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O buraco negro não é mais o mesmo

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Todas as semanas, a situação se repete. O professor Ednilson Oliveira aproveita uma parcela de tempo da aula para discutir com os alunos os assuntos do momento. Não é uma combinação antecipada. É porque, simplesmente, os estudantes não conseguem ficar calados diante de tantas novidades interessantes. Ednilson é professor de física e astronomia do Colégio Santa Maria, na zona sul da capital, e os temas que despertam a curiosidade são nada mais nada menos que as mais recentes descobertas – cada vez mais freqüentes – relacionadas à cosmologia e à astrofísica, que teimam em se destacar nos jornais e revistas. “Mas isso é bom, não reclamo não, pelo contrário. Há dez, quinze anos, quando eu comecei, não havia nenhuma informação sobre o espaço. Hoje vejo dúzias de publicações especializadas nas bancas”, comenta satisfeito o educador.

Entre as tais novidades que pipocam diariamente nos jornais, uma chamou a atenção de alunos, dos professores e da comunidade científica. O físico inglês Stephen Hawking voltou atrás em sua teoria sobre buracos negros. Doutor em Cosmologia pela Universidade de Cambridge, Hawking tornou-se conhecido em meados dos anos 70, quando descobriu que os buracos negros emitem raios-X e raios gama; é certamente o físico teórico de maior magnitude depois de Albert Einstein. O recuo em suas formulações iniciais representa uma atitude no mínimo incomum entre os cientistas, e uma revelação que alivia os estudiosos do espaço sideral.

Os buracos negros são a última etapa da vida de uma estrela. Depois de passar por diversos estágios, ela se transforma num corpo tão denso, com tanta massa em tão pouco espaço, que a gravidade desse objeto não permite que nada escape, nem a luz. Os buracos negros tragam tudo que existe à volta deles, num espaço chamado limite de ventos. O que estiver nesse limite é engolido pelo buraco. “Nos anos 70, Hawking propôs que toda a matéria engolida pelo buraco era destruída e que talvez até vazasse para outros universos”, explica o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF/USP), Elcio Abdalla. Assim, a primeira teoria do físico inglês trazia dois enigmas. O primeiro seria a possibilidade de o buraco negro ser um portal para universos paralelos. Essa idéia, durante anos, fez a alegria dos fãs de ficção científica. O segundo representava um paradoxo que durante 30 anos martelou a cabeça do próprio Hawking e de diversos outros cientistas. “A mecânica quântica propõe que os níveis sub-atômicos da matéria se mantêm, sobrevivem de algum jeito”, diz Ednilson Oliveira. “Mas, segundo a primeira teoria de Hawking, toda a matéria desapareceria depois de engolida pelo buraco negro. A pequena evaporação que sai desses corpos, chamada de radiação Hawking, não teria informações sobre a matéria engolida. Ou seja, a matéria sumiria, e isso violaria as leis da quântica. Era um paradoxo”, completa Abdalla.

Foi justamente este o paradoxo resolvido por Stephen Hawking no último dia 21 de julho. O físico inglês sugere agora que os buracos negros tragam mesmo tudo que está em volta deles, mas, em vez de desaparecerem com toda essa matéria, à medida que envelhecem, acabam devolvendo a matéria – só que de forma desorganizada – para o universo. Ou seja, a matéria fica registrada por aqui mesmo, no nosso universo. Um alívio para a mecânica quântica, e uma decepção para os fãs de ficção científica. “É reconfortante sim, porque quem defendia o paradoxo era o grande Hawking, contra quem poucos têm argumentos. Quando ele assume que a mecânica quântica é que está certa, ou seja, a matéria se preserva de algum jeito, é alentador”, sentencia Ednilson, que também é chefe do Planetário de São Paulo. Já o professor do IF/USP defende que esse reconhecimento já era esperado. “Os físicos já desconfiavam que a matéria não podia simplesmente sumir, ou vazar para outros mundos. A comunidade científica já aguardava essa atitude de Hawking há muito tempo”.

Mas se já era esperado que Stephen Hawking admitisse seu erro, então porque houve uma certa efervescência quando ele declarou que os buracos negros devolvem sim a matéria para o universo? Por algumas razões. A primeira remonta às duas grandes teorias da física moderna. A Teoria da Relatividade Geral – concebida e desenvolvida por Albert Einstein – e a Mecânica Quântica sempre foram incompatíveis. A diferença básica é a seguinte: a primeira preocupa-se em explicar o comportamento do muito pequeno e, para isso, as grandezas físicas deixam de ser números, e passam a ser operadores. É o que se chama de quantização, a alma da teoria. A energia, assim como outras grandezas, como a quantidade de movimento, se organiza em pacotes indivisíveis. Mas nós só vemos o mundo físico como ele é porque esses pacotes são muito pequenininhos, parecendo objetos sólidos, maciços. É como o chão da praia: parece contínuo, mas na verdade é composto por milhões de grãozinhos de areia. Já a Relatividade Geral estuda o espaço e o tempo, e a grandeza do Universo.

