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Celso Furtado e o desenvolvimento nacional

Por Francisco Bicudo

O Brasil perdeu, no último dia 20 de novembro, um de seus mais ilustres e brilhantes pensadores – o economista Celso Furtado. Crítico ferrenho da ideologia neoliberal, Furtado era alguém que resistia e ousava continuar acreditando em justiça social, em igualdade e liberdade, e na necessidade, sem sectarismos, de promover o desenvolvimento nacional soberano, a ser definido a partir dos próprios rumos e caminhos trilhados pela sociedade brasileira, e com base na leitura apurada de nossos problemas e realidade específica. Autor, dentre várias outras obras, do clássico “Formação Econômica do Brasil”, era uma das poucas vozes que ainda pregava que, por trás dos números e estatísticas, existem dramas e necessidades humanas, e é preciso ser sensível a elas. O SINPRO-SP reproduz, abaixo, dois artigos que discutem o legado do economista. O primeiro, publicado originalmente pela revista Carta Capital de 1º de dezembro, foi escrito pelo professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); o outro, veiculado no dia 27 de novembro pela Agência Carta Maior, é de autoria do jornalista Mauro Santayana. É uma singela e modesta homenagem a alguém que, até o fim da vida, insistiu em lançar um olhar brasileiro sobre os problemas e dilemas do Brasil.

“O Brasil redescoberto”
(*) Luiz Gonzaga Belluzzo

Alguém demente atilada já descobriu, com muita razão, que, depois de uma certa idade, apenas reescrevemos o que já havíamos escrito. Quando recebi a notícia da morte de Celso Furtado, lembrei-me do prefácio que cometi para um livro de Moniz Bandeira.

Eu dizia, então, que já houve tempo em que o moderno pensamento social brasileiro, em quaisquer de suas vertentes interpretativas, entregou-se à faina de descobrir e redescobrir o País. Pode-se dizer que essa “redescoberta” foi tentada por vários caminhos, desde a forte influência do historicismo e do positivismo até as “revisões” de cunho weberiano ou marxista.

Sergio Buarque de Hollanda, Gilberto Freyre, Oliveira Viana, Nelson Werneck Sodré, Celso Furtado, Caio Prado, Raymundo Faoro – para citar os que já estão entronizados na iconografia do pensamento social nativo – usaram da melhor maneira possível os paradigmas da teoria social. Buscaram a particularidade brasileira sem rejeitar os conceitos e valores com aspirações à universalidade, nascidos da generalização das relações sociais, econômicas, políticas e culturais nascidas da Revolução Francesa e da Revolução Industrial.

Essa especificidade histórica não foi construída por meio da oposição abstrata e rebarbativa entre modelos abstratos, mas, sim, mediante a investigação histórica, única forma de dar o sopro de vida aos conceitos.

Nos tempos de Furtado, a diversidade de experiências, dentro do marco comum das aspirações à “modernidade”, foi o emblema dos Trinta Anos Gloriosos que se seguiram à Segunda Grande Guerra.

Nesse período, nem mesmo a tensão permanente entre as duas superpotências, a competição entre o capitalismo e o socialismo, a rivalidade econômica cada vez maior entre a Alemanha, os Estados Unidos e o Japão, os conflitos armados e os golpes militares que se sucederam na periferia do sistema impediram maior liberdade das políticas nacionais de desenvolvimento. Foi nesse ambiente, construído fundamentalmente pela presença americana em Bretton Woods, que prosperaram os processos de industrialização da periferia.

Era possível, então, aos intelectuais das nações emergentes – e Celso Furtado foi um dos maiores – desenharem o espaço em que seriam construídas as utopias da igualdade e das liberdades, mediante a invenção de seus próprios caminhos, numa emulação enriquecedora com os países centrais. Assim, a convergência para os valores, formas de convivência e instituições políticas nascidas do Iluminismo, das revoluções Francesa e Americana, seria acompanhada da diferenciação de estilos, da valorização das tradições culturais e do respeito aos processos locais de integração social.

No Brasil, as forças ditas progressistas foram impotentes para promover as reformas necessárias e levar adiante um projeto de desenvolvimento nacional que deveria ultrapassar os marcos estritos do mero crescimento econômico. O avanço da industrialização e da modernização social e política foi travado pelas alianças políticas, regionais, e de classe que incorporaram os interesses mais retrógrados e reacionários ao bloco desenvolvimentista.

