil aparece em 111ª lugar. Na educação, o país está relativamente bem, em 19º, e em renda per capita, em 63º. Isso significa que o país figura entre as nações com desenvolvimento humano médio. Então por que tanto alarde em relação ao 72º lugar? “Primeiro porque esse dado relembra a posição de atraso social em que vive o Brasil. Basta verificar que em termos de renda nem estamos tão mal, mas em saúde...” esclarece o professor Dowbor. Assim, o que emerge é um país com enorme potencial econômico, mas que não consegue fazer chegar esses avanços até sua população.

A ausência de políticas públicas e sociais realmente preocupadas com a distribuição de renda, democratização dos recursos e acesso à cidadania plena, situação verificada e aprofundada nas últimas décadas, é uma das causadoras do desnível em que vivemos – e esse cenário é iluminado pelo IDH. A necessidade de investimentos mais justos e socialmente eficientes nessas áreas é sentida pela população e essa “foi certamente a maior justificativa para o governo Lula – que no cerne de seu discurso propõe o reequilíbrio social – ter sido eleito”, avalia o economista.

Outra querela que apareceu simultaneamente ao resultado do Índice de Desenvolvimento Humano foi a questão dos dados utilizados no cálculo. O Governo Lula enviou ao Pnud informações sobre analfabetismo do Censo de 2000, e não os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001. A administração Fernando Henrique Cardoso havia usado os dados da PNAD, que já apontavam alguns avanços em Educação. A oposição – formada em sua maioria por partidários do governo anterior – afirma que a escolha pelos números do Censo é uma estratégia política para tentar diminuir as conquistas da era FHC. O governo rebate afirmando que os dados do Censo são mais abrangentes que os da PNAD e, por isso, mais confiáveis.

O professor Ladislau Dowbor desmistifica a situação explicando que a queda de 65º para 72º no ranking da ONU deve ser relativizada. “Esses são dados de um ano para o outro, tempo absolutamente insuficiente para medirmos qualquer avanço ou retrocesso na área social”. Setores como saúde e educação carecem de anos de estudos até que se possa concluir se melhoraram ou pioraram. “Para considerarmos que uma política de saúde, por exemplo, está funcionando, é preciso constatar que ela está chegando a cada município, a cada família, a cada criança. E isso leva tempo”, propõe o economista. Ele conta que a cidade de Kerala, na Índia, por exemplo, possui renda per capita de US$ 300, um décimo da brasileira, e taxa de mortalidade infantil de 17 por 1000 nascidos, a metade da taxa nacional. Isso é resultado de uma década de investimento profundo para a diminuição das mortes. E tal conquista não pode ser sentida de um ano para o outro.

O IDH, portanto, não se presta a fins imediatistas. Ele é um avanço do ponto de vista da medição da qualidade de vida, já que inclui dados sociais, em vez de exclusivamente econômicos. Trata-se de um passo à frente quando se pensa no bem estar da humanidade. Mas ele é ainda insuficiente para dar uma resposta definitiva sobre a condição humana nos diversos países. “Para que fosse mais representativo, o Índice deveria possuir dados relativos ao meio ambiente, à segurança, ao lazer”, propõe Dowbor. E já há gente pensando nisso. No “Atlas da Exclusão Social no Brasil”, lançado em janeiro de 2003 pela Cortez Editora e organizado pelo Secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, Márcio Pochmann, pesquisadores da Unicamp estudaram, entre outros indicadores, taxa de desemprego, desigualdade de renda, escolaridade e até taxa de homicídio de 5,5 mil municípios brasileiros.

A mesma preocupação em trabalhar com números mais abrangentes para o desenvolvimento humano também aparece na região metropolitana de Cascavel, no Paraná. Lá, 22 municípios desenvolveram uma aferição para 24 indicadores, que permite a apresentação de números mais concretos e confiáveis. Entre os indicadores está, por exemplo, o transporte público. Verificar se o tempo de espera pelo ônibus aumentou ou diminuiu ajuda a população a conhecer sua realidade, e permite que ela escolha escolha melhor seus gestores.

A atenção conquistada pelos índices de qualidade de vida parece se repetir dentro e fora do Brasil. O professor Dowbor conta que não só os investidores internacionais comparam a atuação dos governos municipais, estaduais e federal na área social como condição para colocar dinheiro no país, como assim têm agido também as entidades da sociedade civil organizada que, via de regra, mantêm projetos aqui. Segundo o pesquisador, dos homens que lidam com a Bolsa de Valores às organizações não-governamentais, estão todos de olho no desempenho do governo brasileiro. Não para conferir, em um prazo de dois ou três anos, se o Fome Zero ou o Bolsa Família deram certo. Mas, de acordo com ele, porque já existiria uma mudança de mentalidade mundial. “Creio que já é possível notar uma inversão de prioridades, que coloca o homem, e não o dinheiro, em primeiro lugar. A despeito do Banco Mundial, estamos deixando de achar que números favoráveis na economia são o fim. Eles são o meio. O fim tem de ser a qualidade de vida”, conclui, esperançoso, Ladislau Dowbor.

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