Mas, para entender o Universo e seu nascimento, o ideal seria uma teoria da Relatividade Quântica. É aí que as incompatibilidades começam. Em primeiro lugar, o espaço e o tempo deveriam ser quantizados, ou seja, virarem aqueles pacotinhos, o que é muito difícil de conceber. Além disso, a Mecânica Quântica pressupõe que, para medir um objeto, é preciso estar fora dele. Ou seja, para medir uma casa devemos fazê-lo do jardim, para garantir números confiáveis. A dificuldade é que na, Relatividade Geral, nós estamos dentro do objeto de estudo, que é o próprio universo. “O grande sonho da física é exatamente poder unir a Mecânica Quântica com a Relatividade Geral. O que nos desafia é que, se tudo surgiu do Big Bang, estava tudo unificado... mas não conseguimos entender como”, queixa-se esperançoso o professor Edinilson. Voltando aos buracos negros: segundo Elcio Abdala, Hawking até agora defendia a Relatividade, mas hoje passa a admitir que a Mecânica Quântica é que está certa.

Outra razão para a repercussão da novidade diz respeito à maneira heterodoxa como a descoberta foi contada. De acordo com as notícias de agências internacionais, Hawking passou uma espécie de bilhete ao organizador da 17a Conferência Internacional sobre Relatividade Geral e Gravitação, ocorrida em julho último, em Dublin, Irlanda, avisando que tinha resolvido o paradoxo da informação sobre os buracos negros. “Normalmente os cientistas escrevem um artigo para seus pares, depois, aos poucos, vão ampliando a esfera de divulgação das descobertas, até que elas chegam ao grande público”, explica Abdalla. O físico Stephen Hawking queimou etapas, e a informação chegou rapidamente à imprensa, para então se espalhar para todo o mundo.

Para coroar, Hawking admitiu um erro. Ou melhor, reviu parte da sua teoria, justamente a parte mais polêmica, e admitiu que estava equivocado. “De fato, não é muito comum um cientista vir a público admitir que o que escreveu não estava certo, mas a ciência é isso. É feita de erros e acertos”, afirma o chefe do Planetário de São Paulo, fazendo coro ao professor do IF/USP: “Há conceitos da física muito sólidos, que já se conhece muito bem, como a mecânica newtoniana. Mas há ainda áreas que conhecemos pouco, toda a ciência relacionada ao Big Bang, a grande explosão que teria dado início a tudo, ainda é um mistério a ser desvendado”. Tanto assim que a nova teoria de Hawking ainda não é definitiva. Especialistas estão se entendendo e refazendo os cálculos para poder se pronunciar sobre a proposta do físico inglês.

Admitir erros humaniza a ciência e, por isso, a traz para mais perto dos estudantes, é o que garante o professor Ednilson Oliveira. Em suas aulas de física, ele percebe que, quando a ciência não é tratada como verdade absoluta, os estudantes tendem a se interessar mais. “Ainda mais quando estamos lidando com áreas de fronteira da física, como a astrofísica. Eles gostam de sentir que estão tateando junto comigo e com os cientistas do mundo inteiro áreas inexploradas”, sugere. E a curiosidade dos meninos fica bastante estimulada quando as descobertas recentes, que eles leram em revistas e jornais, tornam-se o assunto da aula.

Ainda segundo o professor do Colégio Santa Maria, os estudantes da era da informática vivem um tempo privilegiado. A mesma tecnologia obriga os cientistas a correrem atrás de teorias que expliquem os fenômenos captados. “É o caso do Hubble. O telescópio tem registrado imagens impensáveis há algum tempo. Cada foto daria uma tese de doutorado. E os alunos são muito ligados em tecnologia, o que os aproxima das descobertas”, explica Oliveira.

Tudo isso vai tirando da física a fama de enfadonha e de terror do ensino médio. É um fenômeno curioso, mas a Mecânica Quântica explica. O vôo de uma borboleta na Austrália pode provocar um furacão nos Estados Unidos, lembram? A nova teoria sobre buracos negros, do físico inglês Stephen Hawking, pronunciada na Irlanda, chega aqui como mais uma prova de que a Ciência é uma construção constante, pode fazer parte do cotidiano. Para o professor Ednilson, tomar contato com a ciência produzida hoje coloca os estudantes frente aos questionamentos clássicos, que atravessam os tempos, oferecendo aos meninos a chance de um diálogo próximo com todos os físicos do mundo, ao experimentarem a dúvida que dá início à Física: “De onde veio tudo isso. Como tudo isso começou???”.

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