Essa circunstância explica a derrota, no imediato pós-guerra, das tendências políticas que almejavam maior autonomia nacional. Tal pretensão não significava, como pretende o cosmopolitismo conservador, a busca de uma economia autárquica. Celso Furtado sempre insistiu na necessidade d se manter sob o comando nacional – estatal ou privado – os setores decisivos do ponto de vista financeiro ou tecnológico, estratégicos no que respeita à governança da economia e, sobretudo, nucleares para coordenar as decisões de investimento.

A repactuação continuada do compromisso com o cosmopolitismo conservador foi, na verdade, responsável pela trajetória que levou o capitalismo brasileiro aos impasses que o imobilizam atualmente: a deformação sistemática da vontade popular, imposta por um sistema político oligárquico e intrinsecamente anti-republicano; a espantosa persistência da estrutura agrária que está na origem da reprodução e ampliação das desigualdades sociais, transportadas do campo para as cidades; o patrimonialismo da grande empresa industrial, o rentismo do sistema bancário, a eterna revolta contra o pagamento de impostos por parte dos endinheirados.

É daí que decorrem a constante dependência do financiamento externo, a desordem financeira do Estado, o protecionismo excessivo, a passividade tecnológica, o atraso organizacional e a posição subordinada da grande empresa privada nacional.

(*) Professor da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
www.cartacapital.com.br

Economia como ciência social
(*) Mauro Santayana

Celso Furtado, morto no último dia 20, via a economia como uma ciência social, ou seja, política. É difícil encontrar números em seus trabalhos, a não ser os números relativos que expressam as desigualdades.

Para Celso Furtado, o grande brasileiro que nos deixou recentemente, a economia era – como seus mestres entendiam – uma ciência social, ou seja, política. É difícil encontrar números em seus trabalhos, a não ser os números relativos, que expressam as desigualdades. Celso Furtado conhecia a desigualdade dos dois lados. Sua origem – e ele não escondia essa circunstância – era a da melhor aristocracia ibérica: a dos Furtado de Mendonça, aparentada aos Hurtado, fidalgos espanhóis que se destacaram nas guerras e conquistas.

Tendo nascido no Nordeste, de família ilustrada, embora não constituída de potentados, o menino Celso vivia no lado dos que ali mandam, mas sentia a miséria nas ruas. Entendia, assim, a desigualdade em sua forma mais aviltada: a que separava os muito ricos dos muito pobres em uma região paupérrima. Para ele – e nisso tinha toda a razão – os pobres do Nordeste só seriam libertados da miséria e da humilhação quando toda a área fosse incorporada ao resto do Brasil, em termos econômicos. Ele fazia parte daquela esquerda que, segundo Jaurés, não pode separar o sonho da igualdade econômica da utopia da liberdade individual. Sua opção ideológica nascia da razão, por isso não era submetido a dogmas.

Celso foi um homem do século 20. Um século que pode ser definido como um tempo de resistência contra o totalitarismo. Em nenhum outro, tantos homens morreram em defesa do humanismo. Mas se foi século de resistência, foi também século de insânia. Contra a demência dos primeiros conflitos até a atualidade – quando a estupidez se reinstala para servir a um totalitarismo que se pretende universal, sempre se insurgiu a genuína inteligência. Foi com essa consciência da necessidade de resistir que Celso decidiu apresentar-se a fim de combater na Força Expedicionária Brasileira. E foi com a mesma consciência que abandonou o jornalismo e a advocacia, a fim de dedicar-se à economia, a uma economia que servisse a todos os homens, e não só aos patrões.

Tive o privilégio de conversar algumas vezes com Celso Furtado sobre os problemas de nosso tempo. Como todos os grandes intelectuais, ele era capaz de discutir sobre os assuntos mais variados com clareza, objetividade e simplicidade, ao contrário de muitos de seus contemporâneos, que não conseguem dizer que dois e dois são quatro sem pedantismo.

Foi um homem coerente, porque sempre acreditou em suas idéias e em seu povo. Felizmente para a cultura brasileira, a obra de Celso vem sendo cuidada carinhosamente por sua esposa Rosa Freire de Aguiar, que deixou o jornalismo, em que se destacara como grande repórter e correspondente em Paris, a fim de dedicar-se integralmente ao excepcional pensador.

(*) Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, “Mar Negro” (2002).
www.agenciacartamaior.com.br

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